sexta-feira, 27 de abril de 2012

Emprego doméstico é repleto de humilhações e desigualdades, diz estudo


Negras, pobres e nordestinas: maioria no emprego doméstico. FOTO: Internet

O emprego doméstico é um local em que podem se observar vários tipos de 
desigualdades, como as de gênero, classe e raça. Além disso, as
domésticas ainda sofrem, cotidianamente, com as humilhações de suas
patroas, que explicitam as desigualdades e as distâncias sociais. Isso
é o que conclui o estudo Desigualdades em distâncias – gênero, classe, 
humilhação e raça no cotidiano do emprego doméstico, realizado na Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. A pesquisa analisou
 o dia-a-dia de empregadas domésticas e como sua ocupação abrange as desigualdades.
O sociólogo Jefferson Belarmino de Freitas entrevistou dez mulheres que trabalham
 como empregadas domésticas, além de duas empregadoras. Fora isso, ainda
analisou cartilhas de etiqueta direcionadas às patroas (como o livro “Etiquetas
 sem frescuras”, de Cláudia Matarazzo), matérias jornalísticas sobre o
tema e documentos de instituições que lidam com questões de Direitos Humanos.
Neste processo, o sociólogo percebeu como o emprego doméstico é um poço de
desigualdades de todos os tipos. A esmagadora maioria de trabalhadores da
categoria é formada por mulheres, o que denota uma desigualdade de gênero.
Entre elas, a maior parcela é formada por mulheres negras (e nordestinas, no
 caso da cidade de São Paulo, que foi usada no estudo), estando presente a questão
 da raça. Todas elas também pertencem a uma classe econômica mais baixa,
 e a humilhação e o preconceito aparecem em decorrência de todos esses tipos
de preconceito. As duas patroas entrevistadas pertencem à classe alta, mas
segundo o autor do estudo, o universo dessas mulheres foi melhor abarcado
pelos materiais secundários (as cartilhas e reportagens), até porque nem sempre
elas gostariam de ter sua privacidade relacionada com a desigualdade.
Foi no decorrer das entrevistas que Freitas percebeu como a humilhação era um tema
 muito falado pelas trabalhadoras, e como ela está presente em tudo, sendo
corroborada por várias situações. Para ele, essa questão está muito ligada à distância
 social entre as duas partes. Distância essa que é em certa medida necessária para
 a reprodução do emprego doméstico, pois a patroa precisa mostrar que ela é a
patroa, é necessário mostrar quem manda.
“No emprego doméstico, temos dois grupos sociais distintos em um mesmo
espaço físico, mas a distância social entre eles é muito grande. As empregadas se
sentem humilhadas quando percebem a externalização dessa distância social,
desse sentimento de “mostrar quem manda”, o que acaba entrando em contraste
com o discurso feito por algumas patroas de que elas são da família”, diz. Esse jogo
 de pouca (“você é da família”) e muita distância social está em permanente
movimento, pois é quando a patroa explicita a distância entre elas que aparece
 a humilhação e que começam os conflitos no ambiente de trabalho. “É por conta
disso que os sindicatos da categoria tentam banir essa ideia de que elas são da
família, mostrando que aquela é uma relação trabalhista como outra qualquer, o
 que na prática é muito difícil de acontecer, visto que ela se dá no âmbito
privado”, acrescenta o pesquisador.
Preconceitos e cordialidade
Historicamente, o emprego doméstico começou a ser problematizado pelas
feministas, que queriam mostrar as estruturas do patriarcado, como era da mulher
 a responsabilidade pelos problemas de âmbito privado (cuidar da casa). Mas o
trabalho doméstico não é só uma questão de gênero.
Embora o problema da divisão sexual do trabalho exista, ele não é o único. Enquanto
isso, o preconceito de raça é muito difícil de ser tratado em nossa sociedade
 pois, segundo o pesquisador, há uma tendência em achar que esse preconceito não
existe mais. Afinal, afirmar que ele existe na vida privada é afirmar que ele não
está extinto “e que nós não somos tão legais quanto pensamos”.
Para o sociólogo, “há um costume de se pensar que nós brasileiros somos cordiais
e tratamos as pessoas muito bem, mas as humilhações sofridas pelas domésticas
mostram que nós não necessariamente fazemos isso ou somos assim”. Por
 isso, uma grande contribuição de seu estudo, que foi orientado por Antonio Sergio
Alfredo Guimaraes, é conseguir encadear na base do argumento muitas
desigualdades do emprego doméstico e mostrar como ele pode abarcar vários tipos
 de preconceito. “Não a toa, muitas dessas mulheres querem mudar de emprego,
 porque essa é uma profissão muito estigmatizada. Algumas nem falam
 publicamente qual é a sua ocupação.” 
USP

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