quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Platão: O mito da caverna

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Sócrates. Supõe ainda homens que passam ao longo deste muro, com figuras e objetos que se elevam acima dele, figuras de homens e animais de toda a espécie, talhados em pedra ou madeira. Entre os que carregam tais objetos, uns se entretêm em conversa, outros guardam em silêncio.


Sócrates. Figura-te agora o estado da natureza humana, em relação à ciência
 e à ignorância, sob a forma alegórica que passo a fazer. Imagina os
 homens encerrados em morada subterrânea e cavernosa que dá entrada
 livre à luz em toda extensão. Aí, desde a infância, têm os homens o
 pescoço e as pernas presos de modo que permanecem imóveis e
só veem os objetos que lhes estão diante. Presos pelas cadeias, não
 podem voltar o rosto. Atrás deles, a certa distância e altura, um fogo cuja
 luz os alumia; entre o fogo e os cativos imagina um caminho escarpado,
 ao longo do qual um pequeno muro parecido com os tabiques que os
 pelotiqueiros põem entre si e os espectadores para ocultar-lhes as molas
 dos bonecos maravilhosos que lhes exibem.
Glauco. Imagino tudo isso.
Sócrates. Supõe ainda homens que passam ao longo deste muro, com
figuras e objetos que se elevam acima dele, figuras de homens e animais
 de toda a espécie, talhados em pedra ou madeira. Entre os que carregam
 tais objetos, uns se entretêm em conversa, outros guardam em silêncio.
Glauco. Similar quadro e não menos singulares cativos!
Sócrates. Pois são nossa imagem perfeita. Mas, dize-me: assim colocados,
 poderão ver de si mesmos e de seus companheiros algo mais que as
sombras projetadas, à claridade do fogo, na parede que lhes fica fronteira?
Glauco. Não, uma vez que são forçados a ter imóveis a cabeça durante
 toda a vida.
Sócrates. E dos objetos que lhes ficam por detrás, poderão ver outra coisa
que não as sombras?
Glauco. Não.
Sócrates. Ora, supondo-se que pudessem conversar, não te parece que,
ao falar das sombras que veem, lhes dariam os nomes que elas representam?
Glauco. Sem dúvida.
Sócrates. E, se, no fundo da caverna, um eco lhes repetisse as palavras
dos que passam, não julgariam certo que os sons fossem articulados pelas
sombras dos objetos?
Glauco. Claro que sim.
Sócrates. Em suma, não creriam que houvesse nada de real e
verdadeiro fora das figuras que desfilaram.
Glauco. Necessariamente.
Sócrates. Vejamos agora o que aconteceria, se se livrassem a um
tempo das cadeias e do erro em que laboravam. Imaginemos um destes
 cativos desatado, obrigado a levantar-se de repente, a volver a cabeça,
a andar, a olhar firmemente para a luz. Não poderia fazer tudo isso sem
 grande pena; a luz, sobre ser-lhe dolorosa, o deslumbraria, impedindo-lhe
de discernir os objetos cuja sombra antes via.
Que te parece agora que ele responderia a quem lhe dissesse que
 até então só havia visto fantasmas, porém que agora, mais perto da
realidade e voltado para objetos mais reais, via com mais perfeição?
Supõe agora que, apontando-lhe alguém as figuras que lhe desfilavam ante
os olhos, o obrigasse a dizer o que eram. Não te parece que, na sua
 grande confusão, se persuadiria de que o que antes via era mais real
e verdadeiro que os objetos ora contemplados?
Glauco. Sem dúvida nenhuma.
Sócrates. Obrigado a fitar o fogo, não desviaria os olhos doloridos
 para as sombras que poderia ver sem dor? Não as consideraria
 realmente mais visíveis que os objetos ora mostrados?
Glauco. Certamente.
Sócrates. Se o tirassem depois dali, fazendo-o subir pelo caminho áspero
e escarpado, para só o liberar quando estivesse lá fora, à plena luz do sol,
não é de crer que daria gritos lamentosos e brados de cólera?
Chegando à luz do dia, olhos deslumbrados pelo esplendor ambiente,
 ser-lhe-ia possível discernir os objetos que o comum dos homens tem por
serem reais?
Glauco. A princípio nada veria.
Sócrates. Precisaria de algum tempo para se afazer à claridade da
região
superior. Primeiramente, só discerniria bem as sombras, depois, as
imagens
dos homens e outros seres refletidos nas águas; finalmente erguendo
os
 olhos para a lua e as estrelas, contemplaria mais facilmente os astros
da
noite que o pleno resplendor do dia.
Glauco. Não há dúvida.
Sócrates. Mas, ao cabo de tudo, estaria, decerto, em estado de ver o
próprio sol, primeiro refletido na água e nos outros objetos, depois visto
em si mesmo e no seu próprio lugar, tal qual é.
Glauco. Fora de dúvida.
Sócrates. Refletindo depois sobre a natureza deste astro,
compreenderia que é o que produz as estações e o ano, o que tudo










 governa
no mundo visível e, de certo modo, a causa de tudo o que ele e seus
companheiros viam na caverna.
Glauco. É claro que gradualmente chegaria a todas essas conclusões.
Sócrates. Recordando-se então de sua primeira morada, de seus
 companheiros de escravidão e da ideia que lá se tinha da sabedoria,
não se daria os parabéns pela mudança sofrida, lamentando ao mesmo
 tempo a sorte dos que lá ficaram?
Glauco. Evidentemente.
Sócrates. Se na caverna houvesse elogios, honras e recompensas
para quem melhor e mais prontamente distinguisse a sombra dos objetos,
que se recordasse com mais precisão dos que precediam, seguiam ou
 marchavam juntos, sendo, por isso mesmo, o mais hábil em lhes
predizer a aparição, cuidas que o homem de que falamos tivesse inveja
dos que no cativeiro eram os mais poderosos e honrados? Não preferiria
mil vezes, como o herói de Homero, levar a vida de um pobre lavrador e
sofrer tudo no mundo a voltar às primeiras ilusões e viver a vida que antes
vivia?
Glauco. Não há dúvida de que suportaria toda a espécie de sofrimentos
de preferência a viver da maneira antiga.
Sócrates. Atenção ainda para este ponto. Supõe que nosso homem volte
ainda para a caverna e vá assentar-se em seu primitivo lugar. Nesta passagem súbita da pura luz à obscuridade, não lhe ficariam os olhos como submersos em trevas?
Glauco. Certamente.
Sócrates. Se, enquanto tivesse a vista confusa — porque bastante tempo
se passaria antes que os olhos se afizessem de novo à obscuridade —
tivesse ele de dar opinião sobre as sombras e a este respeito
entrasse em discussão com os companheiros ainda presos em cadeias,
não é certo que os faria rir? Não lhe diriam que, por ter subido à região s
uperior, cegara, que não valera a pena o esforço, e que assim, se
alguém quisesse fazer com eles o mesmo e dar-lhes a liberdade,
mereceria ser agarrado e morto?
Glauco. Por certo que o fariam.
Sócrates. Pois agora, meu caro Glauco, é só aplicar com toda a exatidão
esta imagem da caverna a tudo o que antes havíamos dito. O antro
subterrâneo é o mundo visível. O fogo que o ilumina é a luz do sol.
O cativo que sobe à região superior e a contempla é a alma que se
 eleva ao mundo inteligível. Ou, antes, já que o queres saber, é este, pelo
menos, o meu modo de pensar, que só Deus sabe se é verdadeiro.
Quanto a mim, a coisa é como passo a dizer-te. Nos limites do mundo i
nteligível está a ideia do bem, a qual só com muito esforço se pode
conhecer, mas que, conhecida, se impõe à razão como causa universal
de tudo o que é belo e bom, criadora da luz e do sol no mundo visível,
autora da inteligência e da verdade no mundo invisível, e sobre a qual,
por isso mesmo, cumpre ter os olhos fixos para agir com sabedoria nos
 negócios particulares e públicos.
  • fonte: A República
  • 6° ed. Ed. Atena, 1956, p. 287-291

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    Significado do Mito da caverna

    O que é o Mito da caverna:

    Mito da caverna é uma metáfora criada pelo filósofo grego Platão, que consiste na tentativa de explicar acondição de ignorância em que vivem os seres humanos e o que seria necessário para atingir o verdadeiro “mundo real”, baseado na razão acima dos sentidos.
    Também conhecida como Alegoria da Caverna ou Parábola da Caverna, esta história está presente na obra “A República”, criada por Platão e que discute, essencialmente, a teoria do conhecimento, linguagem e educação para a construção de um Estado ideal.
    O Mito da Caverna é um dos textos filosóficos mais debatidos e conhecidos pela humanidade, servindo de base para explicar o conceito do senso comum em oposição ao que seria a definição do senso crítico.
    Segundo o pensamento platônico, que foi bastante influenciado pelos ensinamentos de Sócrates, o mundo sensível era aquele experimentado a partir dos sentidos, onde residia a falsa percepção da realidade; já o chamado mundo inteligível era atingido apenas através das ideias, ou seja, da razão.
    O verdadeiro mundo só conseguiria ser atingido quando o indivíduo percebesse as coisas ao seu redor a partir do pensamento crítico e racional, dispensando apenas o uso dos sentidos básicos.
    Saiba mais sobre o significado de Platônico.

    O Mito da Caverna

    De acordo com a história formulada por Platão, existia um grupo de pessoas que viviam numa grande caverna, com seus braços, pernas e pescoços presos por correntes, forçando-os a fixarem-se unicamente para a parede que ficava no fundo da caverna.
    Atrás dessas pessoas existia uma fogueira e outros indivíduos que transportavam ao redor da luz do fogo imagens de objetos e seres, que tinham as suas sombras projetadas na parede da caverna, onde os prisioneiros ficavam observando.
    Como estavam presos, os prisioneiros podiam enxergar apenas as sombras das imagens, julgando serem aquelas projeções a realidade.
    Certa vez, uma das pessoas presas nesta caverna conseguiu se libertar das correntes e saiu para o mundo exterior. A princípio, a luz do sol e a diversidade de cores e formas assustou o ex-prisioneiro, fazendo-o querer voltar para a caverna.
    No entanto, com o tempo, ele acabou por se admirar com as inúmeras novidades e descobertas que fez. Assim, quis voltar para a caverna e compartilhar com os outros prisioneiros todas as informações e experiências que existiam no mundo exterior.
    As pessoas que estavam na caverna, porém, não acreditaram naquilo que o ex-prisioneiro contava e chamaram-no de louco. Para evitar que suas ideias atraíssem outras pessoas para os “perigos da insanidade”, os prisioneiros mataram o fugitivo.

    Interpretação do Mito da Caverna

    Para Platão, a caverna simbolizava o mundo onde todos os seres humanos vivem, enquanto que as correntes significam a ignorância que prendem os povos, que pode ser representada pelas crenças, culturas e outras informações de senso comum que são absorvidas ao longo da vida.
    As pessoas ficam presas a estas ideias pré-estabelecidas e não buscam um sentido racional para determinadas coisas, evitando a “dificuldade” do pensar e refletir, preferindo contentar-se apenas com as informações que lhe foram oferecidas por outras pessoas.
    O indivíduo que consegue se “libertar das correntes” e vivenciar o mundo exterior é aquele que vai além do pensamento comum, criticando e questionando a sua realidade.
    Assim como aconteceu com seu mestre, Sócrates, que foi morto pelos atenienses devido aos seus pensamentos filosóficos que provocavam uma desestabilização no “pensamento comum”, o protagonista desta metáfora foi morto para evitar a disseminação de ideias “revolucionárias”.
    O Mito da Caverna mantém-se muito contemporâneo nas diversas sociedades ao redor do mundo, que preferem permanecer alheios ao pensamento crítico (seja por preguiça ou falta de interesse) e aceitar as ideias e conceitos que são impostos por um grupo dominante, por exemplo.
    Saiba mais sobre o significado de Mito.

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