As milícias no campo miram em direção aos movimentos sociais
Do Brasil de Fato
O campo de atuação das empresas de segurança privada não está restrito às cidades. É
cada vez mais comum, no meio rural, a presença de grupos armados contratados por
fazendeiros. Em 27 de julho de 2011, foi realizado em Curitiba (PR) o Tribunal de Júri
que puniu pela primeira vez um caso de milícia privada no campo.
cada vez mais comum, no meio rural, a presença de grupos armados contratados por
fazendeiros. Em 27 de julho de 2011, foi realizado em Curitiba (PR) o Tribunal de Júri
que puniu pela primeira vez um caso de milícia privada no campo.
Os jurados consideraram Jair Firmino Borracha culpado pelo assassinato do agricultor
Eduardo Anghinoni, irmão de uma das principais lideranças do MST no Paraná. O réu
foi condenado a 15 anos de prisão. O crime ocorreu em 1999, no município de Querência
do Norte (PR). As provas e os depoimentos apresentados no julgamento reforçaram a
hipótese da existência de uma organização criminosa que atuava contra militantes de
movimentos sociais na região.
Um caso semelhante permanece sem solução. Após uma ação articulada pela empresa NF
Segurança, o trabalhador rural Valmir Mota de Oliveira, mais conhecido como Keno, foi morto
por um funcionário que prestava serviços para a transnacional Syngenta. Outros cinco
trabalhadores ficaram gravemente feridos. Ambos participavam do acampamento Terra
Livre, em Santa Tereza do Oeste (PR), área na qual a empresa promovia experimentos i
legais de sementes de milho transgênico. Embora o crime tenha ocorrido no final
de 2007, o processo se encontra na fase inicial de consulta das testemunhas.
O advogado da ONG Terra de Direitos, Fernando Priospe, demonstra preocupação
com a atuação de milícias privadas na região. “Basicamente não houve alteração na
situação no que diz respeito às milícias privadas. Por exemplo, a NF Segurança
continua atuando na região de Cascavel clandestinamente”. A Syngenta acusa
os trabalhadores rurais de serem responsáveis pelo assassinato de Keno e de
um pistoleiro. O Ministério Público do Paraná, que acatou a denúncia, alega que o
fato de ocupar uma propriedade rural significa assumir o risco de provocar o
assassinato das próprias pessoas que ocuparam a área.
Indígenas, ditadura e escravidão
A privatização do setor de segurança tem mais implicações negativas do que se
supõe, segundo o presidente do Conselho Estadual da Defesa da Pessoa Humana
de São Paulo (Condepe), Ivan Seixas. “Elas [empresas de segurança], além dos
serviços tradicionais, fazem arapongagem particular, espionagem eletrônica,
industrial, militar, política. Isso tudo faz com que o Estado brasileiro esteja refém
dessa gente”.
Nem mesmo os povos indígenas escaparam desse aparelho repressivo descrito
por Ivan, que é ex-preso político da ditadura civil-militar (1964-1985). Em outubro,
um grupo de homens armados – contratados por donos de construtoras –
avançaram contra as comunidades instaladas no local conhecido como Santuário
dos Pajés, no Setor Noroeste, em Brasília (DF). Estavam em disputa 50 hectares de
terras tradicionais, onde vivem cerca de 30 pessoas das etnias tuxá, fulniô, kariri
xocó e tupinambá. Na ação, foram registrados espancamentos, uso de spray de
pimenta e arma de choque elétrico.
A consolidação do setor da segurança privada nos últimos anos e a exacerbação
de seu poder deve-se muito à presença de militares ainda em atividade ou
aposentados. A conduta repressiva contra cidadãos, de acordo com Ivan, é
sintoma do autoritarismo herdado do período ditatorial. Para ele, “há uma
ligação direta entre ditadura e empresas de segurança porque vários torturadores,
civis e militares, são donos dessas empresas”.
Racismo
O professor de história e integrante da UNEafro-Brasil Douglas Belchior vê na
escravidão as raízes dos excessos que são cometidos hoje. Para ele, as empresas
de segurança não substituem as forças militares do Estado, mas atuam de forma
complementar. “Os capitães do mato foram a primeira polícia da história. Eles
tinham a função de correr atrás dos negros rebelados. Essa lógica se repetiu ao
longo dos anos e, quando os policiais migraram para a segurança privada, levaram
consigo essas práticas abomináveis. Daí a razão de os negros serem as principais
vítimas da truculência, ao lado dos camponeses e indígenas.”
Para Marcelo Braga Edmundo, coordenador da Central de Movimentos Populares e do
Comitê Social da Copa 2014 e dos Jogos Olímpicos, a segurança privada está tão
estruturada que consegue obter vantagens de todos os lados. Isso se dá ou por meio
da repressão ou por meio da extorsão. “Recentemente, isso aconteceu no Jardim
Botânico [no Rio de Janeiro]. Algumas pessoas se recusaram a pagar os seguranças
e de repente começou a ter assaltos na rua, o que claramente se configurou como
uma forma de pressão”. Braga afirma que o processo de coação é parecido.
“Estigmatizam a população mais pobre da zona oeste, dominada pela milícia,
enquanto a classe média que vive nas áreas mais abastadas há muito tempo
aceita a ação delas passivamente, as paga e fica por isso mesmo”.
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