quinta-feira, 9 de abril de 2020

Um novo mundo surgirá. Mas, qual mundo?

 Sairemos desta crise mais individualistas ou mais coletivistas? Seremos mais afetivos e humanos ou seremos mais rancorosos e odiosos? Sairemos mais divididos e mais egoístas ou mais unidos e mais participativos socialmente? Essas e outras perguntas são apenas algumas das inquietações presentes nessa fase dramática de nossas vidas individuais e coletivas.

O confinamento social ao qual foram submetidos milhões de pessoas em todo o mundo, nos últimos meses, é algo jamais experimentado pela sociedade humana ao longo da história. É verdade que a nossa existência no planeta foi colocada à prova em dezenas de episódios factuais: disputas inter-impérios, doenças e pestes, guerras mundiais e continentais, confrontos étnicos, raciais e religiosos, enfim, uma coleção de fenômenos naturais e não naturais que submeteram a humanidade à diversos impasses existenciais.
Por que podemos afirmar que o momento que atravessamos é único em toda a trajetória humana? Ao olharmos o mundo e os avanços científicos alcançados nos últimos anos, podemos afirmar que sim. Jamais em toda trajetória do Homo sapiens tínhamos acumulado tanto conhecimento e experimentos nas várias áreas do conhecimento e das ciências aplicadas. A humanidade alcançou, nesse último período, níveis extraordinários de conhecimento. Nesses últimos 40 anos, acumulamos mais conhecimento que em toda a história humana na Terra.
Nesse sentido, destaco duas áreas que avançaram de forma extraordinária: as ciências biológicas e as ciências da informação. O primeiro caso do novo coronavírus anunciado publicamente foi em Wuhan, na China. Em poucos dias cientistas já tinham isolado o agente patogênico, identificado o RNA e a cadeia proteica, a capacidade de reproduzir e contaminar humanos, possíveis mutações da família corona etc. Foram analisados e diagnosticados os principais sintomas derivados da contaminação, métodos de isolamentos para evitar a propagação exponencial da doença, reações etárias para a patogenia. A corrida alucinante para produção de vacinas, remédios e métodos terapêuticos capazes de evitar a mortalidade de milhões de pessoas estão entre várias outras iniciativas de cientistas, profissionais da saúde, governos e organizações da sociedade civil pelos quatro cantos do mundo. Tudo isso em menos de 60 dias.
Se rápida foi a mobilização para identificar todos os elementos científicos que circundam a Covid-19, não foram diferentes a intensidade e a extensão demonstradas pelos meios de comunicação para fazer chegar informações e conhecimento dos mais diversos lugares a bilhões de pessoas, em tempo real e em escala global. Em poucos dias era possível saber de todos os meandros que envolviam a pandemia mundial. A aldeia global agora está quase que 100% envolvida nas questões que envolvem o vírus e suas consequências individuais, coletivas, sanitárias, econômicas, sociais etc. Informações, vídeos, palestras, seminários, colóquios, fake news, reuniões a distância… enfim, tudo transita pelas redes sociais em velocidade estonteante.
Certo é que a Covid-19 mudou de forma acelerada a forma de viver e interpretar o mundo para pessoas, comunidades, cidades, países, toda a sociedade planetária. Uma das questões e/ou inquietações derivadas da crise provocada pelo novo coronavírus diz respeito ao indivisível ser humano. Como temos nos comportado emocionalmente diante do isolamento social? Quais as implicações psicológicas e sociológicas para cada indivíduo e grupo social? Sairemos desta crise mais individualistas ou mais coletivistas? Seremos mais afetivos e humanos ou seremos mais rancorosos e odiosos? Sairemos mais divididos e mais egoístas ou mais unidos e mais participativos socialmente? Essas e outras perguntas são apenas algumas das inquietações presentes nessa fase dramática de nossas vidas individuais e coletivas.
Se a resposta no campo individual ainda está para ser formatada e destrinchada, no campo político, econômico e social as transformações serão aceleradas e profundamente impactantes para todos povos e países. Um novo ciclo que se abre diante da corona-crise, para o bem ou para o mal da humanidade, a depender das escolhas de governantes e sociedade.
O primeiro impacto diz respeito à questão geopolítica. O mundo multipolar que se descortinou após a crise financeira de 2008 trouxe enormes dificuldades econômicas e financeiras para os Estados Unidos da América e a Europa. A derrocada do sistema financeiro atingiu-os em cheio. A crise atual, que já estava em gestação, foi acelerada pelo coronavírus, que volta a atingir, agora, de maneira ainda mais impactante, o continente europeu e os EUA. As perspectivas para ambos são de milhares de mortes, crises políticas e financeiras, tensões sociais internas e um cenário de mudanças profundas na sociedade.
Ao mesmo tempo, a China que já vinha ocupando espaços políticos, econômicos e diplomáticos desde 2008, tende a aumentar ainda mais sua influência pelo mundo afora. Os chineses, que foram as primeiras vítimas do vírus, conseguiram controlar a expansão da doença no país, enfrentaram de forma determinada as ações sanitárias e de saúde pública e agora oferecem ajuda humanitária e tecnológica a vários países. A China sairá definitivamente desta crise como a maior potência econômica do mundo. Diante deste novo cenário a pergunta que devemos fazer é: o império estadunidense, diminuindo seu poder econômico e sua influência mundial, perderá sua plena hegemonia conquistada no século XX de forma pacífica? Aceitará de forma natural as mudanças no novo tabuleiro político internacional?
Em segundo lugar, a crise do coronavírus acelerou a derrocada do neoliberalismo e do ultraliberalismo hegemônico nos últimos anos nos quatro cantos do mundo. A situação econômica em desenvolvimento impõe aos estados nacionais a quebra de todos os paradigmas de contenção fiscal e de investimentos sociais. Abre-se nesse cenário a possibilidade de uma intensa e extensa agenda keynesiana para tentar salvar o que resta de capitalismo produtivo no centro e na periferia do sistema. A perspectiva econômica é de recessão longa, com crises sociais e humanitárias se alastrando pelos países e continentes. Ao mesmo tempo, as democracias mais frágeis poderão sofrer rupturas e, consequentemente, a constituição de regimes ditatoriais, centralizados e sangrentos. Nesse cenário a luta democrática ganha força e relevância. A esperança sairá da luta coletiva.
Em terceiro lugar, a tendência privatista do Estado e a política neoliberal do Estado mínimo para a sociedade e máximo para os rentismo entrará em crise. Não faltará, por parte de governantes, bancos centrais, FMI etc., a tentativa de salvar novamente o sistema e acomodar as elites econômicas e financeiras nessa balbúrdia.
A recessão, o desemprego, o subemprego, a informalidade, a falência de milhares de pequenos e médios empreendimentos, a disputa feroz pelos mercados internacionais serão as marcas de grande parte do mundo no curto e no médio prazo. O tensionamento social, a miséria e a crise humanitária serão a face mais cruel da crise. Portanto, a luta por um outro sistema e modelo de desenvolvimento, com garantias de acesso a políticas públicas de saúde, educação, moradia, cultura, segurança tenderá a impulsionar a sociedade global e as organizações populares e democráticas.
Esses são apenas algumas de muitas outras questões que serão enfrentadas no próximo período. A solução do ponto de interrogação neste ambiente histórico de incertezas ficará muito a depender de uma pergunta ainda sem resposta: que tipo de indivíduo saíra do isolamento social? Como iremos interpretar o caos humano, ambiental e social ao qual chegamos? Se a resposta for luta, mobilização, resistência, saída coletiva, ação organizadora e solidária, caminharemos para um novo tempo. Mas, se sairmos desta crise do mesmo modo que entramos, com as forças do mercado e os interesses financeiros acima de tudo e de todos, caminharemos a passos largos para a barbárie total. Façamos da crise um novo tempo: tempo de rupturas individuais e coletivas, tempos de revoluções e rosas, tempos de novas humanidades, tempos de liberdades e poesias.

Um comentário:

  1. Triste ver o estrago que se fez em BHTE, uma cidade que esteve francamente aberta às políticas inauguradas pela prefeitura de Patrus Ananias, fundadas no orçamento participativo,com intervenções concretas na realidade das periferias pobres, com ampla participação dos partidos e movimentos sociais. Continuasse BHTE a ser governada tal como procurou fazê-lo o prefeito Patrus Ananias e, mais tarde, seu sucessor, Célio de Castro, valorizando práticas de democracia participativa destinadas a mobilizar e organizar os homens do povo na defesa de um projeto democrático e popular de cidade e, principalmente,de sociedade, BHTE teria sobrevivido à hecatombe que estraçalhou a representatividade do Partido dos Trabalhadores. E mais: tivessem os governos petistas inaugurados por Lula se inspirado nos sentimentos que orientaram as decisões do Prefeito Patrus Ananias, dificilmente teriam sido golpeados com tanta facilidade pela campanha de desqualificação do PT que se concluiu com o golpe contra Dilma. Lula parece que jamais compreendeu o pensamento diferenciado de seu auxiliar mineiro. Fico pensando igualmente como teria sido difícil para a direita desfechar um golpe contra Patrus Ananias, fosse o petista mineiro, e não Dilma, o escolhido na sucessão de Lula. A decantada clarividência política de Lula não passa de mito. Certamente desconhecia quem, entre todos os seus ministros, possuía melhores condições políticas para sucedê-lo em 2010. Esse nome – naquela época e, infelizmente, não mais hoje – era Patrus Ananias, comandante das políticas sociais do governo Lula, e representante de uma experiência extremamente exitosa na prefeitura de BHTE, que sinalizava o caminho político correto para enfrentar a resistência que as elites sempre oferecerão a qualquer projeto democrático e popular. Certamente, embora aparentam ser amigos, as concepções políticas de Patrus são sensivelmente diferentes das de Lula. Pena que os petistas jamais se darão conta disso.

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