quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Manifestações contra Lula são de "direita ressentida", diz Vladimir Safatle

http://sopadeblogs।blogspot.com/2011/11/manifestacoes-contra-lula-sao-de.html


Professor de filosofia da USP entende que ex-presidente é capaz de despertar reações de amor e ódio e vê crescimento da internet como fórum para injúrias, embora ressalte caráter minoritário de intolerância explícita


Por: João Peres, Rede Brasil Atual
Bastaram poucas horas após a divulgação de que Luiz Inácio Lula da Silva teria de se tratar de um tumor na laringe para que aflorassem nas redes sociais e em comentários de leitores em páginas da internet manifestações contra o ex-presidente da República. Alguns usuários passaram a promover uma campanha para que o petista fosse buscar tratamento no Sistema Único de Saúde (SUS).
“A internet entrou em um processo de radicalização de opiniões. Muitas vezes ela não serve como um fórum de debates, ela serve como um caso de injúrias”, afirma Vladimir Safatle, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP). Em breve entrevista por telefone, ele aponta que Lula é uma figura capaz de despertar amor e ódio por conta do papel inegavelmente importante que tem na história brasileira.
Sem entrar no mérito dos comentários específicos contra o ex-presidente, Safatle lembra que há um histórico de violência na direita brasileira, “que é muito ressentida com a presença da esquerda na vida política nacional”.
No sábado, em conversa na rádio CBN, a colunista de política Lucia Hippolito culpou Lula pela doença. “Não é surpresa tendo em vista o abuso da fala do presidente, que jamais teve um exercício de fonoaudiologia, e estava no palanque todo santo dia, tabagismo, alcoolismo”.
Em um vídeo colocado no YouTube, o usuário identificado como Dâniel Fraga afirmou: “Desejo o mal. Espero que continue fumando suas cigarrilhas, seus charutos cubanos, que esse câncer volte com força total e que ele morra”. O presidente da Juventude do PSDB de Santo André, no ABC paulista, João Antonio Cardoso, discordou dos que propagaram esta visão: “Não tô feliz nada. Se essa porra morrer vai virar mártir e brasileiro idiota vai votar no PT por causa dele”.
O episódio contra Lula ocorreu um ano após as manifestações, também nas redes sociais, de intolerância contra nordestinos. Após a vitória de Dilma Rousseff nas eleições presidenciais contra o tucano José Serra, floresceram em comentários as visões de que os eleitores do Nordeste haviam votado de maneira clientelista. A declaração postada pela estudante de Direito Mayara Peluso acabou por sintetizar o teor das mensagens. “"Nordestisto (sic) não é gente. Faça um favor a SP: mate um nordestino afogado!”.
Para Safatle, nada que surpreenda. “Existe um setor da vida nacional que se aproveita dos sentimentos mais arcaicos para expressar sua incompreensão completa com o que está em jogo na sociedade brasileira.”

Confira a seguir trechos da entrevista concedida à Rede Brasil Atual.

Quais as motivações para os comentários contra o ex-presidente Lula?
Tem duas coisas interessantes para se pensar. Com o advento da internet, o que aconteceu em larga medida foi que o conjunto de opiniões que são extremamente preconceituosas, que muitas vezes beiram o racismo, a xenofobia e coisas da mesma natureza, foram tendo o direito de cidadania. Porque a internet garante o anonimato das opiniões. Pode-se fazer uma apologia do nazismo em um comentário que isso não vai redundar em nada porque você tem várias maneiras de aparecer como anônimo. Claro que tem sempre esse tipo de mediação feito pelos servidores, mas a internet entrou em um processo de radicalização de opiniões. Muitas vezes ela não serve como um fórum de debates, ela serve como um caso de injúrias.
Nesse caso, além disso, o ex-presidente Lula é uma personalidade que desperta amor e ódio. Fenômenos dessa natureza acabam permitindo que esses sentimentos contrários aflorem.
Por que Lula desperta essa relação de amor e ódio?
Queira ou não, é uma das figuras mais importantes da história brasileira desde 1945. Independente do julgamento que se possa faz do presidente Lula, esse aspecto é inegável. Foi o único presidente eleito na história do Brasil que conseguiu eleger seu sucessor de maneira democrática. Isso demonstra, entre outras coisas, uma posição muito privilegiada dele no cenário político brasileiro. Daqui para a frente, muito do que acontece vai ser em função dele. De como se posicionar frente a Lula, do pós-Lula, questões dessa natureza. Não me parece estranho que seja um personagem que desperta tanta controvérsia de opiniões.
A origem humilde e a vida sindical alimentam essa parcela do ódio?
É difícil dizer porque não vi o perfil desses tipos de comentários. O que se sabe é que há um histórico de violência não só em relação a ele, mas à esquerda em geral, por parte de setores da vida nacional que colocam todos no mesmo balaio e fazem afirmações das mais radicais. Basta ver os posts sobre questões ligadas à ditadura militar, que são da ordem do medonho, dizendo que eram bandidos, que tinham de ser torturados. Me parece que é mais uma das manifestações muito recorrentes, cada vez mais por conta da internet, de uma certa parcela da direita brasileira que é muito ressentida com a presença da esquerda na vida política nacional.
Coincidentemente, isso ocorreu um ano após as manifestações contra nordestinos nas redes sociais.
É a vida política nacional no seu nível mais raso. Acredito que esse tipo de opinião, pelo menos de maneira explícita, é veiculada por uma minoria, que grita muito, mas pelo menos não é muito grande – isso de maneira explícita. Aquilo decorreu da visão de que o Brasil havia sido dividido eleitoralmente, o que era uma meia verdade porque as votações do PT foram expressivas em todos os estados. Existe um setor da vida nacional que se aproveita dos sentimentos mais arcaicos para expressar sua incompreensão completa com o que está em jogo na sociedade brasileira.
Qual o papel da imprensa na formação do imaginário sobre Lula nestes setores da sociedade?
Uma questão da democracia é que sempre será preciso tolerar um pouco isso। Tem um setor da imprensa nacional extremamente agressivo no que diz a respeito de seus oponentes porque se vê como perseguido, que gosta de se utilizar dessa figura, e que no fundo usa dos expedientes retóricos mais crassos possíveis. Nesse sentido, nada disso me impressiona muito. Até porque uma doença de um ex-presidente é tratada em qualquer lugar do mundo da maneira mais serena possível. Existe todo um imaginário em torno das doenças dos políticos, sempre há muita especulação porque se for alguma coisa grave o político sai de cena. Uma figura como o Lula, se sai da vida política, traz uma série de consequências muito importantes. Desde a época da finada União Soviética que não se sabia nada sobre a saúde dos políticos. Faz parte da esfera política essa questão sobre a saúde.



quarta-feira, 2 de novembro de 2011

O CÂNCER DE LULA E O ÓDIO DAS ELITES

Do Blog do Chico

Nem bem a notícia sobre o câncer de laringe de Lula havia sido dada, na manhã do último sábado, e as redes sociais e os espaços para comentários de leitores em diversos sites e portais já tinham sido lamentavelmente transformados em esgoto fedorento, tamanha a quantidade de falas torpes e abjetas que começaram a ser postadas। Não vou aqui reproduzi-las, para não oferecer ainda mais espaço e visibilidade gratuitos para o rancor e a ignorância (entendida precisamente como falta de informação ou de argumentos), mas o que veio à tona, de forma efusiva, foram comemorações e regojizos, a agradecer a doença दो Chico ex-presidente e a desejar a ele vida curta, dentre tantas outras barbaridades।




O movimento foi tão brutal e desumano (às vezes penso mesmo se o ser humano merece ser chamado de Homo sapiens, aquele que pensa e sistematiza ideias com a razão...) que chegou a incomodar gente como o jornalista Gilberto Dimenstein, que, longe de ser um esquerdista (e de quem discordo na imensa maioria das vezes), apressou-se em publicar na WEB um texto onde reconhecia ter sentido "um misto de vergonha e enjoo ao receber centenas de comentários de leitores para a minha coluna sobre o câncer de Lula. Fossem apenas algumas dezenas, não me daria o trabalho de comentar. O fato é que foi uma enxurrada de ataques desrespeitosos, desumanos, raivosos, mostrando prazer com a tragédia de um ser humano. Pode sinalizar algo mais profundo". Tais ativistas de sofá, muitas vezes protegidos por anonimato e perfis fakes (quanta decência e coragem...), aproveitam-se de um drama humano para travar luta política, transformada ainda em guerra suja e lamacenta, da pior espécie, sem escrúpulos.

Para Francisco Fonseca, professor de Ciência Política da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV/SP), essa reação corresponde mais uma vez, e de forma cristalina, à ojeriza que as elites sempre manifestaram pela figura de Lula e por aquilo que ele representa - e os adeptos de tal tese encontraram na doença dele mais uma janela para a publicização desse rancor. "Não aceitam que um operário, retirante nordestino, sem a escolaridade formal tenha chegado à Presidência da República. Sempre que podem, buscam revanche. É disso que se trata. Claro que o governo Lula teve inúmeros problemas, mas também registrou avanços inegáveis. O Brasil mudou, para melhor. Mas as elites abandonam a discussão política e investem num forte preconceito social, de classe", avalia o pesquisador, em entrevista exclusiva ao Blog.

No limite, o que as elites explicitam é por tabela uma visão limitada e utilitarista da própria ideia de democracia, já que um dos principais feitos das duas eleições de Lula foi justamente mostrar que a democracia brasileira vale para todos. Como bem lembra o jornalista Mino Carta, estamos afinal a falar de um segmento privilegiado e egoísta da sociedade, que sofre de "umbiguismo" crônico, de uma das elites mais arcaicas e retrógradas do planeta, que tem saudades da Casa Grande e defende ferozmente uma democracia para 20%, sem o povo a incomodar.

O professor da FGV/SP (também autor do livro "O consenso forjado", editora Hucitec, 2005, que discute o papel da grande mídia na consolidação da agenda neoliberal no Brasil) lembra também que, em termos políticos, o Brasil vive, desde o início dos anos 1990, a polarização ideológica entre PT e PSDB, que de alguma maneira reflete a oposição entre pobres e ricos. "É a divisão de classes traduzida em partidos, e o PSDB tem bandeiras fortemente elitistas, que vão aparecer e se manifestar publicamente nessas situações, como já havia ocorrido inclusive na campanha presidencial do ano passado, quando a candidatura de José Serra flertou perigosamente com temas obscuros e de natureza privada", confirma.

Preconceito e ignorância se manifestaram também de forma igualmente asquerosa na campanha "Lula, vá se tratar no SUS", veiculada nas redes - e duramente criticada até mesmo pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, para quem essa postura é uma espécie de "recalque, um equívoco que ele não endossa". Ora, quando tiveram graves problemas de saúde, Sergio Motta, Roberto Marinho e Ruth Cardoso buscaram tratamento em modernos hospitais privados (Albert Einstein, Samaritano (RJ) e Sírio-Libanês, respectivamente). Orestes Quércia também buscou o Sírio, onde também estiveram internados Romeu Tuma e José de Alencar. Mario Covas foi atendido pelo sistema particular. E não coloco em questão as escolhas deles, fizeram as opções que mais acharam adequadas. É legítimo - e legal. Mas, assim como quem não quer nada, só por curiosidade mesmo, pergunto aos que defendem a campanha "Lula, faça o tratamento no SUS": o mesmo deveria ter valido para todos os outros aqui citados? A postura parece confirmar o preconceito e o ódio de classe: para quem pertence à elite, tudo bem, essa escolha é "natural", sem gritarias ou inconformismos. Já para o operário, que vem da plebe... "O argumento é novamente seletivo", destaca Fonseca.

Outra questão: quem bate no peito e vocifera que Lula deve se tratar no SUS defende também com convicção e honestidade que o governador Geraldo Alckmin e o prefeito Gilberto Kassab devam oficialmente renunciar a carros particulares e a helicópteros para se deslocar pela cidade de São Paulo apenas de metrô e de ônibus, respectivamente? Avaliem por gentileza a encruzilhada: porque busca tratamento em hospitais privados, Lula é "incoerente"; caso escolhesse o SUS, seria acusado de 'tirar vaga de quem realmente precisa'. E aí? Como faz? Para mim, é muito claro: é ódio de classe. Para estes, é melhor deixar o ex-presidente sem atendimento mesmo.

Aliás, novamente, e sempre como curiosidade: por que o alvo dessa campanha tão "nobre, republicana e cívica" é apenas o ex-presidente Lula? Em artigo publicado na Agência Carta Maior, a jornalista Maria Inês Nassif escreve que "a obsessão da elite brasileira em tentar desqualificar Lula é quase patológica. E a compulsão por tentar aproveitar todos os momentos, inclusive dos mais dramáticos do ponto de vista pessoal, para fragilizá-lo, constrange quem tem um mínimo de bom senso. (...) Até na política as regras de boas maneiras devem prevalecer". E Paulo Moreira Leite, da revista Época, uma das raras vozes lúcidas que resta na mídia carcomida (mas que mostra que ainda há espaço para bom jornalismo na grande imprensa), chama a campanha de "hipocrisia" e lembra que "ironicamente, os mesmos adversários que impediram a manutenção de verbas para a saúde pública agora querem que o presidente se trate pelo SUS".

O jornalismo, aliás, merece um parágrafo à parte nessa análise. Foi estarrecedor perceber que, menos de meia hora depois da confirmação do câncer, rádios e emissoras de TV, principalmente, já estavam a reverberar o mórbido cenário "pós-Lula" - além obviamente de muitos colunistas aproveitarem a oportunidade para reforçar o fato de o tumor ser "na garganta" (nas entrelinhas, torcendo mesmo para que a voz de Lula silencie), o resultado de uma vida desregrada e regada a goles (com associação nem sempre sutil com o alcoolismo) e a cigarrilhas. O jornalista Luis Nassif lembra que, não por acaso, em grande medida o ódio contra o ex-presidente Lula vem sendo estimulado por órgãos de imprensa - e por seus colunistas e especialistas.

"São expressões mais acalentadas do elitismo de que falamos. A revista Veja é hoje a representante máxima e assumida da extrema-direita. Seus jornalistas são na verdade ideólogos, aquilo que o (Antonio) Gramsci (pensador italiano, 1891-1927) chamaria de intelectuais orgânicos. Meu palpite é que falam para uma audiência cada vez mais restrita, para guetos, para essas classes médias conservadoras", avalia Fonseca. Para ele, não há como não pensar em reforma da mídia. "Todo poder tem de ser controlado, democraticamente. É preciso seguir o exemplo da Argentina e combater, por exemplo, a propriedade cruzada dos meios de comunicação. Não há democracia com concentração midiática", define.

E antes que as patrulhas reacionárias entrem em campo, uniformizadas e armadas até os dentes: não estou endeusando o ex-presidente Lula. Aqueles que acompanham o Blog conhecem bem as divergências (muitas delas de fundo) e críticas que tenho à chamada "Era Lula", quando avançamos, inegavelmente, mas quando também muitas vezes despolitizamos o debate e nos permitimos mover por messianismos, deixando portanto de avançar muito mais, em temas e áreas cruciais e prioritárias. Mas meus estranhamentos com o ex-presidente e com os dois governos dele são dessa natureza: política. E assim serão tratados, democraticamente, com argumentos, de forma civilizada e respeitosa.

Neste momento, o que tenho sinceramente a dizer é: força, Lula! Estamos torcendo por sua pronta recuperação!
दो ब्लॉग दो Chico
http://oblogdochico.blogspot.com/2011/11/o-cancer-de-lula-e-o-odio-das-elites.html