segunda-feira, 21 de julho de 2014

PIB- O perfeito idiota brasileiro, por Paulo Nogueira



O texto abaixo é uma versão revisada, atualizada e abrasileirada do Manual do
 Perfeito Idiota Latino-americano, dos anos 1990.
PIB. Chamemos de PIB. O Perfeito Idiota Brasileiro.
Vamos descrever o dia do PIB. Vinte e quatro horas na vida de um PIB para
 que os pósteros, a posteridade, tenham uma idéia do Brasil de 2012.
Ele acorda às sete horas da manhã. Tem que preparar o próprio café da manhã. Já faz
 alguns anos que sua mulher parou de fazer isso para ele, e ficou caro demais para ele
 pagar uma empregada doméstica.
Ele lamenta isso.  Era bom quando havia uma multidão de nordestinas sem instrução
 nenhuma que saíam de suas cidades por falta de perspectiva e iam dar no Sul, onde
acabavam virando domésticas.
PIB dá um suspiro de saudade. Chegou a ter uma faxineira e uma cozinheira nos velhos e bons tempos. Num certo momento, PIB percebeu que as coisas começaram a ficar mais difíceis. Havia menos mulheres dispostas a trabalhar como domésticas, e os salários foram ficando absurdos.
Para piorar ainda mais as coisas, ao contrário do que sempre acontecera, a última
 empregada de PIB recusou votar no candidato que ele indicou.
Mulherzinha metida.
PIB tomou o café na cozinha, com o Globo nas mãos. Assinava o jornal fazia muitos anos.
Se todos os brasileiros fossem como o Doutor Roberto Marinho, PIB pensou, hoje seríamos
 os Estados Unidos.
Por que ainda não ergueram estátuas para ele?
Com o Globo, PIB iniciou sua sessão de leituras matinais. Mais ou menos quarenta minutos,
 antes de ir para o escritório.
Leu Merval. Quer dizer, leu o primeiro parágrafo e mais o título porque naquele dia o texto,
embora magnífico, estava longo demais. Havia um artigo de Ali Kamel. “Um cabeça”,
 pensou PIB. “Deve ter o QI do Einstein.” Mas também aquele artigo –embora brilhante,
um tratado perfeito sobre o assistencialismo ou talvez sobre o absurdo das cotas, PIB já
 não sabia precisar — parecia um pouco mais comprido do que o habitual. Deixou para
 terminar a leitura à noite.
PIB vibrou porque, se não bastassem Merval e Kamel, havia ainda Jabor.
Um gênio. Largou o cinema para iluminar o Brasil com sua prosa espetacular. Um 
verdadeiro santo. Podia estar com a sala da casa cheia de Oscar.
Começou a ler Jabor e refletiu. “Impressão minha ou hoje aumentaram o tamanho do Jabor?
” PIB sacudiu a cabeça, na solidão da cozinha, num gesto de reverência extrema por Jabor,
 mas também achou melhor deixar para ler mais tarde. Era seu dia de sorte. Também o
historiador Marco Antônio Villa estava no Globo. “Os primeiros 18 meses do governo Dilma
 foram fracassos sobre fracassos” era a primeira linha. Bastava. Villa sempre surpreendia
 com pensamentos que fugiam do lugar comum.
Como uma terrorista chegou ao poder? Bem, tenho que comprar algum livro de 
história do Villa. Ele com certeza escreveu vários.
Completou a sessão de leituras da manhã na internet. Leu Reinaldo Azevedo.
Quer dizer, naquela manhã, leu um parágrafo. Na verdade, metade. Menos. O título. Não
 importava. Azevedo era capaz de mesmerizar toda uma nação com a luz cintilante de
 meia dúzia entre milhares de linhas que produzia incessantemente. PIB deixava escapar
 um sorriso de admiração a cada vez que li a palavra “petralha” em Azevedo.
Rei é rei. Um cabeça pensante. Por que será que não ocorreu a nenhum presidente da
 República contratar esse homem como assesor especial? Se o Brasil bobear, a Casa 
Branca vem e contrata.
Ainda na internet, uma passagem pelo Blog do Noblat. Naquele dia, no blog havia uma
 coluna assinada por Demóstenes. PIB deu parabéns mentais a Noblat por abrir espaço a
 Demóstenes, nosso campeão mundial da moralidade, nosso Catão.
Por que falam tanto do tal do Assange e do Wikileaks quando temos tantos caras muito 
melhores?
A caminho do trabalho, PIB ligou na CBN. Ouviu uma entrevista com o filósofo Luiz Felipe
 Pondé. “Meu pequeno carro não contribui para o aquecimento do planeta”, disse Pondé,
 o nosso Sócrates, o Aristóteles verde-amarelo.
Preciso anotar essa. Meu pequeno carro não contribui para o aquecimento global.
Isso o levou a reparar nos ciclistas nas ruas de São Paulo. Cada dia parecia haver mais.
Mau sinal. Havia muitas bicicletas no trajeto. PIB sentiu vontade de atropelá-las.
Odiava ciclistas. Atrapalhavam os motoristas.
Abria uma única exceção: Soninha. Desde que ela continuasse a posar pelada em nome
das bicicletas.
Hahaha.
Na CBN ouviu também informações e comentários sobre o mundo. “Prestígio em Paris
 dá vantagem a Sarkozy nas eleições presidenciais”, a CBN avisou. PIB admirava Sarkozy.
Proibir a burca foi um gesto histórico. As muçulmanas deveriam ser gratas a Sarkozy. Elas
 haveriam de votar maciçamente nele para dar a ele o segundo mandato para o qual a CBN
 dizia que ele era o favorito.
Os maridos obrigam as coitadas a usar burca.
O tema do islamismo estava ainda em sua mente quando se instalou em seu cubículo de
 gerente na empresa. PIB refletiu sobre o mundo. Tinha lido em algum lugar que no Afeganistão
 as pessoas queriam que os soldados americanos fossem embora.  Os afegãos 
estavam queimando bandeiras dos Estados Unidos. A mesma coisa estava ocorrendo
 no Iraque. E no Iêmen. Em todo o Oriente Médio, fora Israel.
Ingratos. Como eles não percebem que os Estados Unidos estão lá para promover a 
democracia e levar a civilização? Os americanos estão acima de interesses mesquinhos
 por coisas como o petróleo.
Era um perigo o avanço muçulmano. Não que apoiasse, mas PIB entendia o norueguês que
matara 77 pessoas por considerar que o governo de seu país era leniente demais com os
 muçulmanos.
A raça branca está em perigo.
Entretido em salvar a raça branca, PIB não percebeu o tempo passar. Só notou pela fome
 que já era hora de comer. A opção, mais uma vez, foi pelo Big Mac do shopping, e mais a
 Coca dupla. Detestava os ativistas dos direitos dos animais porque combatiam os Big Macs.
 PIB estava tecnicamente obeso, mas na semana que vem iniciaria uma dieta e começaria
também a se exercitar.
Fim do expediente. A estagiária estava com um decote particularmente ousado.
Talvez estivesse sem sutiã. PIB a chamou algumas vezes para discutir assuntos que na
verdade não tinham por que ser discutidos. A questão era olhá-la. Valeu o dia, refletiu.
Na volta, mais uma vez foi tomado pela tentação de atropelar os ciclistas. “Quando você
deseja muito uma coisa, todo o universo conspira a seu favor”. PIB se lembrou da frase de
seu escritor favorito, Paulo Coelho. Então ele desejou muito que as bicicletas sumissem.
Xiitas.
Algum colunista escrevera isso sobre os ciclistas. PIB não lembrava quem era, mas
 concordava inteiramente. Os ciclistas são gente esquisita que deve fazer ioga e praticar
 meditação, suspeitava PIB.
Tudo gay!
Já incorporara para si mesmo a frase genial de Pondé.
Meu carro pequeno não contribui para o aquecimento global.
No churrasco de domingo, ia soltar essa. Teve um breve lapso de inquietação quando
 se deu conta de que os brasileiros que tanto contribuíam para a elevação do pensamento
 nacional já não eram tão novos assim, O próprio Merval era imortal apenas pela sua
contribuição às letras, reconhecida pela Academia. Então lhe veio à cabeça a juventude
 sábia de Luciano Huck, e ficou mais sossegado.
A mulher não percebeu quando ele chegou. Não era culpa dela. A televisão estava ligada
com som alto na novela da Globo. PIB lera várias vezes que as novelas tinham uma
 “missão civilizadora” no Brasil. Mais uma dívida dos brasileiros perante Roberto Marinho:
a perpetuação das novelas. A mídia impressa brasileira reconhecia a “missão civilizadora”
na forma de uma cobertura maravilhosa das novelas. Uma vez um leitor da Folha reclamou
 por encontrar na Ilustrada seis artigos sobre novelas.
O brasileiro só sabe reclamar. E reivindicar. Uma besta!
PIB deu um alô que não foi ouvido. Ou pensou ter dado. Sentou ao lado da mulher, e
 o silêncio confirmou para ele sua tese: depois de muitos anos de casamento as pessoas
 se entendem tão bem que não precisam trocar uma só palavra. Nem se tocar. É quando o
 casamento chega ao estágio da perfeição: ninguém tem que se empenhar para nada.
A cada quinze dias, PIB tomava Viagra e descarregava as tensões sexuais com uma
escorte que cobrava 400 reais.
Tá barato.
Não ligava para novelas. Mas soubera no escritório que Juliana Paes aparecia de
vez em quando pelada. Passou por sua cabeça um pensamento rápido.
Talvez eu devesse pedir para a patroa me avisar quando a Juliana Paes ficar sem roupa.
Terminada a novela, era a sua vez na televisão. Futebol. Bacana o futebol passar bem
tarde, depois da novela. Provavelmente a Globo pensara nisso para ajudar os pobres
que moravam longe e demoravam horas para chegar em casa depois do trabalho.
“Boa noite, amigos da Globo!”
Um carisma total o Galvão. Subaproveitado. Devia estar no Ministério da Economia,
 e não narrando futebol. 
PIB lera que Galvão estava morando em Mônaco. Sabichão. Ficava muito mais fácil,
assim, cobrir a Fórmula 1. Nunca alguém da estatura moral de Galvão optaria por Mônaco
 para não pagar imposto. Galvão certamente faria bonito na Dança dos Famosos, pensou
 PIB.
PIB não torcia a rigor para time nenhum. Era, essencialmente, anticorintiano.
Com seu saco de pipocas na mão, viu, contrariado, o Corinthians vencer.
Amanhã os boys vão estar insuportáveis.
PIB queria muito ver o Jô.
Era um final de dia perfeito, ainda mais porque antes havia o aperitivo representado por
William Waack. PIB achava um privilegio poder ver Waack não apenas na Globo como na
 Globonews. Os Marinhos podiam cobrar pela Globonews, mas não faziam isso para
proporcionar cultura de graça aos brasileiros. PIB zapeava quando Waack dava suas
 lições na televisão, mas os fragmentos que pescava eram suficientes.
Jô. Não posso perder Jô. Uma enciclopédia. Podia ser editoriaslista do Estadão.
 Hoje ele vai entrevistar o Mainardi!
PIB bem que queria ver Jô. Ou pelo menos incluí-lo no zapeamento. Duas palavras de
 Jô valiam por mil das pessoas normais.
Mas não foi possível.
PIB acabou dormindo no sofá, do qual sua mulher achou preferível não o tirar, e
 onde ele roncou tão alto quanto o som da tevê — e teve, como sempre, o sono
 límpido, impoluto, irreprochável dos perfeitos idiotas.

Um comentário:

  1. Entretido em salvar a raça branca, PIB não percebeu o tempo passar. Só notou pela fome
    que já era hora de comer. A opção, mais uma vez, foi pelo Big Mac do shopping, e mais a
    Coca dupla. Detestava os ativistas dos direitos dos animais porque combatiam os Big Macs.
    PIB estava tecnicamente obeso, mas na semana que vem iniciaria uma DIETA e começaria
    também a se exercitar.

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