sexta-feira, 11 de maio de 2012

DEM (ex-PFL) X negros: Vitória do Brasil no STF




Ao julgar e decidir de forma unânime a improcedência da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 186, movida pelo DEM contra o programa de cotas da Universidade de Brasília, o Supremo Tribunal Federal o fez de maneira exemplar, não deixando dúvidas sobre a constitucionalidade das cotas como ação afirmativa a serviço da materialização da igualdade formal, preconizada pela nossa Carta Magna.

Por Olívia Santana* 


Ao atirar na política de cotas o DEM acertou em si próprio. Representado pela advogada Roberta Kaufmann, esta se mostrou despreparada nos argumentos que usou na tentativa de deslegitimar e provar a ilegalidade do sistema. Insistiu na repetida tese de que o problema do negro é econômico, e não de discriminação racial. Uma falácia, já que a exploração de classe e o racismo, que recaem sobre o negro e os indígenas, se reforçam mas não se confundem, nem se anulam. 

A advogada do DEM se apoiou na polêmica pesquisa de Danilo Pena para tentar provar que, se no terreno da genética todos somos semelhantes, não se pode definir quem é negro no Brasil, escorregando em outra falácia, omitir raça como construção social. Seguiu acusando os defensores das cotas de querer fazer do país uma nova Ruanda e a Seppir - Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, de ser o ministério do racismo institucional, ou seja, recorrendo a metáforas frágeis se não preconceituosas e pouco analíticas.

A tese da advogada foi facilmente desconstruída pela brilhante atuação da Doutora Indira Qaresma, advogada da UNB, dos amicus curiae, contrários a ADPF 186, e, principalmente, pelo denso e preciso voto do relator, o ministro Lewandowski. 

Este sustentou-se mais demoradamente na Constituição Federal e nos tratados internacionais dos quais o país é signatário, a exemplo da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial - CERD (1966), ratificada pelo Brasil em 1968 e da Declaração de Durban, aprovada em 2001 na III Conferência Mundial Contra o Racismo, a Xenofobia e Formas Conexas de Intolerância. Evidenciou-se que a exclusão econômica do negro tem forte componente de discriminação racial, que o racismo no Brasil não incide na origem das pessoas, mas sim na aparência delas; que os critérios utilizados pelas universidades para promover a política de cotas, longe de nos levar à condição de uma nova Ruanda, já está nestes mais de 10 anos produzindo uma nova realidade educacional para milhares de estudantes negros, índios e brancos pobres.

Não podemos esquecer que houve um holocausto negro nas Américas por mais de três séculos, tendo o Atlântico como testemunha ou como sepultura de milhares dos que sucumbiram ainda em pleno mar. O Brasil é irremediavelmente parte desta história e tem hoje a maior população de afrodescendentes do mundo. 

O ministro Lewandowski foi muito feliz ao lembrar que as cotas e ações afirmativas não são uma mera importação americana. Tal sistema iniciou-se na Índia em 1935, com a edição do Government of India Act, promovido por lideranças como Mahatma Gandhi, para garantir a inclusão social dos Dalits e Adivasis. As ações afirmativas nos EUA foram impulsionadas pela memorável Marcha por Liberdade e Trabalho, que mobilizou 250 mil ativistas, liderada, entre outros, pelo sindicalista Philip Randolph e por Martin Luther King, exigindo direitos civis. No Brasil as cotas começaram com a Lei do Boi (LEI Nº 5.465/68), que assegurava 50% das vagas nos cursos de agronomia para os filhos de fazendeiros, aí sim um privilégio. 

"A meritocracia sem igualdade de pontos de partida é apenas uma forma velada de aristocracia", disse o ministro Marco Aurélio de Mello aos que teimam em querer manter a universidade como uma ilha, incapaz de cumprir a sua função social de receber os diferentes filhos do povo.
É fato que as novas gerações não são responsáveis pelo nosso tenebroso passado, mas somos todos responsáveis por remover as barreiras do racismo, das desigualdades e democratizar profundamente a nação. Como bem disse Joaquim Barbosa, há um ciclo de acumulação de desvantagens que mantêm o negro nos extratos sociais mais baixos.
Portanto, o julgamento no STF teve a dimensão de decidir sobre o presente considerando o histórico que nos desiguala. Todo respeito a Corte, mas há que se observar que a própria composição dela, com apenas um negro em um universo de brancos, muitos de sobrenomes incomuns (Lewandowski, Peluso, Weber, Fux, Toffoli...), demonstra, por si só, que a igualdade entre negros e brancos no Brasil, não será alterada pela lei natural das coisas.

Quando nós do movimento negro brasileiro fomos a Durban, levamos na bagagem a estratégia de denunciar o racismo à moda brasileira e buscávamos a aprovação de políticas de Estado voltadas para a sua eliminação. Vemos hoje que o país tem avançado desde aquele momento e nenhuma guerra civil se instalou. Perderam o DEM e o já combalido senador Demóstenes Torres, que há um ano, naquele mesmo Tribunal, debochara das violências sexuais sofridas pelas mulheres negras, durante o escravismo. A vitória das cotas fortalece a cidadania dos jovens negros e nos desafia a lutar ainda mais por um sistema de ensino público qualificado e decente para todos os brasileiros e que os negros tenham oportunidades de participar do desenvolvimento, ocupando, finalmente, posições estratégicas no mundo acadêmico e em outros nichos de poder. 

* Olívia Santana é vereadora do PCdoB em Salvador e Ouvidora-Geral da Câmara de Vereadores de Salvador

http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=182162&id_secao=1



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