sábado, 7 de janeiro de 2012

Fidel Castro: A marcha rumo ao abismo




Não se trata de otimismo ou pessimismo, de saber ou ignorar coisas elementares, ser responsável ou não pelos acontecimentos. Os que se pretendem políticos devem ser jogados à lixeira da história se, como é norma, nessa atividade ignoram tudo, ou quase tudo, o que se relaciona com ela.

Por Fidel Castro


Não falo, claro, dos que ao longo de vários milênios converteram os assuntos públicos em instrumento de poder e riqueza para as classes privilegiadas, atividade em que verdadeiros recordes de crueldade têm sido impostos durante os últimos oito ou dez mil anos em que existem vestígios certos da conduta social de nossa espécie, cuja existência como seres pensantes tem apenas, segundo os cientistas, uns 180 mi anos.

Não é minha intenção engajar-me em tais temas que, certamente, aborreceriam quase cem por cento das pessoas que continuamente são bombardeadas com notícias através da mídia, que vão desde a palavra escrita até as imagens tridimensionais que começam a ser exibidas em custosos cinemas, e não está muito distante o dia em que também predominem nas já por si fabulosas imagens da televisão. Não é casual que a chamada indústria de recreação tenha sua sede no coração do império que a todos tiraniza.

Pretendo situar-me no ponto de partida atual de nossa espécie para falar da marcha rumo ao abismo. Poderia, inclusive, falar de uma marcha “inexorável” e estaria com certeza mais próximo da realidade. A ideia de um juízo final está implícita nas doutrinas religiosas dominantes entre os habitantes do planeta, sem que ninguém as qualifique de pessimistas. Considero, ao contrário, que é um dever elementar de todas as pessoas mais sérias, que são milhões, lutar para adiar e, talvez, impedir, esse dramático e próximo acontecimento no mundo atual.

Numerosos perigos nos ameaçam, mas dois deles - a guerra nuclear e a mudança climática - são decisivos e ambos estão cada vez mais longe de ter uma solução.

O palavrório demagógico, as declarações e discursos da tirania imposta ao mundo pelos Estados Unidos e seus poderosos e incondicionais aliados, em ambos os temas, não admitem a menor dúvida a respeito. 

O primeiro de janeiro de 2012, ano novo ocidental e cristão, coincide com o aniversário do triunfo da Revolução em Cuba e o ano em que se completam os 50 anos da Crise de Outubro de 1962, que colocou o mundo à beira de uma guerra mundial nuclear, o que me obriga a escrever estas linhas.

Minhas palavras não teriam sentido se tivessem como objetivo atribuir alguma culpa ao povo norte-americano, ou ao de qualquer outro país aliado dos Estados Unidos na insólita aventura; eles, como os demais povos do mundo, seriam as vítimas inevitáveis da tragédia. Fatos recentes ocorridos na Europa e outros pontos mostram a indignação massiva daqueles a quem o desemprego, o custo de vida, a redução nas rendas, as dívidas, a discriminação, as mentiras e a politicagem, conduzem aos protestos e às brutais repressões dos guardiões da ordem estabelecida.

Com frequência crescente se fala de tecnologias militares que afetam a totalidade do planeta, único local habitável conhecido a centenas de anos luz de outro que talvez possa ser adequado se pudéssemos viajar à velocidade da luz, trezentos mil quilômetros por segundo.

Não devemos ignorar que nossa maravilhosa espécie pensante desaparecerá muitos milhões de anos antes de que surja novamente outra capaz de pensar, em virtude dos princípios naturais que regem a evolução das espécies, descobertos por Darwin em 1859 e hoje reconhecidos por cientistas sérios, religiosos o ou não.

Nenhuma outra época da história do homem conheceu os atuais perigos que ameaçam a humanidade. Pessoas como eu, com 85 anos de idade, tínhamos chegado aos 18 com o título de bacharel antes de ser construída a primeira bomba atômica.

Hoje os artefatos deste tipo, prontos para serem empregados - incomparavelmente mais poderosos que aqueles que produziram o calor do sol sobre as cidades de Hiroshima e Nagasaki ─ são milhares.

As armas desse tipo, armazenadas adicionalmente nos depósitos, somadas às já desativadas em virtude dos acordos, alcançam cifras que superam os vinte mil projéteis nucleares.

O emprego de apenas uma centena dessas armas seria suficiente para criar um inverno nuclear que provocaria uma morte espantosa, em pouco tempo, de todos os seres humanos que habitam o planeta, como demonstrou brilhantemente e com dados computadorizados o cientista norte-americano e professor da Universidade de Rutgers (Nova Jersey), Alan Robock.

Os que costumam ler as notícias e análises internacionais sérias conhecem como os riscos do início de uma guerra com o emprego de armas nucleares se incrementam na medida em que a tensão cresce no Oriente Médio, onde só o governo de Israel acumula centenas de armas nucleares em plena disposição para o combate, e cujo caráter de forte potência nuclear não se confirma nem se nega. Cresce igualmente a tensão em torno da Rússia, país de inquestionável capacidade de resposta, ameaçada por um suposto escudo nuclear europeu.

É de provocar riso a afirmação ianque de que o escudo nuclear europeu existe para proteger também a Rússia do Irã e da Coreia do Norte. A posição ianque é tão débil neste assunto delicado que seu aliado Israel nem sequer se incomoda em garantir consultas prévias sobre medidas que possam desencadear a guerra.

A humanidade, por outro lado, não goza de garantia nenhuma. O espaço cósmico, nas proximidades de nosso planeta, está saturado de satélites artificiais dos Estados Unidos destinados a espionar o que ocorre até nos telhados das residências de qualquer nação no mundo. A vida e os costumes de cada pessoa ou família passaram a ser objeto de espionagem. A escuta de centenas de milhares de celulares, e os temas das conversas de qualquer usuário em qualquer parte do mundo, deixam de ser assuntos privados para serem convertidos em material de informação para os serviços secretos dos Estados Unidos.

Este é o direito que resta aos cidadãos de nosso mundo em virtude dos atos de um governo cuja Constituição, aprovada no Congresso de Filadélfia em 1776, estabelecia que todos os homens nascem livres e iguais, tendo recebido do Criador determinados direitos, dos quais já não lhes resta, nem aos próprios norte-americanos ou a qualquer cidadão do mundo, nem sequer o direito de comunicar por telefone a familiares e amigos seus sentimentos mais íntimos.

A guerra, contudo, é uma tragédia que pode ocorrer, e é muito provável que ocorra. Mas, se a humanidade fosse capaz de retardá-la por um tempo indefinido, outro fato igualmente dramático está ocorrendo já em ritmo crescente: a mudança climática. Assinalarei apenas aquilo que eminentes cientistas e comentaristas de relevo mundial têm explicado através de documentos e filmes que ninguém questiona.

É bem conhecido que o governo dos Estados Unidos se opôs aos acordos de Quioto sobre o meio ambiente, uma linha de conduta que nem sequer combinou com seus aliados mais próximos, cujos territórios sofreriam grandemente e alguns dos quais, como a Holanda, desapareceriam completamente.

O planeta segue hoje sem uma política sobre este grave problema, enquanto os níveis do mar sobem, as enormes camadas de gelo que cobrem a Antártica e a Groenlândia (onde se acumula mais de 90% da água doce do mundo), derretem em ritmo crescente, e a humanidade já alcançou oficialmente, em 30 de novembro de 2011, a cifra de sete bilhões de habitantes que, nas áreas mais pobres do mundo, cresce de forma inevitável. Por acaso aqueles que se dedicaram a bombardear países e matar milhões de pessoas durante os últimos 50 anos podem se preocupar com o destino dos demais povos?

Os Estados Unidos são hoje não só o promotor dessas guerras, mas também o maior produtor e exportador de armas no mundo.

Como se sabe, esse poderoso país assinou um acordo para fornecer 60 bilhões de dólares nos próximos anos ao reino da Arábia Saudita, onde as transnacionais dos Estados Unidos e de seus aliados extraem todo dia 10 milhões de barris de petróleo leve, isto é, bilhões de dólares em combustível. Que será daquele país e da região quando estas reservas se esgotarem? Não é possível que nosso mundo globalizado aceite sem choradeira o colossal desperdício de recursos energéticos que a natureza levou centenas de milhares de anos para criar, e cuja dilapidação encarece os custos essenciais. Não seria em absoluto digno do caráter inteligente atribuído a nossa espécie.

Nos últimos doze meses essa situação se agravou consideravelmente a partir de novos avanços tecnológicos que, longe de aliviar a tragédia proveniente do desperdício dos combustíveis fósseis, a agrava consideravelmente.

Cientistas e pesquisadores de prestígio mundial vinham assinalando as consequências dramáticas da mudança climática.

Em um excelente documentário, o diretor francês Yann Arthus-Bertrand, intitulado Home, e elaborado com a colaboração de prestigiosas e bem informadas personalidades internacionais, publicado em meados de 2009, advertiu ao mundo com dados irrebatíveis o que estava ocorrendo. Com sólidos argumentos, expunha as consequências nefastas do consumo, em menos de dois séculos, dos recursos energéticos criados pela natureza em centenas de milhões de anos. Mas o pior não é o colossal desperdício, mas as consequências suicidas que teria para a espécie humana : “... te beneficias de um fabuloso legado de quatro bilhões de anos ministrado pela Terra. Tens apenas 200 mil anos, mas já mudaste a face do mundo”.

Não culpava, nem poderia culpar, a ninguém - sinalizava apenas uma realidade objetiva. Contudo, hoje temos que culpar-nos a todos os que sabemos e nada fazemos para remediar esta situação.

Em suas imagens e conceitos, os autores desta obra incluem memórias, dados e ideias que temos o dever de conhecer e levar em conta.

Recentemente outro fabuloso material fílmico exibido foi Oceanos, elaborado por dois produtores franceses, considerado em Cuba o melhor filme do ano. Talvez, em minha opinião, o melhor desta época.

É um material que assombra pela precisão e beleza das imagens nunca antes filmadas por câmara alguma: oito anos e 50 milhões de euros foram investidos no filme. A humanidade terá que agradecer essa prova da forma como se expressam os princípios da natureza adulterados pelo homem. Os atores não são seres humanos; são os povoadores dos mares do mundo. Um Oscar para eles!

O que despertou em mim o dever de escrever estas linhas não surgiu dos fatos referidos até aqui, que de uma forma ou outra comentei anteriormente. Mas de outros que, manejados pelo interesse das transnacionais, saíram à luz em doses graduais nos últimos meses e servem em minha opinião como prova definitiva da confusão e do caos político que imperam no mundo.

Foi apenas há alguns meses que li pela primeira vez algumas notícias sobre a existência do gás de xisto. Dizia-se que os Estados Unidos dispunham de reservas para suprir suas necessidades deste combustível durante 100 anos. Como disponho, atualmente, de tempo para indagar sobre temas políticos, econômicos e científicos que podem ser realmente úteis a nossos povos, entrei em contato discretamente com várias pessoas que residem em Cuba ou no exterior. Curiosamente, nenhuma delas havia ouvido uma palavra sobre o assunto. Não era a primeira vez que isso acontecia. E é assombroso que fatos importantes podem ser escondidos num verdadeiro mar de informações, misturados com centenas ou milhares de notícias que circulam pelo planeta.

Persisti, entretanto, em meu interesse sobre o tema. Transcorreram vários meses e o gás de xisto não é notícia. Na véspera do ano novo já se conheciam dados suficientes para ver com clareza a marcha inexorável do mundo rumo ao abismo, ameaçado por riscos tão extremamente graves como a guerra nuclear e a mudança climática. Do primeiro já falei; do segundo, por uma questão de brevidade, me limitarei a expor dados conhecidos e alguns por conhecer que nenhum dirigente político ou pessoa sensata pode ignorar.

Não vacilo em afirmar que observo ambos os fatos com a serenidade dos anos vividos, nesta espetacular fase da história humana, que contribuiu para a educação de nosso povo valente e heroico.

O gás se mede em TCF, podendo ser referido em pés cúbicos ou metros cúbicos - nem sempre se explica se se trata de um ou outro - dependendo do sistema de medidas que se use em um determinado país. Por outro lado, quando se fala de bilhões, podem se referir ao bilhão espanhol que significa um milhão de milhões (bilhões em português). Essa cifra em inglês é classificada como trilhão que deve ser levada em conta quando se analisa os dados referidos ao gás, que costumam referir-se a volumes. Tratarei de indicar quando for necessário.

O analista norte-americano Daniel Yergin, autor de um volumoso clássico da história do petróleo afirmou, segundo a agência de notícias IPS, que um terço de todo o gás produzido nos Estados Unidos já é gás de xisto.

“... a exploração de uma plataforma com seis poços pode consumir 170 mil metros cúbicos de água e inclusive provocar efeitos danosos como influir nos movimentos sísmicos, contaminar águas subterrâneas e superficiais, e afetar a paisagem”.

O grupo britânico BP informou por sua parte que “as reservas provadas de gás convencional ou tradicional no planeta somam 6.608 trilhões de pés cúbicos, uns 187 trilhões de metros cúbicos, (...) e os depósitos maiores estão na Rússia (1.580 TCF), Irã (1.045), Catar (894), Arábia Saudita e Turquemenistão, com 283 TCF cada um”. Trata-se do gás que se vinha produzindo e comercializando.

“Um estudo da EIA - uma agência governamental dos Estados Unidos sobre energia - publicado em abril de 2011 encontrou praticamente o mesmo volume (6.620 TCF ou 187 trilhões de metros cúbicos) de gás de xistos recuperável em apenas 32 países, e os gigantes são: China (1.275 TCF), Estados Unidos (862), Argentina (774), México (681), África do Sul (485) e Austrália (396 TCF)”. Observe-se que de acordo com o que se sabe, Argentina e México possuem quase tanto quanto os Estados Unidos. China, com as maiores jazidas, possui reservas que equivalem a quase o dobro daqueles e uns 40% a mais que os Estados Unidos.

“... países secularmente dependentes de fornecedores estrangeiros contariam com uma enorme base de recursos em relação a seu consumo, como França e Polônia, e importam 98 e 64 por cento, respectivamente, do gás que consomem e que teriam em rochas de xisto reservas superiores a 180 TCF cada um”.

“Para extraí-lo - assinala a IPS - se apela a um método batizado de “fracking” (fratura hidráulica), com a injeção de grandes quantidades de água, areia e aditivos químicos. A emissão de carbono (produção de dióxido de carbono liberada na atmosfera) é muito maior que a gerada com a produção de gás convencional”.

“Como se trata de bombardear camadas da crista terrestre com água e outras substâncias, aumenta o risco de provocar danos no subsolo, no solo, águas subterrâneas e superficiais, a paisagem e as vias de comunicação se as intalações para extrair e transportar a nova riqueza apresentem defeitos ou erros de manejo”.

Basta assinalar que entre as numerosas substâncias químicas injetadas com a água para extrair este gás se encontram o benzeno e o tolueno, que são terrivelmente cancerígenas.

A especialista Lourdes Melgar, do Instituto Tecnológico e de Estudos Superiores de Monterrey, opina que: 

“´É uma tecnologia que gera muito debate e são recursos encontrados em regiões onde não há água´...”

“Os xistos gasíferos - diz IPS - são pedreiras de hidrocarbonetos não convencionais enquistados em rochas que as abrigam, e é por isso que se aplica a fratura hidráulica (conhecida como ‘fracking’) para liberá-las em grande escala”.

“A geração de gás de xisto envolve altos volumes de água e a escavação e fratura geram grandes quantidades de resíduos líquidos, que podem conter substâncias químicas dissolvidas e outros contaminantes que exigem tratamento antes de serem descartados”.

“A produção de xisto saltou de 11.037 milhões de metros cúbicos em 2000 a 135.840 milhões em 2010. Se este ritmo de expansão continuar, em 2035 chegará a cobrir 45 por cento da demanda geral de gás”, diz a EIA.

“Pesquisas cientificas recentes alertam para o perfil ambientalmente negativo do gás de xisto”.

“Os acadêmicos Robert Howarth, Renee Santoro e Anthony Ingraffea, da estadunidense Universidade de Cornell, concluíram que este hidrocarboneto é mais contaminante que o petróleo e o gás, segundo seu estudo ‘Metano e a pegada de gases de efeito estufa do gás natural proveniente de formações de xisto’, divulgado em abril passado pela revista Climatic Change.

“A pegada carbônica é maior que a do gás convencional ou o petróleo, vistos em qualquer horizonte temporal, mas particularmente num espaço de 20 anos. Comparada com o carvão, é ao menos 20por cento maior e talvez mais do dobro em 20 anos´, ressaltou a notícia.”

“O metano é um dos gases do efeito estufa mais contaminantes, responsáveis pelo aumento da temperatura do planeta”.

“´Em áreas ativas de extração (um ou mais poços em um quilômetro), as concentrações médias e máximas de metano em poços de água potável crescem com a vizinhança ao poço gasífero mais próximo, além do perigo potencial de explosão´, assegura o texto escrito por Stephen Osborn, Avner Vengosh, Nathaniel Warner y Robert Jackson, da estatal Universidade de Duke.

“Estes indicadores questionam o argumento da indústria de que o xisto pode substituir o carvão para a geração de energia elétrica e, portanto, ser um recurso para mitigar a mudança climática.”

“´É uma aventura muito prematura e arriscada´.”

“Em abril de 2010, o Departamento de Estado dos Estados Unidos colocou em marcha a Iniciativa Global de Gás de Xisto para ajudar os países que querem aproveitar este recurso, para identificação e desenvolvimento. Com um eventual ganho econômico para as transnacionais dessa nação.”

Fui inevitavelmente extenso; não tive outra opção. Redijo estas linhas para o portal Cubadebate e para a Telesur, uma das emissoras de notícias mais sérias e honestas de nosso sofrido mundo.

Para abordar o tema deixei que passassem os dias festivos do velho e do novo ano.

Fidel Castro Ruz
4 de janeiro de 2012, 21h15

Fonte: Cubadebate
http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=172707&id_secao=9 
Tradução da redação do Vermelho






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