sábado, 14 de janeiro de 2017

Coxinha: Viagem ao Universo Coxa

O Universo Coxa reproduz uma imensa caverna de Platão. Lá fora impera o Nada. O mundo real são as sombras projetadas pelos telejornais no fundo da cova. Nada se transforma, tudo permanece o mesmo. Bem, para dizer a verdade, algo muda aqui ou ali. Por exemplo, agora não se vê mais aquelas faixas “Somos todos Cunha”. Ou seja, algo muda para tudo ficar igual.

Ayrton Centeno: Viagem ao Universo Coxa


Foto: Reprodução
O universo de coxinhasO universo de coxinhas
Seus nativos acreditam integralmente em tudo que lhes convém acreditar. Para eles, a ferramenta do conhecimento não é a experiência e a reflexão mas o desejo. É ele que constrói a convicção. Acreditam, então existe.

Sim, o Nove Dedos é o homem mais rico do Brasil. E aquela capa da Forbes que assim o apresenta não é fake, não! Disseram pra você que era uma enjambração de internet? Oh, como você é crédulo! E o filho do Nove Dedos é o segundo homem mais rico, dono que é da Friboi, da Band e da Microsoft. E a Dilmanta então? Torturou o Ustra, não sabia? Coitado, quando morreu ainda estava abalado… Não lhe contaram isso, não? Ora, você precisa ler a Veja. Está tudo lá. Como você sobrevive sem ler? Vai dizer que também não lê aFolha, o Estadão e o Globo? Não vê o Jornal Nacional? Golpe? Em que mundo você vive, seu cabecinha vazia?

O Universo Coxa reproduz uma imensa caverna de Platão. Lá fora impera o Nada. O mundo real são as sombras projetadas pelos telejornais no fundo da cova. Nada se transforma, tudo permanece o mesmo. Bem, para dizer a verdade, algo muda aqui ou ali. Por exemplo, agora não se vê mais aquelas faixas “Somos todos Cunha”. Ou seja, algo muda para tudo ficar igual.

Viajar ao Universo Coxa é fácil, hoje em dia. Basta, geralmente, olhar em torno. Ou aguçar o ouvido. Se você estiver em alguma região onde os Coxas vivem, acasalam e se reproduzem será moleza ainda maior: Moinhos de Vento, em Porto Alegre, Jardins e arredores na Pauliceia Comportada, circuito Ipanema-Leblon no Rio por aí… Se o Coxismo for seu objeto de estudo, considere-se em pleno campo de observação do fenômeno. Pode começar, por exemplo, examinando o que faz o Coxa ser Coxa. Que afinidade mantém o grupo entre seus membros? Quais elementos forjam sua identidade? O que há de consenso interno para lhes servir de amálgama?

Esclarecidos tais pontos, passa-se ao oposto: como se distinguem os diferentes espécimes que habitam o Mundo Coxa? Porque – sabe-se bem – nenhum Coxa é exatamente igual a outro Coxa. O que não impede que, a grosso modo, todos se alinhem à direita. Fosse um time de futebol, haveria um deserto à esquerda do gramado e um tumulto no lado oposto. Toda bola lançada à esquerda seria desperdiçada ou do adversário. À direita, confusão total, com todos os atletas querendo chutar a mesma bola com o pé direito e no canto direito da meta.

Deve-se pensar bem antes de xingar um Coxa de fascista. A começar pelo fato de que muitos Coxas não sabem bem o que o termo significa. Ainda não estudaram este ponto. É como você ofender alguém em Islandês ou Aramaico. Ou chamar alguém de filho da puta quando a criatura não sabe o significado de “filho” ou “puta”. Seria um simples rosnado que poderia deixar o destinatário aborrecido mais pelo tom do que pela percepção. Pior ainda se o “Fascista!” for interpretado ao contrário, algo como “Faixinha!”, quer dizer, robertocarleanamente, “Meu amigo de fé, meu irmão, camarada”. Então, aquela criatura responde “Meu bródi !” e acaba se apegando a você. E, como somos eternamente responsáveis por aquele a quem cativamos – assim nos ensina O Pequeno Príncipe — você pode acabar indo ao cinema com aquele armário afetuoso com tatuagem do Bolsonaro no bíceps. Ineficaz e insalubre, portanto.

No cartesiano esforço para segmentar os Coxas, identificamos a categoria dos Coxas Brancas. São os torcedores do Coritiba e os naturais de Curitiba. Como o Universo Coxa foi turbinado e expandido a partir da República das Araucárias, deve-se dizer que compõem, com os paulistas, o núcleo duro do Coxismo nacional, de onde partem as diretrizes, ornamentos e modinhas das marchas coxas.
Com o prestimoso auxílio do açougueiro da esquina, foi possível identificar os dois grupos e tendências ideológicas predominantes no Universo Coxa, um moderado e outro radical. O primeiro é o Coxão Mole, assim desairosamente apelidado pelos adversários. São os Coxas de butique. Eleitores do Aécio, já votaram na Marina e até – credo! — no PT. Vão às passeatas coxas mais para exibir os tênis e óculos de grife, levar os totós para fazer cocô e tirar selfies. Que postam no Facebook sempre mostrando as canjicas.

Já o pessoal do Coxão Duro diz no nome ao que veio. Quando ouve falar a palavra “diálogo” puxa o revólver. Não tem conversa, é na porrada, meu! Falam entre dentes, com porrete na mão e baba no queixo, até para perguntar as horas. Acreditam que o New York Times, o Le Monde, o The Guardian e outros jornais estrangeiros são subsidiados pelo comunismo internacional para chamar o golpe de golpe. Vêem os Coxas Moles com suspeição e acalentam o secreto anseio de decorar a cidade pendurando-os nos postes.

Outra segmentação é de ordem vertical. Há Coxas e, claro, Sobrecoxas. Situam-se no topo da pirâmide. Ou da Coxa. Seria aquela ponta afunilada da coxinha de padaria. Frequentam este nicho os Arautos do Coxismo: os ideólogos do movimento, suas lideranças, seus financiadores, donos de jornais e seus pet-colunistas, dirigentes político-partidários. São os que dão os rumos, entram com a propaganda e a grana grossa.

Desferindo certeiras tuitadas no cérebro de seu rebanho, o astrólogo Olavo de Carvalho é da primeira galera, sempre tangendo os bolsões sinceros porém radicais do Coxismo. É Bolsonaro desde criancinha, quando escapou de ser comido, via oral, pelos comunistas. Seu bolsonarismo rendeu-lhe – e continua rendendo – uma guerra de bugios com Reinaldo Azevedo e Rodrigo Constantino, rivais na refrega pela condição de Guia Genial dos Coxas. Joga pesado, do pescoço para cima tudo é canela. Aprecia apelidos e escrachos. Chama Constantino de “Cocô Instantâneo” e Reinaldo de “Arruinaldo”.

Seu pensamento vivo: 1) a abertura das Olímpiadas mostrou que os comunistas controlam o Brasil; 2) as universidades são agências do comunismo internacional; 3) o aquecimento global é uma farsa completa; 4) o PSDB é de esquerda; 4) Obama é um agente russo.

Azevedo criticou Olavo que retrucou no seu padrão: “Cada vez que o Reinaldo Azevedo fala de mim ou do deputado Bolsonaro ele se emboneca todo e fica tocando punh… na frente do espelho…”, escreveu no Twitter. Constantino caiu um tanto no ibope da Coxilândia depois que viajou à Disney e postou no FB uma foto com o Pateta. Embora muitos Coxas tenham achado fofo, outros não amaram tanto. No meio da barafunda, Olavo acertou-lhe um uppercut: “Só não digo que seita fechada é o seu cu porque não averiguei o estado das pregas”.

É a face mais circense da coisa toda. O poderio mesmo vem dos financiadores – Fiesp e similares — e da pregação tóxica e diuturna dos grandes conglomerados da mídia empresarial.

Não podemos esquecer da facção Coxabamba. Não, nada a ver com o altiplano, flautas e El Condor Pasa, que eles tem horror desses troços de índio. São os Coxas que já botaram camiseta da CBF, bateram panelas e foram pra rua com nariz de palhaço. Hoje, com a ascensão do interino, após as gravações nauseabundas de Sérgio Machado com Jucá e outros, estão meio confusos, vacilantes, enfim bambeiam hamletianamente: ser ou não Coxa? Onde eu errei, perguntam-se usando, agora, apenas o nariz de palhaço.

Finalmente, a ala Coxa da real politik. Não são Coxas orgânicos. Estão Coxas. São de conveniência. Manejam os punhais, a peçonha e as lições dos Bórgias. Sem o charuto de Capone, exalam o aroma dos Corleones. É a turma que grudou — com cola bonder — o nariz de bolota vermelha nos Coxas modelito avenida Paulista — aqueles que patrioticamente até a bunda botaram de fora para varrer a corrupção. É a patota que faz política de resultados – seja para empalmar, sem voto, o mando e o comando da nação, seja para livrar-se da cadeia. A união do útil ao agradável. São os Temer, os Padilha, os Serra, os Geddel, os Jucá, os Mendoncinha, os Cunha. Será justo defini-los como Coxa Nostra.


*Ayrton Centeno é jornalista.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Prefeito showbiz tira leite, mas dá xampu

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Os novos governantes recrutados pelo prefeito apolítico não devem fazer a menor ideia da importância deste programa Leve Leite para quase um milhão de famílias paulistanas.

Por Ricardo Kotscho, no blog Balaio do Kotscho:

Duas medidas anunciadas nesta quinta-feira pela gestão do prefeito showbiz João Doria, prestes a completar suas duas primeiras semanas na administração pública da maior cidade brasileira, dão ideia do que nos espera.

Ao mesmo tempo em que a Secretaria da Educação estuda o corte nas verbas do Leve Leite, programa que atende 900 mil crianças das creches e das escolas da rede municipal, Doria quer deixar os moradores de rua mais cheirosos.

Nos próximos dias, a Prefeitura vai distribuir em seus albergues 80 mil xampus e 96 mil desodorantes, além de sabonetes, escovas de dente e tubos de creme dental, informa a coluna de Monica Bergamo.

A distribuição de um milhão de unidades de produtos de higiene pessoal não vai abalar o orçamento municipal. Foram doados pela empresa Unilever.

O que vai afetar o orçamento e provocar cortes na Secretaria da Educação é a promessa que Doria fez durante a campanha de não aumentar as passagens de ônibus para ganhar votos e evitar protestos de rua.

Sem o reajuste das tarifas, a Prefeitura vai consumir mais R$ 1 bilhão este ano em subsídios para as companhias de ônibus, mais ou menos o mesmo valor da verba que deve ser cortada dos programas do Leve Leite, material de ensino e transporte escolar.

Mesmo sem o aumento, centenas de militantes do Movimento Passe Livre fecharam no final da tarde de ontem a Paulista e outras avenidas num protesto que pretendia chegar até a casa do prefeito no Jardim Europa, mas foram impedidos pela Polícia Militar.

"A situação fiscal da Prefeitura não é fácil", constata o secretário da Educação, Alexandre Schneider, como se todo mundo já não soubesse disso durante a campanha eleitoral, a começar pelo então candidato João Doria.

Estava na cara que, sem o reajuste das tarifas e com o aumento dos subsídios, teriam que ser cortadas verbas em outras áreas.

Alguém teria que pagar esta conta - e, como tem acontecido, sobrou para o lado mais fraco, que nem tem como protestar.

Os novos governantes recrutados pelo prefeito apolítico não devem fazer a menor ideia da importância deste programa Leve Leite para quase um milhão de famílias paulistanas.

Nas casas delas, podia faltar de tudo, mas pelo menos o leite das crianças estava garantido, diziam. Não mais.

No ano passado, com tudo o que está acontecendo neste país de mais de 12 milhões de desempregados, a única queixa de dona Edite, uma senhora baiana que cria sozinha uma neta orfã de dez anos e há séculos trabalha com a gente, foi a suspensão da distribuição de leite durante um breve período na administração anterior.

Todo dia ela me peguntava quando o leite iria voltar, a sua maior preocupação.

Ainda não se sabe quantas crianças serão afetadas pelo corte do Leve Leite, um programa criado em 1995, quando o prefeito era Paulo Maluf, que também se apresentava como empresário rico e bom gestor.

Segundo a Folha, o programa só deverá atender a crianças de 0 a 6 anos - a neta de dona Edite ficaria de fora.

Depois do xampu grátis, da tarifa congelada e de se vestir de gari com uniforme sob medida empunhando uma vassoura para os fotógrafos, espetáculo que promete repetir nos próximos fins de semana, aguarda-se os novos coelhos que João Doria pretende tirar da cartola para se manter nas capas dos jornais e nas colunas sociais.

Doria vai rever material escolar, entrega de leite e transporte a alunos

O primeiro a ser reduzido deve ser o programa Leve Leite, que hoje atende estudantes da creche ao 9º ano da rede municipal. Segundo o secretário municipal de Educação, Alexandre Schneider, a compra de material escolar e o transporte de alunos irão passar por um pente-fino e também podem ser revistos.
Já reduzido devido à crise na economia, o orçamento se tornou uma peça ainda mais sensível da nova gestão após o congelamento das tarifas de ônibus em R$ 3,80 neste ano –o que ampliará em cerca de R$ 1 bilhão os gastos da prefeitura com as viações.

Rubens Cavallari-28.mai.2015/Folhapress
Estudantes em escola municipal em Paraisópolis, na zona sul
Estudantes em sala de aula em escola municipal em Paraisópolis, na zona sul de São Paulo
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Com graves dificuldades orçamentárias, o prefeito João Doria (PSDB) pretende rever gastos da Secretaria de Educação que não estejam ligados diretamente ao ensino.
O primeiro a ser reduzido deve ser o programa Leve Leite, que hoje atende estudantes da creche ao 9º ano da rede municipal. Segundo o secretário municipal de Educação, Alexandre Schneider, a compra de material escolar e o transporte de alunos irão passar por um pente-fino e também podem ser revistos.
Já reduzido devido à crise na economia, o orçamento se tornou uma peça ainda mais sensível da nova gestão após o congelamento das tarifas de ônibus em R$ 3,80 neste ano –o que ampliará em cerca de R$ 1 bilhão os gastos da prefeitura com as viações.
Há menos de 15 dias no cargo que já havia ocupado entre 2006 e 2012, na gestão Gilberto Kassab (PSD), Schneider tem se debruçado sobre as finanças da pasta para desenhar as ações para os próximos quatro anos.
"A situação fiscal da prefeitura não é fácil. Chego em um momento muito mais difícil que da primeira vez que fui secretário", disse à Folha.
Estão na mira gastos que consomem em torno de R$ 1,1 bilhão do orçamento da secretaria –de um total de R$ 10,9 bilhões. O secretário de Doria cita que, por outro lado, a rubrica de apoio pedagógico, aquele diretamente ligada à sala de aula, soma somente R$ 130 milhões.
"Todos os contratos e projetos estão sob revisão. Mas, se tiver que rever o leite, contratos de serviços terceirizados, se tiver que aprofundar esse revisão, por mais mérito que tenha, vamos fazer", diz. "Os recursos que vão para a escola terão prioridade".
A previsão de gastos em 2017 para material escolar e uniforme é de R$ 140 milhões. Outros R$ 260 milhões estão destinados para o transporte escolar gratuito. O programa de passe livre para estudantes criado pela gestão Fernando Haddad (PT) deve comprometer neste ano, segundo Schneider, R$ 400 milhões do orçamento da pasta.
"Socialmente, é interessante garantir acesso ao transporte gratuito. Mas, do ponto de vista da educação, cria um problema no orçamento", declara ele.
Já o Leve Leite tem a previsão de gastos de R$ 340 milhões em 2017. O programa, criado em 1995 na gestão de Paulo Maluf (PP), oferece latas de leite em pó a todos os 900 mil alunos da rede municipal, da creche ao 9º ano.
No ano passado, por causa da crise, a gestão Fernando Haddad (PT) já havia reduzido temporariamente a quantidade de produto entregue às crianças.
O novo secretário de Educação não deu detalhes de como esses gastos podem ser reduzidos, mas a Folha apurou que o programa de entrega de leite deve ser restringido para crianças de 0 a 6 anos.
Questionado sobre o assunto na manhã desta sexta-feira (13), o prefeito João Doria (PSDB) afirmou que está analisando o assunto do Leve Leite. "Vamos ter cortes profundos em vários setores da prefeitura de São Paulo. O tema do Leve Leite está sendo estudado pelo secretário, não é uma decisão tomada", disse.
PRIORIDADE
Promessas de campanha de Doria, como criação de vagas em creche, valorização dos professores e expansão de ensino integral, exigem investimentos. Segundo Schneider, o objetivo é ser transparente e "explicar para a sociedade" o que não puder ser feito.
Sobre as creches, a gestão pretende regionalizar o plano de criação de vagas com objetivo de atender os mais pobres. As filas por vaga já são maiores nos extremos sul, norte e leste da cidade.
Haverá um novo critério de preferência aos mais pobres. A secretaria pretende fazer ainda uma busca ativa de famílias vulneráveis não atendidas. O secretário diz que os reajustes para professores já previstos em lei serão honrados. São 8,78% em 2017 e 8,41% em 2018.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Lula pede investigação sobre Moro e EUA


Por Cíntia Alves, no Jornal GGN:

O ex-presidente Lula disse que o golpe na presidente Dilma Rousseff teve como finalidade quebrar empresas brasileiras e entregar as riquezas sob tutela da Petrobras a multinacionais, com ajuda do desgaste imposto ao antigo governo e ao PT pela Lava Jato.

Ele afirmou, nesta quarta (11), que as denúncias de que os Estados Unidos estão interferindo na política nacional e têm relações não transparentes com a força-tarefa do Ministério Público Federal que investiga a estatal de petróleo deveriam ser investigadas pela bancada do PT no Congresso. Lula citou o juiz Sergio Moro, que vem impedindo que os elos entre a Lava Jato e agentes estadunidenses sejam abordados no julgamento do caso triplex.

"A bancada de deputados do PT e os senadores do PT, quando o Congresso voltar a funcionar, têm obrigação de investigar essas denúncias de envolvimento americano junto ao Ministério Público Federal, junto ao juiz Moro e à Polícia Federal. Porque esse país tem mais de 500 anos e não aceita a interferência de americanos aqui", disparou Lula.

O ex-presidente esteve na Bahia para 29° Encontro Estadual do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). Ele discursou para uma plateia que interrompia com gritos de "Fora Temer" e "Brasil urgente, Lula presidente".

Lula aproveitou a oportunidade para afirmar que será o candidato do PT na disputa pela presidência da República em 2018, "se for necessário". O Estadão reproduziu e deu destaque a esta fala em sua matéria sobre o evento, sem mencionar o pedido de Lula para que Moro e a força-tarefa sejam investigados pelas relações suspeitas.

O petista ainda disse que todos têm direito de ser candidato, de Michel Temer a Sergio Moro. O que não pode, na opinião dele, é dar o golpe na democracia alienando a opinião pública.

O discurso de Lula também foi marcado por lembranças das realizações dos governos petistas nas áreas da economia e políticas sociais. Ele disse que foram os acertos do PT, e não os erros, que provocaram o ódio de setores da mídia, política e Judiciário a buscar a extinção do partido.

"Nós não somos perdoados porque erramos, nós não somos perdoados porque conseguimos provar nesse País que a única chance de sair da crise não é penalizar mais o trabalhador. Eles já são penalizados desde que nasceram", disse Lula, defendendo que o Estado volte a intervir com políticas de crédito e uso de bancos públicos para fomentar o consumo e retomar o crescimento.

Lula voltou a dizer que espera receber um pedido de desculpas quando os procuradores da República reconhecerem que não há como provar as acusações contra ele. O petista foi denunciado por obstruir a Lava Jato, comandar o esquema de corrupção na Petrobras e receber vantagens indevidas da Odebrecht e OAS.

O ex-presidente prometeu percorrer o País em 2017 para "recuperar a imagem do meu partido" e sua própria imagem. "Eu aprendi a andar de cabeça erguida nesse país e não vou baixar a cabeça para ninguém. (...) Eu não devo nada. (...) Nós vamos voltar."

"Hackers russos" e as invenções da mídia


Por Matt Taibbi, no site Outras Palavras:

Num passo extraordinário, o governo Obama anunciou na quinta-feira, 29 de dezembro,uma série de sanções contra a Rússia. Trinta e cinco cidadãos russos foram expulsos do país. O presidente emitiu uma declaração concisa em que parece culpar a Rússia por invadir os emails do Comitê Nacional do Partido Democrata.

“Essa ação de roubar e divulgar dados só poderia ter sido obra dos mais altos níveis do governo russo”, escreveu ele. Primeiro a Rússia prometeu retaliar severamente, e então voltou atrás. Hoje a imprensa russa está informando que Vladimir Putin está até convidando “os filhos dos diplomatas americanos” para visitar a árvore de Natal do Kremlin”, não importa quão repulsiva, ameaçadora ou sarcástica cada um considere a reposta de Putin.

Essa história dramática coloca a mídia diante de uma grande aposta. Como não se faz investigação independente, para contar essa história os repórteres terão de basear-se inteiramente na avaliação das agências de inteligência. Vários repórteres que conheço estão enlouquecidos - embora calados - por ter de passar por isso novamente. Ninguém esqueceu o fiasco das supostas armas de destruição em massa (WMD, na sigla em inglês).

“Isso é déjà vu, vamos ver tudo de novo” – considera um amigo.

Pode-se perceber o constrangimento refletido nas manchetes que passaram pela Internet logo após o anúncio das sanções de Obama. Algumas agências de notícias pareciam divididas entre declarar inequivocamente que houve hackeamento da Rússia e cobrir as apostas colocando essas declarações na boca do governo, com a fórmula “diz Obama”.

O New York Times foi o mais agressivo, escrevendo direto: “Obama Contra-Ataca a Rússia por Hackear a Eleição”. O jornal sustentou sua história com o link de um relatório conjunto FBI/Segurança Interna que detalha como civis russos e serviços militares de inteligência (grafados como “RIS”, Russian Intelligence Services no relatório) violaram por duas vezes as defesas de “um partido político dos EUA”, presumivelmente o Democrata.

Esse relatório é extenso em jargões, mas curto em detalhes. Mais da metade dele é apenas uma lista com sugestões de medidas preventivas. A certa altura, vemos que o nome em código que a comunidade de inteligência norte-americana deu às supostas cibertravessuras russas é urso da estepe, um detalhe suficientemente sexy.

Mas nada ficamos sabendo sobre o que levou a Casa Branca a determinar: a) que esses ataques foram dirigidos pelo governo russo; ou b) que eles foram feitos com o objetivo de influenciar o pleito, e em particular ajudar na eleição de Donald Trump.

O problema com essa história é que, como no caso do Iraque e das falsas “armas de destruição em massa”, ela acontece num ambiente altamente partidarizado, no qual os motivos de todos os atores relevantes são duvidosos. Nada junta-se com nada.

Se as agências de segurança norte-americanas apresentassem uma evidência inequívoca de que os russos organizaram uma campanha para mudar os rumos da eleição presidencial dos EUA e entregar a Casa Branca a Trump, então expulsar umas poucas dúzias de diplomatas depois da eleição parece uma resposta estranhamente fraca e inoportuna. Nos dois partidos há vozes dizendo isso, agora. Os senadores republicanos John McCain e Lindsey Graham observaram que a Rússia pagou um “preço barato” por seu “ataque descarado”. Enquanto isso, o Comitê Nacional Democrata disse na quinta-feira que, tomada isoladamente, a resposta de Obama é “insuficiente” como resposta a “ataques aos Estados Unidos por um poder estrangeiro”.

O “preço barato” levanta dúvidas. Como na história das “armas de destruição em massa”, há um tipo de marketing sendo usado pela Casa Branca para vender uma narrativa da hackeamento que poderia deixar os repórteres nervosos. Por exemplo, esse trecho da fala de Obama sobre os maus tratos sofridos por diplomatas americanos em Moscou: “Além do mais, nossos diplomatas em Moscou experimentaram, no último ano, um nível inaceitável de provocação pela polícia e serviços de segurança russos.”

Isso parece referir-se a um incidente, durante o verão, em que um diplomata americano foi espancado em Moscou, fora do contexto diplomático. Foi depois de um caso, em 2013, em que um diplomata dos EUA chamado Ryan Fogle foi preso de maneira semelhante.

Fogle foi descrito como um agente da CIA, de forma inequívoca, em vários relatórios russos. Fotos do kit espião de Fogle – que incluía perucas e um mapa da cidade – tornaram-se fonte de muitas piadas na imprensa russa e nas mídias sociais. De maneira semelhante a essa história de hackers aqui nos EUA, os cidadãos russos comuns pareciam divididos sobre se deviam ou não acreditar.

Se os russos atrapalharam uma eleição, isso por si só seria suficiente para garantir uma resposta maciça – muito pior do que respostas pesadas para episódios de espionagem comuns. O fato de Obama mencionar essas pelejas monótonas dá a impressão de que ele está jogando alguma coisa para reforçar um caso que, em outras condições, seria fraco.

Acrescente-se ao problema que, nos últimos meses de campanha, e também no período pós-eleição, assistimos a uma epidemia de informações sobre a Rússia factualmente fracas e com motivação claramente política. Democratas com vocação de guru têm sido irritantemente rápidos ao usar frases como “a Rússia hackeou a eleição”.

Isso levou a uma confusão generalizada, entre as pessoas que ouvem notícias. Teriam os russos hackeado os emails do Comitê Nacional Democrata? (uma história que foi sustentada por ao menos alguma evidência, embora limitada) Ou hackearam a contagem de votos em estados essenciais? (uma lenda muito mais estranha, sem nenhuma evidência merecedora de crédito).

Como notaram The Intercept e outras mídias, uma pesquisa do Economist/YouGov realizada este mês mostra que 50% dos eleitores de Hillary acreditam que os russos hackearam a contagem de votos. Esse número é quase tão perturbador quanto os 62% de eleitores de Trump que acreditam na contenda estapafúrdia e sem fontes de Trump e Alex Jones, de que “milhões” de imigrantes sem documentos votaram na eleição.

E ainda houve o episódio em que o Washington Post publicou aquela história de tirar o fôlego sobre russos ajudando a espalhar “notícias falsas”. Uma história irresponsável que, revelou-se, baseava-se numa fonte altamente dúbia denominada “PropOrNot”. Ela classificou 200 organizações diferentes de mídia alternativa norte-americana como “inocentes úteis” do Estado russo.

Mais tarde o Washington Post afastou-se dessa história, dizendo que “não atesta a validade do que diz o PropOrNot”. Foi muito estranho dizer isso numa declaração que não era uma clara retratação. A ideia de que não está tudo bem publicar uma alegação, quando você mesmo não confia no que diz sua fonte, é um grande desvio daquilo que era antes entendido como norma em um jornal como o Post.

Houve outros excessos. Uma entrevista de um jornal italiano com Julian Assange foi alterada ao ser reescrita em outras publicações do Ocidente, com The Guardian atribuindo a Assange elogios a Trump e comentários aparentemente elogiosos sobre a Rússia, sem fundamento no texto original. (The Guardian agora “corrigiu” várias passagens do texto em questão).

Informes de repórteres amistosos ao Partido Democrata – como Kurt Eichenwald, que gerou alguns absurdos no período, inclusive “informações” (que ele admitiu não terem fundamento) de que Trump esteve por algum tempo numa instituição psiquiátrica, em 1990 — tentaram argumentar que representantes de Trump podem ter colaborado com os russos, ou porque visitaram a Rússia ou porque apareceram na rede RT. Reportagens semelhantes sobre o “esquema russo” foram inteiramente baseadas em fontes de segurança anônimas.

Temos agora essa história das sanções, que coloca uma nova charada. Parece que grande parte da imprensa está engolindo com força o cerne das alegações de interferência eleitoral que emanam do governo Obama. Teriam os russos cometido o delito? É possível, mas nesse caso o fato deveria ter máxima divulgação. Mas a imprensa, neste momento, ensaia um voo cego. Continuar com relatos crédulos é problemático, porque estão em jogo vários cenários diferentes possíveis.

Numa hipótese extrema, os Estados Unidos poderiam ter sido vítimas de um golpe de Estado virtual arquitetado por uma combinação de Donald Trump e Vladimir Putin, o que estaria entre as coisas mais graves jamais ocorridas contra o sistema político. Mas poderia ser também apenas uma campanha cínica do Partido Democrata, numa tentativa de desviar a atenção do seu próprio fracasso eleitoral.

Os democratas, que estão deixando o poder, poderiam estar apenas usando uma “avaliação” da inteligência exageradamente interpretada para deslegitimizar o governo Trump e empurrá-lo a uma situação política embaraçosa: ou ele fala manso com a Rússia e parece um tonto, ou leva ainda mais longe a escalada contra uma potência dotada de armas nucleares.

Poderia também ser algo entre os dois. Talvez o Serviço Federal de Segurança russo [FSB, em inglês] não tenha cometido a invasão, mas simplesmente permitido que, de alguma forma, acontecesse. Ou ainda, talvez os russos tivessem hackeado o Comitê Democrata, mas o material do WikiLeaks veio de outra pessoa. Há até mesmo um relatório sobre isso, tendo um ex-embaixador britânico como fonte, embora não mereça nenhum crédito a mais do que qualquer outra coisa aqui exposta.

Nós simplesmente não sabemos, e esse é o problema.

Deveríamos ter aprendido com o episódio Judith Miller. Não apenas os governos mentem, mas eles também não hesitarão em comprometer agências de notícias. Num momento de desespero, usarão qualquer otário que possam encontrar para impor seu ponto de vista.

Não tenho problema algum para acreditar que Vladimir Putin possa ter tentado influenciar a eleição americana. Ele é um gangster-espião-escória do mais baixo nível e capaz de qualquer coisa. E Donald Trump também foi porco o suficiente, durante a campanha, para expressar, publicamente, o desejo de que os russos revelassem os emails de Hillary Clinton. De modo que muita coisa, sobre isso, é bastante plausível.

Mas os norte-americanos já nos queimamos com histórias como essa, de efeitos desastrosos. O que torna surpreendente que não estejamos tentando, mais seriamente, evitar ser enganados de novo.

* Publicado originalmente na revista Rolling Stone. Tradução de Inês Castilho.

Livre-Arbítrio

Um travesseiro para o livre-arbítrio descansar — só que recheado de tijolos.

 Onde os ocupantes desta última trincheira do livre-arbítrio se equivocam é 

em sua suposição de que os safanões de seus impulsos antagonísticos são 

exatamente iguais — que o indivíduo é absolutamente livre para escolher 

aquele a quem vai se submeter.Resultado de imagem para A FALÁCIA DO LIVRE ARBÍTRIO





H. L. Mencken
O livre-arbítrio, segundo consta, continua um dogma essencial à maioria
 dos cristãos. Sem ele, as crueldades de Deus esticariam a fé até um
ponto de ruptura. Mas, fora do aprisco das ovelhas, parece estar caindo
gradualmente em desuso. Os cientistas aplicaram-lhe golpes feios, e
 mesmo entre os leigos de mente mais inquisitiva o livre-arbítrio parece
estar cedendo o lugar a uma apologética espécie de determinismo — um
 determinismo, pode-se dizer, temperado pela observação deficiente. Mark
Twain, bem no fundo, era tal determinista. Em seu O que É o Homem?,
pode-se flagrá-lo dando adeus ao livre-arbítrio. A imensa maioria de nossos
 atos, diz ele, é determinada, mas ainda permanece um resíduo de livre
escolha. Com isso, ficamos livres de compulsões e temos duas ou mais
 alternativas, ficando à vontade para seguir este ou aquele caminho.
Um travesseiro para o livre-arbítrio descansar — só que recheado de
tijolos. Onde os ocupantes desta última trincheira do livre-arbítrio se
equivocam é em sua suposição de que os safanões de seus impulsos
antagonísticos são exatamente iguais — que o indivíduo é absolutamente
livre para escolher aquele a quem vai se submeter. Tal liberdade, na prática,
nunca é encontrada. Quando um indivíduo se confronta com alternativas,
não é apenas a sua vontade que escolhe entre elas, mas também o seu
ambiente, seus preconceitos hereditários, sua raça, sua cor, sua condição de
 servidão. Posso beijar uma garota e posso não beijá-la, mas seria absurdo
 de minha parte dizer que sou o único elemento ativo neste caso. O mundo
até resumiu meu desamparo num provérbio que diz que tudo depende da
hora e do lugar — e, até certo ponto, da garota.

Os exemplos podem ser multiplicados ad infinitum. Não consigo me
lembrar de ter desempenhado um único ato inteiramente voluntário. Toda
a minha vida parece ser uma longa série de acidentes inexplicáveis. É a
história das reações de minha personalidade ao meu ambiente, ou de
meu comportamento diante de estímulos externos. Não sou responsável
nem pela personalidade, nem pelo ambiente. Dizer que posso modificar
esta personalidade por um ato voluntário é tão ridículo quanto dizer que
posso modificar a curvatura do cristalino de meus olhos. Sei o que estou
falando, porque tentei modificá-la várias vezes e sempre fracassei. 
Apesar disso, ela mudou. Não sou o mesmo homem que era no século
 passado. Mas as mudanças que aconteceram para melhor não 
devem ser creditadas a mim. Todas vieram de fora — ou de profundezas 
insondáveis e incontroláveis dentro de mim.
Quanto mais se examina o assunto, mais o resíduo do livre-arbítrio
parece encolher, até que, no fim, torna-se impossível seguir-lhe a pista.
Muitos homens, naturalmente, ao se olharem no espelho, batem no peito,
consideram-se donos de seu arbítrio e pedem a Deus que os recompense
por sua virtude. Mas esses sujeitos são apenas egoístas privados de
qualquer senso crítico. Confundem os atos de Deus com seus próprios atos.
Não diferem muito da raposa que se gaba de ter posto os cães para correr.
A inutilidade do livre-arbítrio é comumente denunciada como capaz de
subverter a moral e fazer a religião de palhaça. Tais objeções tão pias
não têm um pingo de lógica, mas vamos abrir uma exceção neste caso e
dar uma olhada nelas. Elas se baseiam na capciosa hipótese de que o
determinista foge ou tenta fugir às consequências dos seus atos.
Nada poderia ser mais falso. As consequências se seguem aos fatos,
implacavelmente, sejam eles voluntários ou involuntários. Se assalto um
banco por minha livre decisão ou em resposta a alguma necessidade interior
 insondável, não importa: vou para a mesma cadeia. Na guerra, morrem tanto
oldados convocados à força quanto os voluntários.
Mesmo do ponto de vista espiritual, o determinismo não provoca tanto estrago
na teologia. Não é mais difícil acreditar que um homem será punido por seus
atos involuntários do que acreditar que ele será punido por seus atos
voluntários, pois mesmo a suposição de que ele é completamente livre não anula
o fato de que Deus o fez como ele é — e que Deus poderia ter feito dele um
santo, se quisesse. Negar isto é tratar com desprezo o Onipotente — um crime
do qual me eximo. Mas agora começo a pensar que chapinhei longe demais na
 água benta das ciências sagradas, e que é melhor dar o fora antes que me
esfolem. Esta prudente retirada é puramente determinística. Não a atribuo à
 minha própria sagacidade; atribuo-a inteiramente àquela singular gentileza
que o destino sempre me reserva. Se eu fosse livre, provavelmente continuaria
a escrever — e depois me arrependeria.

Platão: O mito da caverna

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Sócrates. Supõe ainda homens que passam ao longo deste muro, com figuras e objetos que se elevam acima dele, figuras de homens e animais de toda a espécie, talhados em pedra ou madeira. Entre os que carregam tais objetos, uns se entretêm em conversa, outros guardam em silêncio.


Sócrates. Figura-te agora o estado da natureza humana, em relação à ciência
 e à ignorância, sob a forma alegórica que passo a fazer. Imagina os
 homens encerrados em morada subterrânea e cavernosa que dá entrada
 livre à luz em toda extensão. Aí, desde a infância, têm os homens o
 pescoço e as pernas presos de modo que permanecem imóveis e
só veem os objetos que lhes estão diante. Presos pelas cadeias, não
 podem voltar o rosto. Atrás deles, a certa distância e altura, um fogo cuja
 luz os alumia; entre o fogo e os cativos imagina um caminho escarpado,
 ao longo do qual um pequeno muro parecido com os tabiques que os
 pelotiqueiros põem entre si e os espectadores para ocultar-lhes as molas
 dos bonecos maravilhosos que lhes exibem.
Glauco. Imagino tudo isso.
Sócrates. Supõe ainda homens que passam ao longo deste muro, com
figuras e objetos que se elevam acima dele, figuras de homens e animais
 de toda a espécie, talhados em pedra ou madeira. Entre os que carregam
 tais objetos, uns se entretêm em conversa, outros guardam em silêncio.
Glauco. Similar quadro e não menos singulares cativos!
Sócrates. Pois são nossa imagem perfeita. Mas, dize-me: assim colocados,
 poderão ver de si mesmos e de seus companheiros algo mais que as
sombras projetadas, à claridade do fogo, na parede que lhes fica fronteira?
Glauco. Não, uma vez que são forçados a ter imóveis a cabeça durante
 toda a vida.
Sócrates. E dos objetos que lhes ficam por detrás, poderão ver outra coisa
que não as sombras?
Glauco. Não.
Sócrates. Ora, supondo-se que pudessem conversar, não te parece que,
ao falar das sombras que veem, lhes dariam os nomes que elas representam?
Glauco. Sem dúvida.
Sócrates. E, se, no fundo da caverna, um eco lhes repetisse as palavras
dos que passam, não julgariam certo que os sons fossem articulados pelas
sombras dos objetos?
Glauco. Claro que sim.
Sócrates. Em suma, não creriam que houvesse nada de real e
verdadeiro fora das figuras que desfilaram.
Glauco. Necessariamente.
Sócrates. Vejamos agora o que aconteceria, se se livrassem a um
tempo das cadeias e do erro em que laboravam. Imaginemos um destes
 cativos desatado, obrigado a levantar-se de repente, a volver a cabeça,
a andar, a olhar firmemente para a luz. Não poderia fazer tudo isso sem
 grande pena; a luz, sobre ser-lhe dolorosa, o deslumbraria, impedindo-lhe
de discernir os objetos cuja sombra antes via.
Que te parece agora que ele responderia a quem lhe dissesse que
 até então só havia visto fantasmas, porém que agora, mais perto da
realidade e voltado para objetos mais reais, via com mais perfeição?
Supõe agora que, apontando-lhe alguém as figuras que lhe desfilavam ante
os olhos, o obrigasse a dizer o que eram. Não te parece que, na sua
 grande confusão, se persuadiria de que o que antes via era mais real
e verdadeiro que os objetos ora contemplados?
Glauco. Sem dúvida nenhuma.
Sócrates. Obrigado a fitar o fogo, não desviaria os olhos doloridos
 para as sombras que poderia ver sem dor? Não as consideraria
 realmente mais visíveis que os objetos ora mostrados?
Glauco. Certamente.
Sócrates. Se o tirassem depois dali, fazendo-o subir pelo caminho áspero
e escarpado, para só o liberar quando estivesse lá fora, à plena luz do sol,
não é de crer que daria gritos lamentosos e brados de cólera?
Chegando à luz do dia, olhos deslumbrados pelo esplendor ambiente,
 ser-lhe-ia possível discernir os objetos que o comum dos homens tem por
serem reais?
Glauco. A princípio nada veria.
Sócrates. Precisaria de algum tempo para se afazer à claridade da
região
superior. Primeiramente, só discerniria bem as sombras, depois, as
imagens
dos homens e outros seres refletidos nas águas; finalmente erguendo
os
 olhos para a lua e as estrelas, contemplaria mais facilmente os astros
da
noite que o pleno resplendor do dia.
Glauco. Não há dúvida.
Sócrates. Mas, ao cabo de tudo, estaria, decerto, em estado de ver o
próprio sol, primeiro refletido na água e nos outros objetos, depois visto
em si mesmo e no seu próprio lugar, tal qual é.
Glauco. Fora de dúvida.
Sócrates. Refletindo depois sobre a natureza deste astro,
compreenderia que é o que produz as estações e o ano, o que tudo










 governa
no mundo visível e, de certo modo, a causa de tudo o que ele e seus
companheiros viam na caverna.
Glauco. É claro que gradualmente chegaria a todas essas conclusões.
Sócrates. Recordando-se então de sua primeira morada, de seus
 companheiros de escravidão e da ideia que lá se tinha da sabedoria,
não se daria os parabéns pela mudança sofrida, lamentando ao mesmo
 tempo a sorte dos que lá ficaram?
Glauco. Evidentemente.
Sócrates. Se na caverna houvesse elogios, honras e recompensas
para quem melhor e mais prontamente distinguisse a sombra dos objetos,
que se recordasse com mais precisão dos que precediam, seguiam ou
 marchavam juntos, sendo, por isso mesmo, o mais hábil em lhes
predizer a aparição, cuidas que o homem de que falamos tivesse inveja
dos que no cativeiro eram os mais poderosos e honrados? Não preferiria
mil vezes, como o herói de Homero, levar a vida de um pobre lavrador e
sofrer tudo no mundo a voltar às primeiras ilusões e viver a vida que antes
vivia?
Glauco. Não há dúvida de que suportaria toda a espécie de sofrimentos
de preferência a viver da maneira antiga.
Sócrates. Atenção ainda para este ponto. Supõe que nosso homem volte
ainda para a caverna e vá assentar-se em seu primitivo lugar. Nesta passagem súbita da pura luz à obscuridade, não lhe ficariam os olhos como submersos em trevas?
Glauco. Certamente.
Sócrates. Se, enquanto tivesse a vista confusa — porque bastante tempo
se passaria antes que os olhos se afizessem de novo à obscuridade —
tivesse ele de dar opinião sobre as sombras e a este respeito
entrasse em discussão com os companheiros ainda presos em cadeias,
não é certo que os faria rir? Não lhe diriam que, por ter subido à região s
uperior, cegara, que não valera a pena o esforço, e que assim, se
alguém quisesse fazer com eles o mesmo e dar-lhes a liberdade,
mereceria ser agarrado e morto?
Glauco. Por certo que o fariam.
Sócrates. Pois agora, meu caro Glauco, é só aplicar com toda a exatidão
esta imagem da caverna a tudo o que antes havíamos dito. O antro
subterrâneo é o mundo visível. O fogo que o ilumina é a luz do sol.
O cativo que sobe à região superior e a contempla é a alma que se
 eleva ao mundo inteligível. Ou, antes, já que o queres saber, é este, pelo
menos, o meu modo de pensar, que só Deus sabe se é verdadeiro.
Quanto a mim, a coisa é como passo a dizer-te. Nos limites do mundo i
nteligível está a ideia do bem, a qual só com muito esforço se pode
conhecer, mas que, conhecida, se impõe à razão como causa universal
de tudo o que é belo e bom, criadora da luz e do sol no mundo visível,
autora da inteligência e da verdade no mundo invisível, e sobre a qual,
por isso mesmo, cumpre ter os olhos fixos para agir com sabedoria nos
 negócios particulares e públicos.
  • fonte: A República
  • 6° ed. Ed. Atena, 1956, p. 287-291

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    Significado do Mito da caverna

    O que é o Mito da caverna:

    Mito da caverna é uma metáfora criada pelo filósofo grego Platão, que consiste na tentativa de explicar acondição de ignorância em que vivem os seres humanos e o que seria necessário para atingir o verdadeiro “mundo real”, baseado na razão acima dos sentidos.
    Também conhecida como Alegoria da Caverna ou Parábola da Caverna, esta história está presente na obra “A República”, criada por Platão e que discute, essencialmente, a teoria do conhecimento, linguagem e educação para a construção de um Estado ideal.
    O Mito da Caverna é um dos textos filosóficos mais debatidos e conhecidos pela humanidade, servindo de base para explicar o conceito do senso comum em oposição ao que seria a definição do senso crítico.
    Segundo o pensamento platônico, que foi bastante influenciado pelos ensinamentos de Sócrates, o mundo sensível era aquele experimentado a partir dos sentidos, onde residia a falsa percepção da realidade; já o chamado mundo inteligível era atingido apenas através das ideias, ou seja, da razão.
    O verdadeiro mundo só conseguiria ser atingido quando o indivíduo percebesse as coisas ao seu redor a partir do pensamento crítico e racional, dispensando apenas o uso dos sentidos básicos.
    Saiba mais sobre o significado de Platônico.

    O Mito da Caverna

    De acordo com a história formulada por Platão, existia um grupo de pessoas que viviam numa grande caverna, com seus braços, pernas e pescoços presos por correntes, forçando-os a fixarem-se unicamente para a parede que ficava no fundo da caverna.
    Atrás dessas pessoas existia uma fogueira e outros indivíduos que transportavam ao redor da luz do fogo imagens de objetos e seres, que tinham as suas sombras projetadas na parede da caverna, onde os prisioneiros ficavam observando.
    Como estavam presos, os prisioneiros podiam enxergar apenas as sombras das imagens, julgando serem aquelas projeções a realidade.
    Certa vez, uma das pessoas presas nesta caverna conseguiu se libertar das correntes e saiu para o mundo exterior. A princípio, a luz do sol e a diversidade de cores e formas assustou o ex-prisioneiro, fazendo-o querer voltar para a caverna.
    No entanto, com o tempo, ele acabou por se admirar com as inúmeras novidades e descobertas que fez. Assim, quis voltar para a caverna e compartilhar com os outros prisioneiros todas as informações e experiências que existiam no mundo exterior.
    As pessoas que estavam na caverna, porém, não acreditaram naquilo que o ex-prisioneiro contava e chamaram-no de louco. Para evitar que suas ideias atraíssem outras pessoas para os “perigos da insanidade”, os prisioneiros mataram o fugitivo.

    Interpretação do Mito da Caverna

    Para Platão, a caverna simbolizava o mundo onde todos os seres humanos vivem, enquanto que as correntes significam a ignorância que prendem os povos, que pode ser representada pelas crenças, culturas e outras informações de senso comum que são absorvidas ao longo da vida.
    As pessoas ficam presas a estas ideias pré-estabelecidas e não buscam um sentido racional para determinadas coisas, evitando a “dificuldade” do pensar e refletir, preferindo contentar-se apenas com as informações que lhe foram oferecidas por outras pessoas.
    O indivíduo que consegue se “libertar das correntes” e vivenciar o mundo exterior é aquele que vai além do pensamento comum, criticando e questionando a sua realidade.
    Assim como aconteceu com seu mestre, Sócrates, que foi morto pelos atenienses devido aos seus pensamentos filosóficos que provocavam uma desestabilização no “pensamento comum”, o protagonista desta metáfora foi morto para evitar a disseminação de ideias “revolucionárias”.
    O Mito da Caverna mantém-se muito contemporâneo nas diversas sociedades ao redor do mundo, que preferem permanecer alheios ao pensamento crítico (seja por preguiça ou falta de interesse) e aceitar as ideias e conceitos que são impostos por um grupo dominante, por exemplo.
    Saiba mais sobre o significado de Mito.

Livro sobre o PCdoB é publicado na China



Do Portal Vermelho

  
Com alta expressividade nacional, em 1993, ganhou prêmios de excelência do Departamento de Propaganda do Partido Comunista da China e da Administração Geral de Imprensa e Publicações da China.

O livro é intitulado “Pesquisa sobre a exploração do Caminho Brasileiro para o Socialismo pelo Partido Comunista do Brasill” (巴西共产党探索"走向社会主义的巴西式道路"研究) e faz parte da uma coleção sobre Teoria e Prática de Partidos Comunistas em países capitalistas na contemporaneidade (当代资本主义国家共产党的理论与实践研究丛书), editada pelo renomeado acadêmico chinês Nie Yunli.  O autor do volume é o Professor Wang Jianli da Central China Normal University, cuja vasta produção inclui artigos publicados em periódicos científicos sobre o PCdoB.

A obra - de 236 páginas - é dividida em cinco capítulos . O primeiro capitulo trata de analisar a longa trajetória do PCdoB, desde sua fundação até os dias de hoje. O segundo explora as reflexões teóricas do PCdoB sobre o movimento socialista internacional. O terceiro busca compreender a criação e formulação da Teoria do Caminho Brasileiro para o Socialismo. O quarto foca na prática do PCdoB e suas principais bandeiras, o socialismo e a democracia. O quinto elabora um resumo das experiências e lições aprendidas pelo PCdoB e os futuros desafios que enfrentará.

O livro, infelizmente, está disponível apenas em mandarim. Contudo, cabe ressaltar, que o estudo é extremamente bem fundamentado metodologicamente e conta com o uso de fontes primárias - publicadas pelo PCdoB - em português.

O texto é interessante, não apenas por demonstrar a visão chinesa sobre este partido brasileiro, mas também pelo enquadramento teórico dado pelo autor, que utiliza muitos conceitos – típicos da experiência socialista chinesa - utilizados pelos acadêmicos marxistas chineses. É de causar certo espanto a qualidade e extensão das análises feitas.

Wang enxerga no PCdoB, um partido revolucionário que foi capaz de suportar duras perseguições e se tornar o maior partido comunista em tamanho e força, atrás somente do Partido Comunista de Cuba, da América Latina. Um partido que nunca se isentou da vida pública, sempre a favor do Brasil, mesmo com grandes custos políticos.

Está publicação nos aponta para o fato dos chineses estarem atentos e produzindo conhecimento de ponta sobre a realidade brasileira. Além disso, expõe o reconhecimento da academia chinesa – e por extensão da China – do PCdoB enquanto uma força política relevante e atuante no cenário político Brasileiro.

*Historiador pela Universidade Federal Fluminense, mestre em Economia Chinesa pela Universidade do Povo da China (Renmin University of China) e doutorando no Departamento de Marxismo na mesma universidade.