terça-feira, 24 de abril de 2012

Jô Moraes : O Feminismo na escola






Jô Moraes

Feminista, primeira presidente da União Brasileira de Mulheres – UBM, deputada estadual pelo PC do B, em Minas Gerais

O movimento feminista enfrenta o grande desafio de atrair aliados na sua trajetória de combater as formas atuais da opressão contra a mulher. Realiza esse esforço na compreensão de que há uma transversalidade nos conflitos resultantes das relações de gênero, de classe e de raça/etnia e que estes atingem todos e não apenas as mulheres, os proletários e os negros. Ao mesmo tempo, entre algumas correntes do feminismo, ressurge com força a idéia de que esse processo só pode ser enfrentado baseando-se num sujeito coletivo orientado por uma utopia em torno da emancipação humana.

O papel que a educação desempenha na construção da consciência e da posição do indivíduo na estrutura econômica, política e social tornou-a um espaço privilegiado do debate emancipatório e, em especial do debate feminista.Aqui cabe uma reflexão sobre o sistema educacional como reprodutor dos valores defendidos pelas elites hegemônicas que perpetuam o seu domínio através da manutenção das desigualdades, transformando-as, ideologicamente, em fenômenos ‘naturais’. Como conseqüência, surge a exigência de que os profissionais da área busquem construir uma corrente contra-hegemônica para subverter a lógica das relações de poder estabelecidas, sob diferentes formas, no sistema educacional. “...Se admitimos que a escola não apenas transmite conhecimento..., mas que ela também fabrica sujeitos, produz identidades étnicas, de gênero, de classe; se reconhecemos que essas identidades estão sendo produzidas através de relações de desigualdade; ...certamente, encontramos justificativas não apenas para observar, mas, especialmente para tentar interferir na continuidade dessas desigualdades” (Louro).

A crise civilizatória porque passa a sociedade humana, hoje, apresenta diferentes dimensões quer do ponto de vista teórico, econômico, político e social. A vida humana alcançou um nível de degradação sem precedentes, amplificada pelo sentimento, em certa medida generalizado, de não haver alternativa histórica à presente barbárie. Hobsbawm, finaliza seu livro, Era dos Extremos, com uma pujante constatação: “Vivemos num mundo conquistado, desenraizado e transformado pelo processo econômico e tecnocientífico do desenvolvimento do capitalismo.... Sabemos, ou pelo menos é razoável supor, que ele não pode prosseguir ‘ad infinitum’. O futuro não pode ser uma continuação do passado... Nosso mundo corre o risco de explosão e implosão. Tem de mudar. Não sabemos para onde estamos indo. Só sabemos que a história nos trouxe até este ponto... Contudo uma coisa é clara. Se a humanidade quer ter um futuro reconhecível, não pode ser pelo prolongamento do passado ou do presente”.

As mazelas provocadas por esse impasse desencadearam um movimento de busca de novos paradigmas e de reencontros de utopias emancipatórias. Ao “fim da história” proclamado por Fukuyama (1), em 1989, seguiu-se um intenso debate em torno de novas alternativas que orientassem a ação política dos indivíduos e dos governos. O ideário hegemônico de então, o liberalismo, preconizado como a “realização da sociedade plena”, não bastava à sempre presente inquietação humana.

O debate em torno dos novos paradigmas se deu influenciado pelo ideário da pós-modernidade que opunha, aos movimentos coletivos por transformações sociais, a fragmentação e heterogeneidade das construções de identidades, restritas apenas a articulações setoriais. A constituição dessas identidades, o sentido de pertencimento a um determinado grupo (classe, gênero, etnia) desenvolveu-se de forma fragmentada levando, os sujeitos históricos emergidos desse processo, pela ausência de coesão mais universal e negação do sujeito coletivo, a um enfraquecimento político.

A busca de um novo paradigma emancipatório passou a ser preocupação de inúmeros movimentos e organizações que tem, no slogan dos Fóruns Sociais em desenvolvimento - um novo mundo é possível – sua melhor expressão. Sem dúvida, embora inicial representa um passo importante na construção da emancipação política dos homens e mulheres desse planeta,projeto para o qual os atores da escola devem estar voltados.

A CONSTRUÇÃO DAS NOVAS IDENTIDADES NA ESCOLA

O desafio posto para a comunidade escolar é responder à pergunta sobre qual o papel que a escola deve exercer na sociedade presente. Historicamente, suas funções vêm sendo pautadas pelos interesses das elites dominantes, em especial para a formação da força de trabalho. “A própria burguesia...fez de sua política burguesa a pedra angular do sistema escolar e tentou reduzir a escolarização ao treinamento de servos dóceis e eficientes da burguesia... Ela nunca pensou em fazer da escola um recurso para o desenvolvimento da
personalidade humana” (Lênin).

Por isso, cada vez mais se impõe o surgimento de um movimento contra-hegemônico que busque subverter o que Althusser, citado por Carnoy, aponta como a contribuição da escola para a formação da força de trabalho: a reprodução de suas habilidades e a reprodução de sua submissão às regras da ordem estabelecida.

Esse movimento contra-hegemônico que precisa se desenvolver no interior do sistema educacional deverá ter como autores centrais os rofissionais da educação: as professoras e os professores, funcionários e especialistas comprometidos com uma nova concepção de educação emancipatória. Sua caminhada passa, necessariamente, pela desconstrução das identidades que historicamente nos foram impostas e pela constituição das novas identidades de gênero, de classe, de raça/etnia a partir de uma visão mais universal da emancipação humana.

O exercício de constituição das novas identidades deve ter como referência de crítica e de reformulação: a - o conteúdo dos discursos legais; b – as diretrizes pedagógicas; c – as teorias educacionais; e d - as práticas rotineiras.

Esse processo exige também uma vigilância permanente em relação aos currículos escolares, aos regulamentos e aos instrumentos de avaliação, espaços onde costumam se materializar os conteúdos discriminatórios e as práticas excludentes.

A construção de uma perspectiva emancipatória se faz a partir de movimentos coletivos e de processos cotidianos sob os quais cada agente tem governabilidade plena. “Não é possível conseguir uma libertação real a não ser no mundo real e com meios reais... A libertação é um ato histórico, não um ato de pensamento, e é efetuada por relações históricas” (Marx).

Façamos da escola um espaço da afirmação humana que tem, na sua metade mulher, uma grande força transformadora.

Nota 1 – Francis Fukuyama, autor do livro O Fim da História? lançado em 1989, registrava que a vitória da democracia liberal e a prosperidade capitalista indicava a etapa final do desenvolvimento humano.

Referências bibliograficas

CARNOY, Martin, Educação, Economia e Estado, Coleção Polêmicas do Nosso Tempo, nº 13.São Paulo: Cortez – Autores Associados. 1984
HOBSBAWM, Eric, Era dos Extremos – O Breve Século XX 1914-1991. São Paulo: Cia. das Letras. 2002
LENIN, V.I. (1978), On Socialist Ideology and Culture, Moscow: Progress Publishers.
LOURO, Guacira Lopes. A Escola e a Prod. das Dif. Sexuais e de Gênero. Cad. de Educação-CNTE,nº 10. Brasília.1998
MARX, Karl, ENGELS, Friedrich, Obras Escolhidas Tomo I, pág.15. Lisboa: Edições Avante.1982
PEIXOTO, Madalena Guasco. A Condição Política na Pós-Modernidade. São Paulo, Educ-Fapesp. 1998


*Artigo publicado na edição nº 3 da Revista Mátria, março de 2005.

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