Lênin: Que Fazer? (parte 2)


Que Fazer?
As questões palpitantes do nosso movimento (parte 2)


Leia tammbém:

Lênin: Que Fazer?


Lênin: Que Fazer?(parte 3)



V.I. LÊNIN

Editora Hucitec - São Paulo, 1979


A luta interior dá força e vitalidade ao partido; a melhor prova da fraqueza de um partido é sua posição difusa e a extinção de fronteiras nitidamente traçadas; o Partido reforça-se depurando-se...

(trecho de uma carta de Lassalle a Marx, de 24 de junho de 1852)

III - Politica sindical e política social-democrata

Mais uma vez, começaremos elogiando o Rabótcheie Dielo. "Literatura de Denúncia e Luta Proletária", assim denominou Martynov seu artigo do Rabótcheie Dielo (n.º. 10), sobre as divergências com o Iskra "Não podemos nos limitar a denunciar o regime que entrava seu desenvolvimento (do partido operário). Devemos, igualmente, fazer de nós o eco dos interesses correntes e urgentes do proletariado" (p. 63). É assim que Martynov formula a essência dessas divergências. “...O Iskra.... é efetivamente o órgão da oposição revolucionária que denuncia nosso regime e principalmente nosso regime político... Trabalhamos e trabalharemos, no que nos diz respeito, pela causa operária, em estreita ligação orgânica com a luta proletária". (Ibid.). Não é possível deixar de agradecer a Martynov por essa formulação. Ela adquire um grande interesse geral, pelo fato de abranger, no fundo, não somente nossas divergências de pontos de vista com o Rabótcheie Dielo, mas todas as divergências que existem, de maneira geral, entre nós e os "economistas" sobre a questão da luta política. Já mostramos que os "economistas" não negam absolutamente a “política", mas que se desviam constantemente da concepção social-democrata em direção à concepção sindical da política. É exatamente assim que o faz Martynov; e por isso queremos tomá-lo como espécime dos erros "economistas" na questão de que nos ocupamos. Tentaremos demonstrar que nem os autores do "Suplemento especial da Rabótchaia Mysl", nem os da declaração do "Grupo da Autoliberação", nem tampouco os da carta econômica do n.º. 12 do Iskra têm o direito de nos reprovar tal escolha.


A) A agitação política e seu estreitamento pelos "economistas

Ninguém ignora que a extensão e a consolidação da luta econômica*1 dos operários russos marcharam de par com a eclosão da “literatura" de denúncia econômica (referente às fábricas e à vida profissional). As "folhas volantes" denunciavam principalmente o regime das fábricas, e logo isto deu origem a uma verdadeira paixão pelas denúncias entre os operários. Quando estes últimos viram que os círculos sociais-democratas queriam e podiam fornecer-lhes; "folhas volantes" de um novo gênero, dizendo toda a verdade sobre sua vida miserável, seu trabalho fatigante e sua servidão, fizeram de certo modo chover cartas das fábricas e das oficinas. Esta "literatura de denúncia" fez sensação não somente na fábrica, cuja "folha volante" fustigava o regime, mas em todas as empresas onde havia rumores dos fatos denunciados. Ora, como as necessidades e a miséria dos operários de diferentes empresas e profissões têm muitos pontos comuns, a "verdade sobre a vida operária" maravilhou todo o mundo. Uma verdadeira paixão de "aparecer em letra de forma" tomou conta dos operários mais atrasados, nobre paixão por essa forma embrionária de guerra contra toda a ordem de coisas existente, baseada na pilhagem e na opressão. E as "folhas volantes" constituíram, efetivamente, na imensa maioria dos casos, uma declaração de guerra, porque o que divulgavam entusiasmava vivamente os operários, impelia-os a reclamar a supressão dos abusos mais gritantes e apoiar suas reivindicações através de greves. Os próprios donos das fábricas foram, afinal, obrigados a reconhecer nesses panfletos uma declaração de guerra a ponto de muitas vezes não desejarem sequer aguardar a própria guerra. Como sempre, simplesmente através de sua publicação, tais revelações adquiriram vigor e exerceram forte pressão moral. Não era raro o fato de a simples aparição de um panfleto obter a satisfação total ou parcial das reivindicações dos operários. Em uma palavra, as denúncias econômicas (das fábricas) eram e continuam a ser unia poderosa alavanca da luta econômica. E assim o será, enquanto existir o capitalismo, que impele necessariamente os operários à autodefesa. Nos países europeus mais avançados, pode-se ainda agora observar que a denúncia de condições escandalosas de trabalho em algum "oficio" em desuso, ou em um ramo de trabalho a domicílio esquecido de todos, leva ao despertar da consciência de classe, à luta sindical, e à difusão do socialismo*2.
A grande maioria dos sociais-democratas russos, nesses últimos tempos, foi quase inteiramente absorvida pela organização dessas denúncias de fábricas. É bastante lembrar a Rabótchaia Mysl para se ver a que ponto chegou tal absorção; esquecia-se que, no fundo, essa atividade não era ainda em si mesma social-democrata, mas apenas sindical. As denúncias referiam-se, no fundo, somente às relações dos operários de uma determinada profissão com seus patrões, e não tiveram, outro resultado senão o de ensinar àqueles que vendiam sua força de trabalho, a vender esta "mercadoria" de forma mais vantajosa, e a lutar contra o comprador no terreno de uma transação puramente comercial. Essas denúncias (na condição de serem convenientemente utilizadas pela organização dos revolucionários) podiam servir de ponto de partida e de elemento constitutivo da ação social-democrata; mas também podiam (e até deviam, quando se inclinava diante da espontaneidade) conduzir à luta "exclusivamente profissional" e a um movimento operário, não social-democrata. A social-democracia dirige a luta da classe operária, não apenas para obter condições vantajosas na venda da força de trabalho, mas, também, pela abolição da ordem social, que obriga os não possuidores a se venderem aos ricos. A social-democracia representa a classe operária em suas relações não apenas com um determinado grupo de empregadores, mas com todas as classes da sociedade contemporânea, com o Estado como força política organizada.
Consequentemente, portanto, os sociais-democratas não podem limitar-se à luta econômica, mas, também não podem admitir que a organização das denúncias econômicas constitua sua atividade mais definida.
Devemos empreender ativamente a educação política da classe operária, trabalhar para desenvolver sua consciência política. Quanto a esse ponto,. após a primeira ofensiva da Zaria e do Iskra contra o "economismo”, "todos estão de acordo", agora (acordo por vezes apenas verbal, como o veremos em seguida).
A questão que se coloca é: em que, portanto, deve consistir a educação política? Podemos nos limitar a difundir a idéia de que a classe operária é hostil à autocracia? Naturalmente, não. Não é suficiente esclarecer os operários sobre sua opressão política (como não o seria esclarecê-los sobre a oposição de seus interesses em relação aos de seus patrões). É necessário fazer a agitação a propósito de cada manifestação concreta desta opressão (como fizemos em relação às manifestações concretas da opressão econômica). Ora, como esta opressão se exerce sobre as mais diversas classes da sociedade, manifesta-se nos mais diversos aspectos da vida e da atividade profissional, civil, privada, familiar, religiosa, científica etc. etc., não se torna evidente que não realizaremos nossa tarefa que é desenvolver a consciência política dos operários, se não nos encarregarmos de organizar uma ampla campanha política de denúncia da autocracia? De fato, para fazer a agitação sobre as manifestações concretas da opressão, é preciso denunciar essas manifestações (da mesma forma que para conduzir a agitação econômica, era preciso denunciar os abusos cometidos nas fábricas).
Acho que isto está claro. Mas verifica-se justamente que a necessidade de desenvolver amplamente a consciência política não é reconhecida "por todos", senão em palavras. Verifica-se, por exemplo, que o Rabótcheie Dielo longe de se encarregar de organizar, ele próprio, uma ampla campanha de denúncias políticas (ou de tomar a iniciativa com vistas a essa organização) põe-se a puxar para trás o Iskra, que já tinha iniciado essa tarefa. Escutem: "A luta política da classe operária é apenas" (justamente ela não é "apenas") "a forma mais desenvolvida, a forma maior e mais efetiva da luta econômica" (programa do Rabótcheie Dielo, R D., n.º. 1, p. 3). "Agora, para os sociais-democratas trata-se de saber como conferir à própria luta econômica, sempre que possível, um caráter político" (Martynov, no número 10, p. 42). "A luta econômica é o meio mais amplamente aplicável para levar as massas à luta política ativa" (resolução do Congresso da União e "emendas": Dois Congressos, p.11 e 17). O Rabótcheie Dielo, como se vê, desde o seu nascimento até as últimas "instruções à redação", esteve sempre impregnado dessas teses, que evidentemente exprimem, todas, um único ponto de vista sobre a agitação e a luta políticas. Considerem este ponto de vista sob o ângulo da opinião que prevalece entre todos os "economistas", opinião segundo a qual à agitação política deve seguir a agitação econômica. Será verdade que a luta econômica é, em geral*3, "o meio mais amplamente aplicável" para levar as massas à luta política? Isto é absolutamente falso. Todas as manifestações, quaisquer que sejam elas, da opressão policial e do arbitrarismo absolutista, e não apenas as ligadas à luta econômica, constituem um meio não menos “amplamente aplicável" para tal “integração". Por que os zemskie natchaIniki e os castigos corporais infligidos aos camponeses, a corrupção dos funcionários e a maneira como a polícia trata a "plebe" das cidades, a luta contra os famintos, a campanha repelindo a aspiração do povo à instrução e à ciência, a extorsão dos impostos, a perseguição às seitas, o adestramento dos soldados e o regime de caserna imposto aos estudantes e aos intelectuais liberais - por que todas essas manifestações de opressão, e milhares de outras mais, não diretamente ligadas à luta "econômica”, constituem em geral os meios e as ocasiões menos "amplamente aplicáveis” de agitação política, de integração da massa à luta política? Muito pelo contrário; na soma total dos casos quotidianos em que o operário sofre (ele próprio, ou os ligados a ele) a servidão, a arbitrariedade e a violência, os casos de opressão policial que se aplicam precisamente à luta profissional não constituem, certamente, senão uma pequena minoria. Por que, então, restringir de antemão a amplitude da propaganda política, proclamando como "o mais amplamente aplicável" apenas um único meio, ao lado do qual, para o social-democrata, deveria haver outros que, de forma geral, não são menos “amplamente aplicáveis?"
Em época já muito remota (há um ano! ... ), o Rabótcheie Dielo escrevia: "As reivindicações políticas imediatas tornam-se acessíveis à massa após uma, ou na pior das hipóteses, após várias greves", "desde que o governo utilize a polícia e o corpo policial" (n.º. 7, p. 15, agosto de 1900). Essa teoria oportunista dos estádios foi rejeitada pela União, que nos faz uma concessão declarando: "não há nenhuma necessidade, desde o início, de se fazer a agitação política exclusivamente no terreno econômico" (Dois Congressos, p. 11). Esta única negação pela União de uma parte de seus antigos erros mostrará ao futuro historiador da, social-democracia russa, melhor do que toda a espécie de longas dissertações, a que ponto nossos “economistas" rebaixaram o socialismo! Mas, que ingenuidade da União imaginar que, a troco do abandono de uma forma de estreitamento da política, poderia fazer-nos aceitar outra forma de estreitamento! Não teria sido mais lógico dizer, também, que é preciso sustentar uma luta econômica, da forma mais ampla possível; que é preciso sempre utilizá-la para os fins de agitação política, mas que “não há nenhuma necessidade' de se considerar a luta econômica como o meio mais amplamente aplicável para integrar a massa à luta política ativa?
A União considera importante o fato de ter substituído a expressão "o meio mais amplamente aplicável", pela expressão “o melhor meio”, que figura na resolução correspondente ao Quarto Congresso da União Operária Judaica (Bud). Na verdade, seria embaraçoso para nós dizer qual dessas duas resoluções é a melhor: em nossa opinião são as duas piores. Tanto a União como o Bund perdem-se no que diz respeito a uma interpretação economista, sindical da política (em parte, talvez inconscientemente, sob a influência da tradição). No fundo, a questão em nada se altera, quer se empregue as palavras "o melhor”, ou "o mais amplamente aplicável". Se a União tivesse dito que "a agitação política no terreno econômico" constitui o meio mais amplamente aplicado (e não "aplicável") teria razão quanto a certo período de desenvolvimento de nosso movimento social-democrata. Teria razão precisamente no que concerne aos “economistas”, no que diz respeito a muitos (senão a maior parte) dos militantes práticos de 1898-1901; de fato, esses "economistas" práticos aplicaram a agitação política (se é que a aplicaram de algum modo), quase exclusivamente no terreno econômico. Como vimos, a Rabótchaia Mysl e o "Grupo da Autoliberação" admitiam, também eles, e até recomendavam uma agitação política desse gênero! O "Rabótcheie Dielo" devia condenar resolutamente o fato de a agitação econômica, útil em si mesma, ter sido acompanhada de uma restrição prejudicial da luta política; ora, ao invés disso, declara o meio mais aplicado (pelos "economistas”) como o mais aplicável! Não é de se surpreender que, quando damos a esses homens o nome de "economistas”, não lhes resta senão insultar-nos, chamando-nos de "mistificadores" e "desorganiza dores", e de, "núncios do papa" e "caluniadores”*4 , de se lamentar em diante de todos que lhes fizemos uma afronta atroz, e declarar em quase jurando a seus grandes deuses: “decididamente, hoje, nenhuma organização social-democrata está contaminada pelo economismo”*5. Ali! esses caluniadores, esses políticos malévolos! Não terão eles inventado todo esse "economismo" para infringir às pessoas, por simples ódio à humanidade, afrontas atrozes?
Qual é o sentido concreto, real da tarefa que Martynov atribui à social-democracia: "Conferir à própria luta econômica um caráter político"? A luta econômica é a luta coletiva dos operários contra os patrões, para vender vantajosamente sua força de trabalho, para melhorar suas condições de trabalho e de existência. Essa luta é necessariamente uma luta profissional, porque as condições de trabalho são extremamente variadas, de acordo com as profissões e, portanto, a luta pela melhoria de suas condições deve ser forçosamente conduzida pela profissão (pelos sindicatos no Ocidente, pelas uniões profissionais provisórias, por intermédio das “folhas volantes” na Rússia etc.). Conferir “à própria luta econômica um caráter político significa, portanto, procurar conseguir as mesmas reivindicações profissionais, melhorar as condições de trabalho em cada profissão através de "medidas legislativas e administrativas" (como se exprime Martynov, à página seguinte - 43 -de seu artigo). É exatamente o que fazem e sempre fizeram os sindicatos operários. Leiam a obra de seus profundos conhecedores (e de “profundos" oportunistas), como o casal Webb, e verão que há muito os sindicatos operários da Inglaterra compreenderam e realizam a tarefa de “conferir à própria luta econômica um caráter político": que há muito e muito tempo lutam pela liberdade das greves, pela supressão dos obstáculos jurídicos. de todo gênero e de toda ordem, ao movimento cooperativista e sindical, pela promulgação de leis para a proteção da mulher e da criança. pela melhoria das condições do trabalho através de uma legislação sanitária, industrial etc.
Assim, pois, sob um aspecto "terrivelmente” profundo e revolucionário, a frase pomposa – “Conferir à própria luta econômica um caráter político" - dissimula na realidade a tendência tradicional de rebaixar a política social-democrata ao nível da política sindical! Sob o pretexto de corrigir a estreiteza do Iskra, que prefere - vejam vocês; "revolucionar o dogma do que revolucionar a vida”*6, servem-nos como novidade a lula pelas reformas econômicas. Na realidade, a frase - "Conferir à própria luta econômica um caráter político" - implica apenas a luta pelas reformas econômicas. E o próprio Martynov poderia ter chegado a essa conclusão pouco sutil, se tivesse meditado profundamente em suas próprias palavras. "Nosso partido", diz ele apontando sua arma mais terrível contra o Iskra, "poderia e deveria exigir do governo medidas legislativas e administrativas concretas contra a exploração econômica, o desemprego, a fome etc. "(Rabótcheie Dielo. N.º. 10, p. 42-43). Reivindicar medidas concretas não significa reivindicar reformas sociais? E mais uma vez tomamos o testemunho do leitor imparcial: caluniamos nós os rabotchediélentsi - perdoem-me esta infeliz palavra em voga! - qualificando-os de bernsteinianos disfarçados, quando pretendem que seu desacordo com o Iskra repousa na necessidade de lutar por reformas econômicas?
A social-democracia revolucionária sempre compreendeu e compreende em sua atividade a luta pelas reformas. Usa, porém, a agitação "econômica” não somente para exigir do governo medidas de toda espécie, mas, também (e sobretudo), para dele exigir que deixe de ser um governo autocrático. Além disso, acredita dever apresentar ao governo essa reivindicação não somente no terreno da luta econômica, mas também no terreno de todas as manifestações, quaisquer que sejam, da vida política e social. Em uma palavra, subordina a luta pelas reformas, como a parte ao todo, à luta revolucionária pela liberdade e o socialismo.
Martynov ressuscita sob uma forma diferente a teoria dos estádios e tenta prescrever à luta política que torne resolutamente um caminho por assim dizer econômico. Preconizando, desde o impulso revolucionário, a luta pelas reformas como uma "tarefa" pretensamente especial, arrasta o partido para trás, e faz o jogo do oportunismo "economista" e liberal.
Prossigamos. Após ter dissimulado pudicamente a luta pelas reformas sob a frase pomposa,- “Conferir à própria luta econômica um caráter político" -, Martynov apresentou como algo de particular as reformas econômicas, simplesmente (e mesmo as simples reformas no interior da fábrica). Por que teria feito isso? Ignoramos. Talvez por negligência? Mas se não tivesse considerado unicamente as reformas "fabris", toda a sua tese, que acabamos de mencionar acima, perderia seu sentido. Talvez porque, da parte do governo, julgue possíveis e prováveis apenas as "concessões" no aspecto econômico*7? Se a resposta for sim, isto constitui um erro estranho: as concessões são possíveis e também se fazem no aspecto legislativo, quando se trata de aplicar a chibata, quando se trata de passaportes, de resgates, de seitas, da censura etc, etc. As concessões (ou pseudoconcessões) "econômicas" são evidentemente as menos dispendiosas e as mais vantajosas para o governo, pois, dessa forma, espera ganhar a confiança das massas operárias. Mas é precisamente por isso que nós, os sociais-democratas, não devemos de forma alguma e por motivo algum ceder a essa opinião (ou a um mal-entendido) de que as reformas econômicas pretensamente nos agradam, e que as consideramos as mais importantes etc. “Tais reivindicações" - diz Martynov falando das medidas legislativas e administrativas concretas que mencionou anteriormente - "não seriam uma frase oca, porque, prometendo resultados tangíveis, poderiam ser apoiadas ativamente pela massa operária"... Não somos "economistas", oh, não! Simplesmente prostramo-nos diante da "tangibilidade" dos resultados concretos, tão servilmente como o fazem os senhores Bernstein, Prokopovitch, Struve, R. M., e tutti quanti. Simplesmente damos a entender (com Narciso Tuporilov) que tudo o que “não promete resultados tangíveis" não é mais do que uma “frase oca”! Simplesmente expressamo-nos como se a massa operaria fosse incapaz (e não provou até agora sua capacidade, a despeito daqueles que atiram sobre ela seu próprio filistinismo) de apoiar ativamente todo protesto contra a autocracia, mesmo aquele que não lhe promete absolutamente qualquer resultado tangível!
Tomemos os mesmos exemplos lembrados pelo próprio Martynov, relativos às “medidas" contra o desemprego e a fome. Enquanto o Rabótcheie Dielo trabalhava, segundo fazia crer, para elaborar e desenvolver “reivindicações concretas (sob a forma de projetos de lei?) referentes a medidas legislativas e administrativas", "prometendo resultados tangíveis", o Iskra, que "prefere invariavelmente revolucionar o dogma do que revolucionar a vida", dedicava-se a explicar a ligação estreita entre o desemprego e o regime capitalista, advertindo que a "fome se aproxima”, denunciando a “luta contra as famintos” desencadeada pela polícia e os escandalosos "regulamentos provisórios draconianos", e a Zaria lançava em tiragem especial, como folheto de propaganda, uma parte da Revista da Situação Interior, dedicada à fome. Mas, meu Deus, como foram "unilaterais", nesse caso, os ortodoxos incorrigivelmente estreitos, os dogmáticos surdos às injunções da - "própria vida"! Nenhum de seus artigos contém - que horror! - nem uma única, vejam bem, "reivindicação concreta", "prometendo resultados tangíveis"! Os infelizes dogmáticos! É preciso enviá-los à escola de Kritchévski e Martynov para convencê-los; de que a tática é um processo de crescimento, do que cresce etc., e que é preciso conferir à própria luta econômica um caráter político!
"Além de sua importância revolucionária direta, a luta econômica dos operários contra os patrões e o governo (“a luta econômica contra o governo"!!) apresenta ainda a utilidade de incitar os operários a pensar constantemente que estão frustrados em seus direitos políticos" (Martynov, p. 44). Citamos essa frase não a fim de repetir pela centésima ou milésima vez o que dissemos acima, mas a fim de agradecer muito particularmente a Martynov por essa nova e excelente frase: "A luta econômica dos operários contra os patrões e o governo”. Que maravilha! Com que talento inimitável, com que magistral eliminação de todas as diferenças parciais, de todas as variedades de matizes entre "economistas", encontra-se expressa aqui, em uma proposição breve e límpida, toda a essência do “economismo”, desde o apelo instigando os operários à "luta política que conduzem no interesse geral, a fim de melhorar a sorte de todos os operários"*8, passando pela teoria dos estádios, para finalizar com a resolução do congresso sobre o "meio mais amplamente aplicável” etc. "A luta econômica contra o governo" constitui exatamente a política sindical, que ainda se encontra muito e muito longe da política social-democrata.
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*1 A fim de evitar qualquer mal-entendido, fazemos notar que, na exposição que se segue, entendemos sempre por luta econômica (segundo o vocabulário em uso entre nós), a “luta econômica pratica" que Engels, na citação anteriormente mencionada, chamou a "resistência aos capitalistas", e que, nos países livres, é chamada luta profissional, sindical ou dos trade-unions.
*2 Nesse capítulo, falamos unicamente da luta política e do seu conceito mais amplo ou mais restrito. Por isso, não assinalaremos senão de passagem a título de curiosidade, a acusação que o Rabótcheie Dielo faz ao Iskra de “reserva excessiva" no que diz respeito à luta econômica (Dois Congressos p. 27, inutilmente repetida por Martynov em seu folheto, A Social-Democracia e a Classe Operária) Se os senhores acusadores medissem (como gostam de fazer) em quilos ou em folhas impressas a seção do Iskra sobre a vida econômica, durante um ano, e a comparassem à mesma seção do Rabótcheie Dielo e da Rabótchaia Mys1 reunidos, constatariam sem dificuldade que, mesmo quanto a esse assunto, estão atrasados em relação a nós. Evidentemente, a consciência dessa simples verdade faz com que recorram a argumentos que mostram nitidamente sua confusão.
Escrevem eles que, queira ou não, “o Iskra é obrigado a levar em conta as necessidades imperiosas da existência e a incluir ao menos (!!) a matéria dos correspondentes sobre o movimento operário" (Dois Congressos, p. 27). De fato, este é um argumento massacrante: contra nós!
*3 Dizemos, "em geral”, porque o Rabótcheie Dielo, no caso, trata dos princípios gerais e das tarefas gerais do partido, em conjunto. Certamente, de forma pratica, ocorrem casos onde o político deve efetivamente vir após a econômico, irias só os "economistas" dizem isso em uma resolução destinada a toda a Rússia. Há também casos onde se pode, "desde o início", conduzir uma agitação política “somente no terreno econômico, contudo, o Rabótcheie Dielo foi induzido a concluir que isto "não era de modo algum necessário” (Dois Congressos, p. 11). No capítulo seguinte, mostraremos que a tática dos “político” e dos revolucionários, longe de desconhecer as tarefas sindicais da social-democracia, é capaz apenas de assegurar a realização metódica dessas tarefas.
*4 Expressões autênticas da brochura Dois Congressos, p. 31,32, 28 e30.
*5 Dois Congressos, p. 32.
*6 Rabótcheie Dielo, n.º. 10, P. 6. Esta é a variação de Martynov à aplicação da tese: “Todo passo adiante, todo progresso real, importa mais que uma dúzia de programas”, aplicação feita ao estado caótico atual de nosso movimento. e que já caracterizamos acima. No fundo, não é mais do que a tradução russa da famosa frase de Bernstein: “0 movimento é tudo, o objetivo final não é nada.”
*7 “Se recomendamos aos operários que apresentem certas reivindicações econômicas ao governo, é evidentemente porque, no aspecto econômico, o governo autocrático está disposto, por necessidade, a fazer certas concessões."
*8 Rabótchaia MysI, “Suplemento especial”, p. 14.


b) Como Martynov aprofundou Plekhânov

"Que quantidade de Lomonossovs sociais-democratas surgiram entre nós, nos últimos tempos!" observou um dia um camarada, referindo-se à inclinação surpreendente de muitos daqueles que se voltam para o "economismo", para chegar apenas "pela sua própria inteligência" às grandes verdades (como, por exemplo, aquela de que a luta econômica instiga os operários a pensar que estão frustrados em seus direitos), desconhecendo, com soberano desprezo próprio ao talento nato, tudo o que já foi dado pelo desenvolvimento anterior do pensamento e do movimento revolucionários. Esse talento nato é justamente Lomonossov-Martynov. Olhem seu artigo, "As Questões Imediatas", e verão como chega "pela sua própria inteligência" àquilo que há muito foi dito por Axelrod (a propósito de quem nosso Lomonossov, bem entendido, guarda um silêncio absoluto); como começa, por exemplo, a compreender que não podemos desconhecer o espírito de oposição dessas ou daquelas camadas da burguesia (R. D. nº.9, p. 61, 62, 71 - comparem à “Resposta" da redação do R D. a Axelrod, p. 22, 23-24) etc.
Mas, ai! só chega e só começa; pois, compreendeu tão pouco do pensamento de Axelrod, que fala da "luta econômica contra os patrões e o governo”. Durante três anos (1898-1901) o Rabótcheie Dielo esforçou-se para compreender Axelrod, e ainda não o compreendeu! Será que isto ocorre talvez porque para a social-democracia, da mesma forma que para a humanidade", sempre são colocados tarefas realizáveis?
Mas, os Lomonossovs não somente ignoram de maneira particular as coisas (isto seria apenas meio mal!), como também não se dão conta de sua ignorância. Isto constitui uma verdadeira desgraça, que os leva a empreender repentinamente a tarefa de "aprofundar" Plekhânov.

“Depois que Plekhânov escreveu o opúsculo em questão (As Tarefas dos Socialistas na Luta Contra a Fome na Rússia) muita água correu”, diz Lomonossov-Martynov. “Os sociais-democratas que dirigiram durante dez anos a luta econômica da classe operária... ainda não tiveram tempo de dar amplo fundamento teórico à tática do Partido. Agora essa questão chegou à maturidade, e se quisermos conferir tal fundamento teórico, devemos aprofundar de forma segura os princípios táticos que, em seu tempo, Plckhânov desenvolveu... Devemos agora diferenciar entre a propaganda e a agitação, de maneira distinta do que o fez Plekhánov.
(Martynov acaba de citar as palavras de Plekhânov: 'O propagandista inculca muitas idéias em uma única pessoa, ou em um pequeno número de pessoas: o agitador inculca apenas uma única idéia. ou um pequeno número de idéias: em troca, inculca-as em toda uma massa de pessoas'). 'Por propaganda entendemos a explicação revolucionária de todo o regime atual, ou de suas manifestações parciais, quer feita de forma acessível a apenas algumas pessoas, ou às grandes massas.
pouco importa. Por agitação, no sentido estrito da palavra (sic), entendemos o apelo dirigido às massas para certos atos concretos, a contribuição para a intervenção revolucionária direta do proletariado na vida social'.”

Nossas felicitações à social-democracia russa - e internacional - que recebe assim, graças a Martynov, uma nova terminologia mais estrita e mais profunda. Até agora, pensávamos (com Pekhânov e todos os dirigentes do movimento operário internacional) que um propagandista, ao tratar por exemplo do problema do desemprego, deve explicar a natureza capitalista das crises, mostrar o que as torna inevitáveis na sociedade moderna, mostrar a necessidade da transformação dessa sociedade em sociedade socialista etc. Em uma palavra, deve fornecer “muitas idéias", um número tão grande de idéias que, de momento, todas essas idéias tomadas em conjunto apenas poderão ser assimiladas por um número (relativamente) restrito de pessoas. Tratando da mesma questão, o agitador tomará o fato mais conhecido de seus ouvintes, e o mais palpitante, por exemplo uma família de desempregados morta de fome, a indigência crescente etc., e apoiando se sobre esse fato conhecido de todos, fará todo o esforço para dar à "massa" uma única idéia": a da contradição absurda entre o aumento da riqueza e o aumento da miséria; esforçar-se-á para suscitar o descontentamento, a indignação da massa contra essa injustiça gritante, deixando ao propagandista o cuidado de dar uma explicação completa dessa contradição. Por isso, o propagandista age principalmente por escrito, e o, agitador de viva voz. Não se exige de um propagandista as mesmas qualidades de um agitador. Diremos que Kautsky e Lafargue, por exemplo, são propagandistas, enquanto Bebel e Guesde são agitadores.
Distinguir um terceiro domínio, ou uma terceira função da atividade prática, função que consistiria em "atrair as massas para certos atos concretos", é o maior dos absurdos, pois o "apelo" sob forma de ato isolado, ou é o complemento natural e inevitável do tratado teórico, do folheto e propaganda,, do discurso de agitação, ou é uma função pura e simples de execução. De fato, tomemos, por exemplo, a luta atual dos sociais-democratas alemães contra os direitos alfandegários sobre os cereais. Os teóricos redigem estudos especiais sobre a política alfandegária, onde "apelam", digamos assim, para se lutar por tratados comerciais e pela liberdade do comércio; o propagandista faz o mesmo em uma revista, e o agitador nos discursos públicos. Os "atos concretos” da massa são, nesse caso, a assinatura de uma petição endereçada ao "Reichstag" contra a majoração dos direitos alfandegários sobre os cereais. O apelo a essa ação emana indiretamente dos teóricos, dos propagandistas e dos agitadores, e diretamente dos operários que passam as listas de petição nas fábricas e domicílios particulares.
Segundo a "terminologia de Martynov", Kautsky e Bebel seriam ambos propagandistas e portadores das listas dos agitadores. Não é isso?
Esse exemplo dos alemães me faz pensar na palavra alemão Verbalhornung, literalmente: “balhornização”. Jean Balhorn foi um editor, que viveu no século XVI, em Leipzig; publicou um abecedário onde, segundo o hábito, figurava entre outros desenhos um galo; mas, o galo era representado sem esporões e com dois ovos ao lado. No frontispício fora acrescentado: "Edição corrigida de Jean Balhorn." Desde essa época, os alemães qualificam de Verbalhornung uma "correção" que, na verdade, é o contrário de uma melhoria. A história de Balhorn me vem à mente de maneira involuntária, quando vejo como os Martynov "aprofundam" Plekhànov...
Por que nosso Lomonossov “imaginou” essa terminologia confusa? Para mostrar que o Iskra, “da mesma maneira que Plekhânov há quinze anos, não considera senão um lado das coisas" (39). “No Iskra, ao menos agora, as tarefas da propaganda relegam a segundo plano as da agitação" (52). Se traduzirmos essa última tese da língua de Martynov para linguagem humana (pois a humanidade ainda não teve tempo de adotar a terminologia que acaba de ser descoberta), chegamos ao seguinte: no Iskra, as tarefas de propaganda e da agitação política relegam para segundo plano a que consiste "em apresentar ao governo reivindicações concretas de medidas legislativas e administrativas", "prometendo resultados tangíveis" (dito de outra forma, reivindicações de reformas sociais, se nos é permitido, ainda uma vez mais, empregar a antiga terminologia da antiga humanidade, que ainda não chegou à altura de Matynov.) Que o leitor compare a essa tese a seguinte passagem

“0 que nos espanta nesses programas” (os programas dos sociais-democratas revolucionários), “é que colocam constantemente em primeiro plano as vantagens da ação dos operários para o Parlamento (inexistente entre nós) e desconhecem totalmente (em decorrência de seu niilismo revolucionário) a importância que teria a participação dos operários nas assembléias legislativas patronais - existentes entre nós - nos assuntos da fábrica... ou mesmo simplesmente sua participação na administração municipal”...

0 autor dessa passagem exprime, de maneira um pouco mais aberta, um pouco mais clara e franca, a mesma idéia a qual chegou Lomonossov-Martynov pela sua própria inteligência. O autor é R. M. do "Suplemento especial da Rabótchaia Mys1” (p. 15).


D) Engels e a imporância da luta teórica
"O dogmatismo, o doutrinarismo", a fossilização do Partido, castigo inevitável do estrangulamento forçado do pensamento", tais são os inimigos contra os quais entram na arena os campeões da "liberdade de crítica" do Rabótcheie Dielo. Apreciamos que esta questão tenha sido colocada na ordem do dia; apenas proporíamos completá-la com esta outra questão:
Mas, quem são os juizes?
Temos diante de nós dois prospectos de edições literárias. O primeiro é o "programa do Rabótcheie Dielo, órgão periódico da 'União dos Sociais-Democratas Russos’” (separata do número 1 do Rab. Dielo). O segundo é o "anúncio da retomada das edições do grupo 'Liberação do Trabalho’”.
Todos os dois são datados de 1899, época em que a "crise do marxismo" estava, há muito, na ordem do dia. Portanto, em vão procuraríamos na primeira obra as indicações sobre esta questão e uma exposição precisa da posição que pensa tomar, a esse respeito, perante o novo órgão. Quanto ao trabalho teórico e suas tarefas essenciais à hora presente, esse programa e seus complementos adotados; pelo Terceiro Congresso da "União"(em 1901) nada mencionam (Dois Congressos, p. 15-18). Durante todo esse tempo, a redação do Rabótcheie Dielo deixou de lado as questões de teoria, apesar de essas preocuparem os sociais-democratas do mundo inteiro.
O outro prospecto, ao contrário, assinala logo de início o descuramento do interesse pela teoria, no decurso desses últimos anos; reclama, insistentemente, “uma atenção vigilante para o aspecto teórico do movimento revolucionário do proletariado”, e exorta a urna “crítica implacável das tendências anti-revolucionárias, bernsteinianas, e outras", em nosso movimento. Os números publicados da Zaria mostram como este programa foi aplicado.
Vê-se assim, portanto, que as grandes frases contra a fossilização do pensamento etc. dissimulam o desinteresse e a impotência para fazer progredir o pensamento teórico. O exemplo dos sociais democratas russos ilustra, de uma forma particularmente notável, esse fenômeno comum à Europa (e de há muito assinalado pelos marxistas alemães), de que a famosa liberdade de crítica não significa a substituição de uma teoria por outra, mas a liberdade com respeito a todo sistema coerente e refletido; significa o ecletismo e a ausência de princípios. Quem conhece, por pouco que seja, a situação de fato de nosso movimento não pode deixar de ver que a grande difusão do marxismo foi acompanhada de certo abaixamento do nível teórico. Muitas pessoas, cujo preparo era ínfimo ou nulo, aderiram ao movimento pelos seus sucessos práticos e importância efetiva. Pode-se julgar a falta de tato demostrada pelo Rabótcheie Dielo, pela definição de Marx, que lançou de forma triunfante: "Cada passo avante, cada progresso real valem mais que uma dúzia de programas". Repetir tais palavras nessa época de dissensão teórica eqüivale a dizer à vista de um cortejo fúnebre: "Tomara que sempre tenham algo para levar!" Além disso, essas palavras são extraídas da carta sobre o programa de Gotha, na qual Marx condena categoricamente o ecletismo no enunciado dos princípios. Se a união é verdadeiramente necessária, escrevia Marx aos dirigentes do partido, façam acordos para realizar os objetivos práticos do movimento, mas não cheguem, ao ponto de fazer comércio dos princípios, nem façam "concessões" teóricas. Tal era o pensamento de Marx, e eis que há entre nós pessoas que, em seu nome, procuram diminuir a importância da teoria!
Sem teoria revolucionária, não há movimento revolucionário. Não seria demasiado insistir sobre essa idéia em uma época, onde o entusiasmo pelas formas mais limitadas da ação prática aparece acompanhado pela propaganda em voga do oportunismo. Para a social-democracia russa em particular, a teoria assume importância ainda maior por três razões esquecidas com muita freqüência, a saber: primeiro, nosso partido apenas começou a se constituir. a elaborar sua fisionomia, e está longe de ter acabado com as outras tendências do pensamento revolucionário que ameaçam desviar o movimento do caminho certo. Ao contrário, assistimos justamente nesses últimos tempos (como Axelrod já há muito havia predito aos "economistas”) ao recrudescimento das tendências revolucionárias não sociais-democratas. Nessas condições, um erro "sem importância" à primeira vista pode acarretar as mais deploráveis conseqüências, e é preciso ser míope para considerar inoportunas ou supérfluas as controvérsias de facção e a estrita delimitação dos matizes. Da consolidação deste ou daquele matiz pode depender o futuro da social-democracia russa por muitos e longos anos.
Segundo, o movimento social-dernocrata é, pela sua própria essência, internacional. Isso não significa somente que devemos combater o chauvinismo nacional. Significa, também que um movimento iniciado em um país jovem só pode ter êxito se assimilar a experiência dos outros países. Ora, para tanto não é suficiente apenas conhecer essa experiência, ou limitar-se a copiar as últimas resoluções. É preciso saber proceder à análise crítica dessa experiência e controlá-la por si próprio. Somente quando se constata o quanto se desenvolveu e se ramificou o movimento operário contemporâneo, pode-se compreender a reserva de forças teóricas e de experiência política (e revolucionária) necessárias para se realizar essa tarefa.
Terceiro, a social-democracia russa tem tarefas nacionais como nenhum outro partido socialista do mundo jamais o teve. Mais adiante, falaremos das obrigações políticas e da organização que nos impõe essa tarefa:
liberar todo um povo do jugo da autocracia. No momento, apenas indicaremos que só um partido guiado por uma teoria de vanguarda é capaz de preencher o papel de combatente de vanguarda E para se fazer uma idéia mais concreta do que isso significa, lembre-se o leitor dos predecessores da social-democracia russa, tais como Herzen, Bielínski, Tchernichévski e a brilhante pleiade de revolucionários de 1870-1880; pense na importância mundial de que a literatura, russa atualmente se reveste; e. mas, basta!
Citaremos as observações, feitas por Engels em 1874, sobre a importância da teoria no movimento social-democrata. Engels; reconhecia na grande luta da social-democracia não apenas duas formas (política e econômica) - como se faz entre nós - mas três, colocando a luta teórica no mesmo plano. Suas recomendações ao movimento operário alemão, já vigorosa prática e politicamente, são tão instrutivas do ponto de vista dos problemas e discussões atuais, que o leitor, esperamo-lo, não se importará que transcrevamos o longo trecho do prefácio ao livro Der deutsche Bauernkrieg, que há muito já se tornou uma raridade bibliográfica:
"Os operários alemães apresentam duas vantagens essenciais sobre os demais operários da Europa. Primeiramente, pertencem, ao povo mais teórico da Europa; além disso, conservaram o senso teórico já quase completamente desaparecido nas classes por assim dizer “cultivadas" da Alemanha. Sem a filosofia alemã que o precedeu, notadamente a de Hegel, o socialismo. alemão - o único socialismo científico que já existiu - não teria sido estabelecido. Sem o sentido teórico dos operários, estes não teriam jamais assimilado esse socialismo científico, como o fizeram.
E o que prova esta imensa vantagem é, de um lado, a indiferença com respeito a toda teoria, uma das causas principais do pouco progresso do movimento operário inglês, apesar da excelente organização dos diferentes ofícios, e, de outro lado, a perturbação e a confusão provocadas pelo proudhonismo, em sua forma inicial, entre os franceses e os belgas, e, na sua forma caricaturada, que lhe deu Bakunin, entre os espanhóis e os italianos.
A segunda vantagem é que os alemães integraram tardiamente o movimento operário, tendo sido quase os últimos. Do mesmo modo que o socialismo alemão jamais se esquecerá de que foi erigido sobre os ombros de Saint-Simon, de Fourier de Owen, três homens que, apesar de toda a fantasia e a utopia de suas doutrinas, encontram-se entre os maiores cérebros de todos os tempos e se anteciparam genialmente a inumeráveis idéias, cuja exatidão presentemente demonstramos de maneira científica, também o movimento operário prático alemão jamais deve esquecer-se que desenvolveu sobre os ombros dos movimentos inglês e francês, que pôde simplesmente beneficiar-se de suas experiências adquiridas penosamente e evitar, no presente, seus erros, então na maioria inevitáveis. Sem o passado dos sindicatos ingleses e das lutas políticas dos franceses, sem o impulso gigantesco dado especialmente pela Comuna de Paris, onde estaríamos nós, hoje?
É preciso reconhecer que os operários alemães souberam aproveitar as vantagens de sua situação, com rara inteligência. Pela primeira vez, desde que existe um movimento operário, a luta é conduzida em suas três direções - teórica, política e econômico-prática (resistência contra os capitalistas) - com tanto método e coesão. É neste ataque concêntrico, por assim dizer, que reside a força invencível do movimento alemão.
De um lado, em ramo de sua posição vantajosa; de outro, em decorrência das particularidades insulares do movimento inglês e da violenta repressão do movimento francês, os operários alemães, no momento, colocam-se na vanguarda da luta proletária. Não é possível prever durante quanto tempo os acontecimentos, lhes permitirão ocupar esse posto de honra.. Mas, enquanto o ocuparem, é de se esperar que cumprirão seu dever, como convém. Para tanto, deverão redobrar os esforços, em todos os domínios da luta e da agitação. Os dirigentes, em particular, deverão instruir-se cada vez mais sobre todas as questões teóricas, libertar-se cada vez mais da influência das frases tradicionais, pertencentes às concepções obsoletas do mundo, e jamais se esquecer que o socialismo, desde que se tornou uma ciência, exige ser tratado, isto é, estudado, como uma ciência. A tarefa consistirá, a seguir, em difundir com zelo cada vez maior entre as classes operárias, as concepções sempre mais claras, assim adquiridas, e em consolidar de forma cada vez mais poderosa a organização do partido e dos sindicatos...
... Se os operários alemães continuarem a agir assim, não digo que marcharão à frente do movimento - não é de interesse do movimento que os operários de uma única nação, em particular, marchem à frente -, mas ocuparão um lugar de honra na linha de combate; e estarão armados e prontos se provas difíceis e inesperadas, ou ainda grandes acontecimentos exigirem deles maior coragem, decisão e ação”.
As palavras de Engels revelaram-se proféticas. Alguns anos mais tarde, os operários alemães foram inesperadamente submetidos à dura provação da lei de exceção contra os socialistas. E os operários alemães encontram-se de fato suficientemente preparados para sair vitoriosos.
O proletariado russo terá de sofrer provas ainda infinitamente mais duras, terá de combater um monstro perto do qual o da lei de exceção, em um país constitucional, parece um pigmeu. A história nos atribui, agora, uma tarefa imediata, a mais revolucionária de todas as tarefas imediatas do proletariado de qualquer país. A realização dessa tarefa, a destruição do baluarte mais poderoso, não somente da reação européia, mas também (podemos agora dize-lo) da reação asiática, fará do proletariado russo a vanguarda do proletariado revolucionário internacional. E temos o direito de esperar que obteremos este título honorário merecido já pelos nossos predecessores, os revolucionários de 1870-1880, se soubermos animar com o mesmo espírito de decisão e a mesma energia irredutível. nosso movimento, mil vezes mais amplo e mais profundo.

C) As revoelações políticas e "a educação para a atividade revolucionária"
Dirigindo contra o Iskra sua "teoria" da "elevação da atividade da massa operária", Martynov revelou, na realidade, sua tendência de rebaixar essa atividade declarando que o meio melhor, de especial importância, "o mais amplamente aplicável- para suscitá-la, e o próprio campo dessa atividade era essa mesma luta econômica diante da qual prostram-se todos os “economistas”. Erro característico, pois está longe de ser unicamente próprio à Martynov. Na realidade, a "elevação da atividade da massa operária" será possível unicamente se não nos limitarmos à "agitação política no terreno econômico”. Ora, uma das condições essenciais para a extensão necessária da agitação política é organizar as revelações políticas em todos os aspectos. Somente essas revelações podem formar a consciência política e suscitar a atividade revolucionária das massas. Por isso essa atividade é uma das funções mais importantes de toda a social-democracia internacional, pois mesmo a liberdade política não elimina absolutamente as revelações; apenas modifica um pouco sua direção.
Assim, o partido alemão, graças à constante energia com que prossegue sua campanha de revelações políticas, fortifica de modo particular suas posições e estende sua influência. A consciência da classe operária não pode ser uma consciência política verdadeira, se os operários não estiverem habituados a reagir contra todo abuso, toda manifestação de arbitrariedade, de opressão e de violência, quaisquer que sejam as classes atingidas; a reagir justamente do ponto de vista social-democrata, e não de qualquer outro ponto de vista. A consciência das massas operárias não pode ser uma consciência de classe verdadeira, se os operários não aprenderem a aproveitar os fatos e os acontecimentos políticos concretos e de grande atualidade, para observar cada uma das outras classes sociais em todas as manifestações de sua vida intelectual, moral e política; se não aprenderem a aplicar praticamente a análise e o critério materialista a todas as formas da atividade e da vida de todas as classes, categorias e grupos de população. Todo aquele que orienta a atenção, o espírito de observação e a consciência da classe operária exclusiva ou preponderantemente para ela própria, não é um social-democrata; pois para conhecer a si própria, de fato, a classe operária deve ter um conhecimento preciso das relações recíprocas de todas as classes da sociedade contemporânea, conhecimento não apenas teórico... ou melhor: não só teórico, como fundamentado na experiência da vida política. Eis porque nossos "economistas", que pregam a luta econômica como o meio mais amplamente aplicável para integrar as massas no movimento político, realizam um trabalho profundamente prejudicial e reacionário em seus resultados práticos. Para tornar-se um social-democrata, o operário deve ter uma idéia clara da natureza econômica, da fisionomia política e social do grande proprietário de terras e do pope, do dignatário, e do camponês, do estudante e do vagabundo, conhecer seus pontos fortes e seus pontos fracos, saber enxergar nas fórmulas correntes e sofismas de toda espécie com que cada classe e cada camada social encobre seus apetites egoístas e sua "natureza" verdadeira; saber distinguir esses ou aqueles interesses que refletem as instituições e as leis, e como as refletem. Ora, não é nos livros que o operário poderá obter essa "idéia clara": ele a encontrará apenas nas amostras vivas, nas revelações ainda recentes do que se passa em um determinado momento à nossa volta, do que todos ou cada um falam ou cochicham entre si, do que se manifesta nesses ou naqueles fatos, números, vereditos, e assim até o infinito. Essas revelações políticas abrangendo todos os aspectos são a condição necessária e fundamental para educar as massas em função de sua atividade revolucionária.
Por que o operário russo ainda manifesta tão pouco sua atividade revolucionária face às violências selvagens exercidas pela polícia contra o povo, face à perseguição das seitas, às "vias de fato- quanto aos camponeses, aos abusos escandalosos da censura, às torturas infligidas aos soldados, à guerra feita às iniciativas mais inofensivas em matéria de cultura, e assim por diante? Será porque a “luta econômica" não o "incita" a isso, porque lhe "promete” poucos “resultados tangíveis”, oferece-lhe poucos resultados "positivos"? Não, repetimos, pretender isso é querer atribuir a outrem suas próprias faltas, é atribuir à massa operária o seu próprio filistinismo (ou bernisteinismo). Até agora, não soubemos organizar campanhas de denúncias suficientemente amplas, ruidosas e rápidas contra todas essas infâmias; a culpa é nossa, de nosso atraso em relação ao movimento de massas. E se o fizermos (devemos e podemos faze-lo), o operário mais atrasado compreenderá ou sentirá que o estudante e o membro de uma seita, o mujique e o escritor estão expostos às injúrias e à arbitrariedade da mesma força tenebrosa que o oprime e pesa sobre ele a cada passo, durante toda sua vida; e, tendo sentido isso, desejará, desejará irresistivelmente e saberá ele próprio reagir; hoje, ele fará "arruaças" contra os censores, amanhã fará manifestações diante da casa do governador, que terá reprimido uma revolta camponesa, depois de amanhã castigará os policiais de sotaina que fazem o trabalho da santa inquisição etc. Até agora fizemos muito pouco, quase nada, para lançar entre as massas operárias revelações sobre todos os aspectos da atualidade. Muitos dentre, nós não têm nem mesmo consciência dessa obrigação que lhes cumpre, e arrastam se cegamente em conseqüência da "obscura luta cotidiana" no estreito quadro da vida da fábrica. Daí dizer - "o Iskra tem tendência a subestimar a importância da marcha progressiva da obscura luta cotidiana, comparada à propaganda das brilhantes idéias acabadas (Martynov, p. 61)" - é arrastar o Partido para trás, é defender e glorificar nossa falta de preparo, nosso atraso.
Quanto ao apelo às massas para a ação, isto será feito por si, desde que haja uma agitação política enérgica, revelações vivas e precisas. Apanhar alguém em flagrante delito e acusá-lo perante todos e em toda parte é mais eficaz do que qualquer apelo, e constitui uma forma de agitação, onde muitas vezes, e impossível estabelecer quem precisamente "atraiu" a multidão e colocou em andamento esse ou aquele plano de manifestação etc. Fazer o apelo, não de forma geral, mas no sentido próprio da palavra, não é possível senão em lugar da ação: não se pode impelir os outros a agir, se não se dá imediatamente o próprio exemplo.
Para nós, publicistas (escritores políticos) sociais-democratas, cabe aprofundar, ampliar e intensificar as revelações políticas e a agitação política.
A propósito dos "apelos". O único órgão que, antes dos acontecimentos da primavera, chamou os operários a intervir ativamente em urna questão que não lhes prometia de modo algum qualquer resultado tangível, como o recrutamento forçado dos estudantes no exército, foi o "Iskra " Imediatamente após a publicação da ordem de 11 de janeiro sobre “o recrutamento forçado de 183 estudantes ao exército”, o Iskra, antes de toda manifestação, publicou um artigo a esse respeito (n.º 2, fevereiro) e apelou abertamente “para operário para vir em auxílio do estudante”, apelou ao "povo" para contestar o insolente desafio do governo. Perguntamos a todos: como e através do que explicar o fato marcante de Martynov, que fala tanto dos "apelos" como uma forma especial de atividade, nada ter dito sobre esse apelo? Depois disso, não será filistinismo da parte de Martynov, declarar que o Iskra é unilateral pela razão exclusiva de não "apelar" suficientemente à luta pelas reivindicações "que prometem resultados tangíveis?"
Nossos "economistas”, aí incluído o Rabótcheie Dielo, tiveram êxito porque dobraram-se à mentalidade dos operários atrasados. Mas o operário social-democrata, o operário revolucionário (o número desses operários aumenta dia a dia) repudiará com indignação todos esses raciocínios sobre a luta pelas reivindicações "que prometem resultados tangíveis" etc., pois compreenderá que não são mais do que variações sobre o velho tema do aumento de um copeque por rublo. Este operário dirá a seus conselheiros da Rabótchaia Mysl e do Rabótcheie Dielo: "Não é justo que os senhores se dêem a tanto ,trabalho e intervenham com tanto zelo em assuntos dos quais nós mesmo nos ocupamos, e deixem de cumprir seus próprios deveres. Não é muito inteligente dizer, como os senhores fazem, que a tarefa dos sociais-democratas é conferir um caráter político à própria luta econômica; isso é apenas o princípio, e não constitui a tarefa essencial dos sociais-democratas, pois no mundo inteiro, e aí também está incluída a Rússia, é a própria polícia que começa a conferir à luta econômica um caráter político; os próprios operários aprendem a compreender para quem é o governo*1. De fato,"a luta econômica dos operários contra os patrões e o governo”, que os senhores louvam como se tivessem descoberto uma nova América, é conduzida em todos os recantos da Rússia pelos próprios operários, que ouviram falar de greves, mas, provavelmente, ignoram tudo sobre o socialismo. Nossa “atividade" de operários, atividade que os senhores obstinam-se a querer apoiar lançando reivindicações concretas, que prometem resultados tangíveis, já existe entre nós; e em nossa ação profissional ordinária, de todos os dias, apresentamos nós próprios essas reivindicações concretas, a maior parte das vezes sem qualquer ajuda dos intelectuais. Mas essa atividade não nos satisfaz; não somos crianças que podem ser alimentadas apenas com a "sopinha” da política "econômica"; queremos saber tudo o que os outros sabem, queremos conhecer em detalhe todos os aspectos da vida política e participar ativamente de cada acontecimento político. Para isso, é necessário que os intelectuais nos repitam um pouco menos do que já sabemos*2, e que nos dêem um pouco mais do que ainda ignoramos, daquilo que nossa experiência "econômica", na fábrica, jamais nos ensinará: os conhecimentos políticos. Esses conhecimentos apenas os senhores, intelectuais, podem adquirir, é seu dever fornecer-nos tais conhecimentos em quantidades cem, mil vezes maior do que o fizeram até agora, e não apenas sob a forma de raciocínios, folhetos e artigos (os quais freqüentemente costumam ser - perdoem a franqueza! - maçantes), mas - e isto é imperioso - sob a forma de revelações vivas sobre o que fazem nosso governo e nossas classes dominantes exatamente no momento atual, em todos os aspectos da vida. Portanto, ocupem-se um pouco mais ciosamente da tarefa que lhes; pertence, e fazem menos “de elevar a atividade da massa operária”. Da atividade, sabemos muito mais do que os senhores pensam, e sabemos mantê-la através de uma luta aberta, dos combates de rua, e até através das reivindicações que não deixam entrever nenhum “resultado tangível"! E não lhes compete "elevar- nossa atividade, pois, é exatamente atividade que lhes falta. Não se inclinem tanto diante da espontaneidade, e pensem um pouco mais em elevar sua própria atividade, Senhores!"
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*1 Exigir que se "confira à própria luta econômica um caráter político é uma atitude que traduz da forma mais surpreendente o culto da espontaneidade no domínio da atividade política. Muito freqüentemente. a luta econômica reveste-se de um caráter político de forma espontânea, isto é, sem a intervenção desse "bacilo revolucionário que são os intelectuais”. Sem a intervenção dos sociais-democratas conscientes. Assim, a luta econômica dos operários na Inglaterra revestiu-se, também, de um caráter político sem a menor participação dos socialistas. Mas, a tarefa dos sociais-democratas não se limita à agitação política no terreno econômico: sua tarefa é transformar essa política sindical em uma luta política social-democrata, aproveitar os vislumbres de consciência política que a luta econômica fez penetrar no espírito dos operários para elevar esses últimos à consciência política social-democrata. Ora, em lugar de elevar e de fazer progredir a consciência política que desperta espontaneamente, os Martynov prostram-se diante da espontaneidade e repetem, repetem freqüentemente até enjoarem, que a luta econômica "incita” os operários a pensar que estão frustrados em seus direitos políticos. É lamentável que esse despertar espontâneo da consciência política sindical “não incite” os Senhores a pensar em suas tarefas de sociais-democratas!
*2 Para mostrar que todo esse discurso dos operários aos “economistas” não é pura invenção de nossa parte, referimo-nos a duas testemunhas que conhecem plenamente o movimento operário, e são os menos inclinados a mostrar parcialidade por nós, "dogmáticos", uma vez que urna das testemunhas é um "economista” (que considera até o Rabótcheie Dielo como um órgão político!); o outro é um terrorista. O primeiro é o autor de um artigo notável, cheio de vida e de verdade: “O Movimento Operário de São Petersburgo e as Tarefas Práticas da Social-Democracia” (Rabótcheie Dielo, n.º 6). Divide os operários em: 1º) revolucionários conscientes: 2º) categoria intermediária, e 3º) o resto, a massa. Ora, a categoria intermediária “interessa-se freqüentemente mais por questões da vida política do que por seus interesses econômicos diretos, cuja ligação com as condições sociais gerais já foi compreendida há muito”... A Rabótchaia Mysl é “asperamente criticada”: “sempre' a mesma coisa, há muito tempo que o sabemos, e há muito tempo que o lemos”; "na seção política, nunca há nada” (p. 30-31). A própria terceira categoria: “a classe operária mais sensível, mais jovem, menos pervertida pela taverna e pela igreja, que quase nunca tem a possibilidade de encontrar uma obra política, fala a torto e a direito das manifestações da vida política, medita sobre as informações fragmentadas que lhe chegam sobre os motins dos estudantes” etc. Por sua vez o terrorista escreve: “... lêem uma ou duas vezes alguns fatos miúdos da vida das fábricas em cidades que não conhecem, depois param aí... isto é tratar o operário como criança... O operário não é uma criança." (Svoboda órgão do grupo revolucionário- socialista, p. 69 e 70).


D) 0 que há de comim entre o "economismo" e o terrorismo
Confrontamos anteriormente, em uma nota, um "economista" e um não social-democrata terrorista que, por acaso, fossem solidários. Mas, de forma geral, existe entre eles uma ligação interna, não acidental, mas necessária, a respeito da qual voltaremos exatamente a propósito da educação da atividade revolucionária. Os "economistas" e terroristas de hoje possuem uma raiz comum, a saber, esse culto da espontaneidade de que falamos no capítulo anterior, como de um fenômeno geral, e que iremos agora examinar em relação à sua influência sobre a ação e a luta políticas. À primeira vista, nossa afirmação pode parecer paradoxal, tão grande parece a diferença entre os que colocam em primeiro plano “a obscura luta cotidiana”, e os que induzem o indivíduo isolado a lutar com a maior abnegação. Mas tal ponto não constitui um paradoxo.
"Economistas" e terroristas inclinam-se perante os dois pólos opostos e da tendência espontânea: os "economistas”, diante da espontaneidade do "movimento operário puro”; os terroristas, diante da espontaneidade da mais ardente indignação dos intelectuais que não sabem ou não podem conjugar o trabalho revolucionário e o movimento operário. De fato, é difícil para os que perderam a fé nessa possibilidade, ou que nela jamais acreditaram, encontrar outra saída para sua indignação e energia revolucionária, que não o terrorismo. Assim, pois, nessas duas tendências o culto da espontaneidade é apenas o começo da realização do famoso programa do Credo: os operários conduzem sua "luta econômica contra os patrões e o governo” (que o autor do Credo nos, perdoe exprimir seu pensamento na língua de Martynov! Julgamo-nos no direito de fazê-lo, uma vez que no Credo também se fala que na luta econômica os operários "entram em choque com o regime político"), e os intelectuais conduzem a luta política através de suas próprias forças, naturalmente por intermédio do terror! Dedução absolutamente lógica e inevitável sobre a qual não será demais insistir, mesmo quando aqueles que começam a realizar esse programa não compreendem o caráter inevitável dessa conclusão. A atividade política tem sua lógica, independente da consciência daqueles que, com as melhores intenções do mundo, ou apelam ao terror, ou pedem que se confira à própria luta econômica um caráter político. O inferno está cheio de gente de boas intenções e, nesse caso, as boas intenções não impedem que as pessoas se deixem seduzir pela linha do mínimo esforço", pela linha do programa puramente burguês do Credo. De fato, não é por acaso que muitos liberais russos - liberais declarados, ou liberais que trazem a máscara do marxismo - simpatizam de todo o coração com o terrorismo e esforçam-se, no momento atual, para apoiar o crescimento da mentalidade terrorista.
O aparecimento do "Grupo Revolucionário-Socialista Svoboda", que se atribui a tarefa de ajudar, através de todos os meios, o movimento operário, mas que inscreveu em seu programa o terrorismo e, por assim dizer, emancipou-se da social-democracia, confirmou uma vez mais a notável clarividência de P. Axelro que, já no final de 1897, previra com toda a exatidão esse resultado das flutuações da social-democracia (“A propósito dos objetivos atuais e da tática"), e esboçou suas célebres "Duas Perspectivas”. Todas as discussões e divergências ulteriores entre os sociais-democratas russos estão contidas, como a planta na semente, nessas duas perspectivas*1.
A partir daí concebe-se que o Rabótcheie Dielo não tenha resistido à espontaneidade do "economismo”, nem tenha podido resistir à espontaneidade do terrorismo. É interessante notar a argumentação original com que a Svoboda apóia o terrorismo. Nega completamente o papel de intimidação do terror (Renascimento do Revolucionismo, p. 64); mas por outro lado valoriza seu "caráter excitativo”. Isto é característico, em primeiro lugar, como uma das fases da desagregação e da decadência desse círculo tradicional de idéias (pré-social-democrata) que fazia com que se mantivesse a ligação com o terrorismo. Admitir que agora é impossível "intimidar" e, por conseguinte, desorganizar o governo através do terrorismo, significa, no fundo, condenar completamente o terrorismo como método de luta, como esfera de atividade consagrada por um programa. Em segundo lugar, o que ainda é mais característico, como exemplo de incompreensão de nossas tarefas prementes no que diz respeito a "educação da atividade revolucionária das massas". A Svoboda prega o terrorismo como meio de "excitar" o movimento operário, de imprimir-lhe impulso vigoroso. Seria difícil imaginar uma argumentação que se refutasse a si própria com mais evidência! Pergunta-se: haveria, portanto, tão poucos fatos escandalosos na vida russa para ser preciso inventar meios especiais de "excitação"? Por outro lado, é evidente que aqueles que não se excitam, nem são excitáveis mesmo pela arbitrariedade russa, observarão da mesma forma, "cruzando os braços", o duelo do governo com um punhado de terroristas. Ora, exatamente as massas operárias estão bastante excitadas pelas infâmias da vida russa, mas não sabemos recolher, se é possível falar assim, e concentrar todas as gotas e os pequenos córregos da efervescência popular, que a vida russa verte em quantidade infinitamente maior do que imaginamos ou acreditamos, e que é preciso reunir em uma única torrente gigantesca. Que isso é realizável, prova-o incontestavelmente o impulso prodigioso do movimento operário e a sede, já assinalada anteriormente, que os operários manifestam pela literatura política. Por isso, os apelos ao terrorismo, bem corno., os apelos para conferir à própria luta econômica um caráter político, são apenas pretextos diferentes para se fugir ao dever mais imperioso dos revolucionários russos: organizar a agitação política sob todas as suas formas. A Svoboda quer substituir a agitação pelo terrorismo, reconhecendo abertamente que "desde que uma agitação enérgica e intensa atraia as massas, o papel excitativo do terror terá fim" (p. 68 do Renascimento do Revolucionismo). Isto mostra precisamente que terroristas e "economistas" subestimam a atividade revolucionária das massas, a despeito do testemunho evidente dos acontecimentos da primavera*2. Uns lançam-se à procura de "excitantes" artificiais, outros falam de “reivindicações concretas". Tanto uns como outros não prestam atenção suficiente ao desenvolvimento de sua própria atividade em matéria de agitação política e de organização de revelações políticas. E não há nada que possa substituir isso, nem agora, nem em qualquer outro momento. 
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*1 Martynov “apresenta um outro dilema, mais real (?)" (A Social-Democracia e a Classe Operária, p. 19): “Ou a social-democracia assume a direção imediata da luta e econômica do proletariado e a transforma. assim, em luta revolucionária de classe..." "Assim" quer dizer, provavelmente, através da direção imediata da luta econômica. Martynov que mostre onde viu ser possível transformar o movimento sindical em movimento revolucionário de classe, unicamente através do fato de se dirigir a luta sindical. Será que não compreende que, para realizar essa “transformação”, devemos colocar-nos ativamente na “direção imediata” da agitação política sob todas as suas formas?....”Ou então essa outra perspectiva - a social-democracia - abandona a direção da luta econômica dos operários e, por isso, apara as asas, “Segundo a opinião, acima citada, do Rabótcheie Dielo, é o Iskra quem “abandona essa direção”. Mas, como vimos, o Iskra faz muito mais do que o “Rabótcheie Dielo” para dirigir a luta econômica, com a qual, aliás, não se contenta, e em cujo nome não restringe suas tarefas políticas.
*2 A primavera de 1901 foi marcada por grandes manifestações de rua.

e) A classe operária como combatente de vanguarda pela democracia

Vimos que a agitação política mais ampla e, por conseguinte, a organização de grandes campanhas de denúncias políticas constituem uma tarefa absolutamente necessária, a tarefa mais imperiosamente necessária à atividade, se esta atividade for verdadeiramente social-democrata. Mas, chegamos a . essa conclusão partindo unicamente da necessidade mais premente da classe operária, necessidade de conhecimentos políticos e de educação política. Ora, essa forma de colocar a questão, em si mesma, seria demasiado restrita, pois desconheceria as tarefas democráticas de toda a social-democracia em geral, e da social-democracia russa atual, em particular. Para esclarecer essa tese, da maneira mais concreta possível, tentaremos abordar a questão do ponto de vista mais “familiar” aos "economistas”, do ponto de vista prático. “Todo o mundo está de acordo” que é preciso desenvolver a consciência política da classe operária. A questão é saber como faze-lo e o que é preciso para isso. A luta econômica "incita" os operários “a pensar" unicamente na atitude do governo em relação à classe operária, por isso, quaisquer que sejam os esforços que façamos para "conferir à própria luta econômica um caráter político”, jamais poderemos, dentro desse objetivo, desenvolver a consciência política dos operários (até o nível da consciência política social-democrata), pois, os próprios limites desse objetivo são demasiado estreitos. A fórmula de Martynov nos é preciosa, não como ilustração do talento confuso de seu autor, mas porque traduz de forma relevante o erro capital de todos os “economistas”, a saber a convicção de que se pode desenvolver a consciência política de classe dos operários, por assim dizer, a partir do interior de sua luta econômica, isto é, partindo unicamente (ou, ao menos, principalmente) dessa luta, baseando-se unicamente (ou, ao menos, principalmente) nessa luta. Essa perspectiva é radicalmente falsa, justamente porque os "economistas”, extenuados por nossa polêmica contra eles, não querem refletir seriamente sobre a origem de nossas divergências, e sobre o que resultou disso: literalmente não nos compreendemos, e falamos línguas diferentes.
A consciência política de classe não pode ser levada ao operário senão do exterior, isto é, do exterior da luta econômica, do exterior da esfera das relações entre operários e patrões. 0 único domínio onde se poderá extrair esses conhecimentos é o das relações de todas as classes e categorias da população com o Estado e o governo, o domínio das relações de todas as classes entre si. Por isso, à questão: que fazer para levar aos operários os conhecimentos políticos? - não se poderia simplesmente dar a resposta com a qual se contentam, na maioria dos casos, os práticos, sem falar daqueles dentre eles que se inclinam para o “economismo”, a saber: "ir até os operários”. Para levar aos operários os conhecimentos políticos, os sociais-democratas devem ir a todas as classes da população, devem enviar em todas as direções os destacamentos de seu exército.
Se escolhemos essa fórmula rude, se nossa linguagem é cortante, deliberadamente simplificada, não é absolutamente pelo prazer de enunciar paradoxos, mas para "incitar" os “economistas" a pensar nas tarefas que desdenham de maneira tão imperdoável, na diferença existente na política sindical e na política social-democrata, que não querem compreender. Por isso, pedimos ao leitor não se impacientar e seguir-nos atentamente até o fim.
Consideremos o tipo de círculo social-democrata mais difundido nesses últimos anos e vejamos sua atividade. Tem “contatos com os operários” e se atém a isso, editando "folhas volantes" onde condena os abusos nas fábricas, o partido que o governo toma em favor dos capitalistas e violências da polícia. Nas reuniões com, os operários, é sobre tais assuntos que se desenrola ordinariamente a conversa, sem quase sair disso; as conferências e debates sobre a história do movimento revolucionário, sobre a política interna e externa de nosso governo, sobre a evolução econômica da Rússia e da Europa, sobre a situação dessas ou daquelas classes na sociedade contemporânea etc., constituem exceções extremas, e ninguém pensa em estabelecer e desenvolver sistematicamente relações no seio das outras classes da sociedade. Para dizer a verdade, o ideal do militante, para os membros de tal círculo, aproxima-se na maioria dos casos muito mais ao do secretário de sindicato do que do dirigente político socialista. De fato, o secretário de um sindicato inglês, por exemplo, ajuda constantemente os operários a conduzir a luta econômica, organiza revelações sobre a vida de fábrica, explica a injustiça das leis e disposições que entravam a liberdade de greve, a liberdade dos piquetes (para prevenir a todos que há greve em uma determinada fábrica); mostra o partido tomado pelos árbitros que pertencem às classes burguesas etc. etc. Em uma palavra, todo secretário de sindicato conduz e ajuda a conduzir a “luta econômica contra os patrões e o governo”. E não seria demais insistir que isto ainda não é "social-democratismo”; que o social-democrata não deve ter por ideal o secretário do sindicato, mas o tribuno popular, que sabe reagir contra toda manifestação de arbitrariedade e de opressão, onde quer que se produza, qualquer que seja a classe ou camada social atingida, que sabe generalizar todos os fatos para compor um quadro completo da violência policial e da exploração capitalista, que sabe aproveitar a menor ocasião para expor diante de todos suas convicções socialistas e suas reivindicações democratas, para explicar a todos e a cada um o alcance histórico da luta emancipadora do proletariado. Comparemos, por exemplo, os militantes como Robert Knight (o secretário e líder bem conhecido da "União dos Caldereiros", um dos sindicatos mais poderosos da Inglaterra) e Wilhelm Liebknecht, e tentemos aplicar-lhes as teses opostas às quais Martynov reduz suas divergências com o Iskra. Veremos - começo a folhear o artigo de Martynov - que R. Knight "conclamou" muito mais “as massas a determinadas ações concretas, e que W. Liebknecht ocupou-se principalmente” em apresentar como revolucionário todo regime atual ou suas manifestações parciais" (38-39); que R. Knight "formulou as reivindicações imediatas do proletariado e indicou os meios de atingi-las” (41), e que W. Liebknecht, ocupando-se igualmente dessa tarefa, não se recusou a "dirigir ao mesmo tempo a ação das diferentes camadas e a oposição", a "ditar-lhes um programa de ação positiva*1” (41), que R. Knight dedicou-se precisamente a "conferir, tanto quanto possível, à própria luta econômica um caráter político”, (42) e soube perfeitamente “colocar ao governo reivindicações concretas fazendo entrever resultados tangíveis" (43), enquanto W. Liebknecht se ocupou muito mais de revelações" "em um sentido único- (40); que R. Knight deu muito mais importância "à marcha progressiva da obscura luta cotidiana” (61), e W. Liebknecht à "propaganda de idéias brilhantes e acabadas” (61); que W. Liebknecht fez do jornal que dirigia exatamente "o órgão da oposição revolucionária que denuncia nosso regime, e principalmente o regime político. aquele que vai de encontro aos interesses das diversas camadas da população” (63), enquanto R. Knight "trabalhou pela causa operária em estreita ligação orgânica com a luta proletária” (63) - se entendermos a "estreita ligação orgânica” no sentido do culto da espontaneidade que estudamos anteriormente a propósito de Kritchévski e de Martynov, - e "restringiu a esfera de sua influência” naturalmente persuadido, como Martynov, que "acentuava essa influência através disso mesmo(63). Em uma palavra, veremos que, de fato, Martynov rebaixa a social-democracia ao nível do sindicalismo.
certamente não por deixar de querer o bem da social-democracia. mas, simplesmente, porque se apressou um pouco demais em aprofundar Plekhânov. em lugar de se dar ao trabalho de compreendê-lo.
Mas voltemos a nossa exposição. Como dissemos, se o social-democrata é adepto do desenvolvimento integral da consciência política do proletário, não só em palavras, deve "ir a todas as classes da população". A questão que se coloca é: como fazer? temos forças suficientes para isso? existe um campo para tal trabalho em todas as outras classes? isto não será ou não levará a um retrocesso do ponto de vista de classe?
Vamos nos deter nessas questões.
Devemos "ir a todas as classes da população” como teóricos, como propagandistas, como agitadores e como organizadores. Ninguém duvida que o trabalho teórico dos sociais-democratas deva orientar-se para o estudo de todas as particularidades da situação social e política das diferentes classes. Mas, a esse respeito muito pouco fazemos, muito pouco em comparação ao estudo das particularidades da vida na fábrica. Nos comitês e nos círculos, encontramos pessoas que se especializam até no estudo de um ramo da produção siderúrgica, mas não encontramos quase exemplos de membros de organizações que (obrigados, como ocorre freqüentemente, a deixara ação prática por alguma razão) se ocuparam especialmente em coletar documentos sobre uma questão de atualidade em nossa vida social e política, podendo fornecer à social-democracia a ocasião de trabalhar nas outras categorias da população. Quando se fala da precária preparação da maioria dos dirigentes atuais do movimento operário, não é possível deixar de lembrar, igualmente, a preparação nesse sentido, pois também ela é devida à compreensão "economista" da "estreita ligação orgânica com a luta proletária”. Mas o principal, evidentemente, é a propaganda e a agitação em todas as camadas do povo. Para o social-democrata do Ocidente, essa tarefa é facilitada pelas reuniões e assembléias populares assistidas por todos aqueles que o desejam, pela existência do Parlamento, onde fala diante dos deputados de todas as classes. Não temos Parlamento, nem liberdade de reunião, mas, contudo, sabemos organizar reuniões com os operários que desejam ouvir um social-democrata. Pois não é social-democrata aquele que, na prática, esquece que os "comunistas apoiam todo movimento revolucionário", que, por conseguinte, temos o dever de expor e de assinalar as tarefas democráticas gerais diante de todo o povo, sem dissimular um instante sequer nossas convicções socialistas.
Não é social-democrata aquele que, na prática, esquece que seu dever é ser o primeiro a colocar, despertar e resolver toda questão democrática de ordem geral.
"Mas todos, sem exceção, estão de acordo com isso!", interromperá o leitor impaciente - e a nova instrução à redação do Rabótcheie Dielo, adotada no último congresso da União, declara claramente: "Devem ser utilizados para a propaganda e a agitação política todos os fenômenos e acontecimentos da vida social e política que afetam o proletariado, seja diretamente como classe à parte, seja como vanguarda de todas as forças revolucionárias em luta pela liberdade " (Dois Congressos, p. 17, grifado por nós). De fato, estas são palavras notáveis e precisas, e dar-nos-íamos por inteiramente satisfeitos se o "Rabótcheie Dielo” as compreendesse, e não colocasse, ao mesmo tempo, outras que as contradizem. Pois, não basta dizer-se "vanguarda", destacamento avançado, - é preciso proceder de forma que todos os outros destacamentos se dêem conta e sejam obrigados a reconhecer que marchamos à frente. Portanto, perguntamos ao leitor: os representantes dos outros "destacamentos- seriam, pois, imbecis a ponto de acreditar que somos "vanguarda- só porque o dizemos? Imaginem apenas este quadro concreto: um social-democrata apresenta-se no "destacamento" dos radicais russos ou dos constitucionalistas liberais, e diz: Somos a vanguarda; “agora uma tarefa nos é colocada: como conferir, tanto quanto possível, à própria luta econômica um caráter político". Um radical ou um constitucionalista, por pouco inteligente que seja (e há muitos homens inteligentes entre os radicais e os constitucionalistas russos), apenas sorrirá ao ouvir isso, e dirá (para si, bem entendido, pois na maioria dos casos é um diplomata experimentado): "essa vanguarda é muito ingênua"! Não compreende sequer que isso é tarefa nossa - a tarefa dos representantes avançados da democracia burguesa - conferir à própria luta econômica um caráter político. Porque também nós, como todos os burgueses do Ocidente, desejamos integrar os operários à política, mas apenas à política sindical, e não social-democrata. A política sindical da classe operária é precisamente a política burguesa da classe operária. E essa “vanguarda”, formulando sua tarefa, formula precisamente uma política sindical! Também, que se digam sociais-democratas tantas vezes quantas quiserem. Não sou uma criança para me importar com rótulos! Mas, que não se deixem levar por esse dogmáticos ortodoxos nocivos; que deixem "a liberdade de crítica- para aqueles que arrastam inconscientemente a social-democracia na esteira do sindicalismo!
O ligeiro sorriso de ironia de nosso constitucionalista muda-se em gargalhada homérica, quando percebe que os sociais-dernocratas que falam de vanguarda da social-democracia, nesse período de dominação quase completa da espontaneidade em nosso movimento, temem acima de tudo ver "minimizar o elemento espontâneo”, ver “diminuir o papel da marcha progressiva dessa obscura luta cotidiana em relação à propaganda das brilhantes idéias acabadas" etc. etc.! O destacamento "avançado”: que teme ver a consciência ganhar da espontaneidade, que teme formular um “plano” ousado que force o reconhecimento geral, mesmo entre os que pensam diferentemente! Será que confundem, por acaso, a palavra vanguarda com a palavra retaguarda?
Examinem com atenção o seguinte raciocínio de Martynov. Declara ele (40) que a tática acusadora do Iskra é unilateral; que "qualquer que seja a espécie de desconfiança e de ódio que semearmos contra o governo, não alcançaremos nosso objetivo enquanto não desenvolvermos uma energia social, suficientemente ativa para sua derrubada”. Eis, diga-se entre parênteses, a preocupação - que já conhecemos - de intensificar a atividade das massas e de querer restringir a sua própria. Mas, agora não é esta a questão. Martynov fala aqui de energia revolucionária ("para a derrubada"). Porém, a que conclusão chega? Como em tempos normais, as diferentes camadas sociais atuam inevitavelmente cada uma em seu lado, "é claro, por conseguinte, que nós, sociais-democratas, não podemos simultaneamente dirigir a atividade intensa das diversas camadas da oposição, não podemos ditar-lhes um programa de ação positiva, não podemos indicar-lhes os meios de lutar, dia após dia, por seus interesses... As camadas liberais ocupar-se-ão, elas próprias, dessa luta ativa por seus interesses imediatos, o que as colocará face a face com nosso regime político” (41). Assim, portanto, após ter falado de energia revolucionária, de luta ativa para a derrubada da autocracia, Martynov desvia-se logo para a energia profissional, para a luta ativa pelos interesses imediatos! Disso se conclui que não podemos dirigir a luta dos estudantes, dos liberais etc., pelos seus "interesses imediatos”; mas não era disso que se tratava, respeitável “economista"! Tratava-se da participação possível e necessária das diferentes camadas sociais na derrubada da autocracia; ora, não apenas podemos, mas devemos dirigir, de qualquer forma, essa “atividade intensa das diferentes camadas da oposição” se quisermos ser a “vanguarda". Quanto a colocar nossos estudantes, nossos liberais etc., "face a face com nosso regime político”, não serão os únicos a se preocuparem com isso, pois disso encarregar-se-ão sobretudo a polícia e os funcionários da autocracia. Mas, "nós", se quisermos ser democratas avançados, devemos ter a preocupação de incitar a pensar exatamente aqueles que só estão descontentes com o regime universitário, ou apenas com o regime dos zemstvos etc., a pensar que todo o regime político nada vale. Nós devemos assumir a organização de uma ampla luta política sob a direção de nosso partido, a fim de que todas as camadas da oposição, quaisquer que sejam, possam prestar e prestem efetivamente a essa luta, assim como a nosso partido, a ajuda de que são capazes. Dos práticos sociais-democratas, nós devemos formar os dirigentes políticos que saibam dirigir todas as manifestações dessa luta nos mais variados aspectos, que saibam no momento necessário "ditar um programa de ação positiva- aos estudantes em agitação, aos zemstvos descontentes, aos membros de seitas indignados, aos professores lesados etc. etc. Por isso, Martynov está completamente errado quando afirma que "em relação a eles, não podemos desempenhar senão um papel negativo de denunciadores do regime... Não podemos senão dissipar suas esperanças nas diferentes comissões governamentais”. (o grifo é nosso). Dizendo isso, Martynov mostra que não compreende nada sobre o verdadeiro papel da “vanguarda" revolucionária. E se o leitor tornar isso em consideração, compreenderá o verdadeiro sentido da seguinte conclusão de Martynov:
"O Iskra é o órgão da oposição revolucionária, que denuncia nosso regime, e principalmente nosso regime político, quando vai de encontro aos interesses das diferentes camadas da população. Quanto a nós, trabalhamos e trabalharemos pela causa operária em estreita ligação orgânica corri a luta , proletária. Restringindo a esfera de nossa influência, acentuamos esta influência em si mesma" (63). 0 verdadeiro sentido dessa conclusão é: o Iskra deseja elevar a política sindical da classe operária (política à qual, entre nós, por mal-entendido, despreparo ou convicção, freqüentemente se limitam nossos práticos) ao nível da política social-democrata. Ora, o Rabótcheie Dielo deseja abaixar a política social-democrata ao nível da política sindical. E ainda garante que são "posições perfeitamente compatíveis com a obra comum" (63), O sancta símplicitas!
Prossigamos. Ternos forças suficientes para levar nossa propaganda e nossa agitação a todas as classes da população? Certamente que sim. Nossos "economistas", que freqüentemente se inclinam a negá-lo, esquecem-se do gigantesco progresso realizado pelo nosso movimento de 1804 (mais ou menos) a 1901. Verdadeiros “seguidistas”, vivem freqüentemente com idéias do período do começo de nosso movimento, há muito já terminado. De fato, éramos espantosamente fracos, nossa resolução de nos dedicarmos inteiramente ao trabalho entre os operários e de condenar severamente todo o desvio dessa linha era natural e legítima, pois tratava-se então unicamente de nos consolidarmos na classe operária. Agora, urna prodigiosa massa de forças está incorporada ao movimento; vemos chegar até nós os melhores representantes da jovem geração das classes instruídas; por toda a parte, são obrigadas a residir nas províncias pessoas que já participam ou querem participar do movimento, e que tendem para a social-democracia (enquanto que, em 1894, podia-se contar nos dedos os sociais-democratas russos). Um dos mais graves defeitos de nosso movimento - em política e em matéria de organização - é que não sabemos empregar todas essas forças, atribuir-lhes o trabalho que lhes convém (voltaremos a isto no capítulo seguinte).
A imensa maioria dessas forças encontra-se na impossibilidade absoluta “de ir até os operários”, por isso não se coloca a questão do perigo de desviar as forças de nosso movimento essencial. E para fornecer aos operários uma verdadeira iniciação política, múltipla e prática, é preciso que tenhamos “nossos homens de nosso lado”, sociais-democratas, sempre e em toda a parte, em todas as camadas sociais. em todas as posições que permitam conhecer as forças internas do mecanismo de nosso Estado. E precisamos desses homens, não apenas para a propaganda e a agitação. mas, ainda e sobretudo, para a organização.
Existe um campo para a ação em todas as classes da população? Os que não vêem isso, mostram que sua consciência está em atraso quanto ao impulso espontâneo das massas. Entre uns, o movimento operário suscitou e continua a suscitar o descontentamento; entre outros, desperta a esperança quanto ao apoio da oposição; para outros, enfim, dá a consciência da impossibilidade do regime autocrático, de sua falência evidente. Não seríamos "políticos" e sociais-democratas senão em palavras (como, na realidade, acontece freqüentemente), se não compreendêssemos que nossa tarefa é utilizar todas as manifestações de descontentamento, quaisquer que sejam, de reunir e elaborar até os menores elementos de um protesto, por embrionários que seja. Sem contar que milhões e milhões de camponeses, trabalhadores, pequenos artesãos etc., escutaram sempre avidamente a propaganda de um social-democrata, ainda que pouco hábil. Mas, existirá uma só classe da população onde não haja homens, círculos e grupos descontentes com o jugo e a arbitrariedade, e portanto acessíveis à propaganda do social-democrata, intérprete das mais prementes aspirações democráticas? Para quem quiser ter uma idéia concreta dessa agitação política do social-democrata em todas as classes e categorias da população, indicaremos as revelações políticas, no sentido amplo da palavra, como principal meio dessa agitação (porém não o único, bem entendido).
"Devemos” - escrevia em meu artigo ‘Por Onde Começar?' (Iskra, nº4, maio de 1901) de que falaremos mais adiante em detalhe - "despertar em todos os elementos um pouco conscientes da população, a paixão pelas revelações políticas. Não nos inquietemos se, na política, as vozes acusadoras são ainda tão débeis. tão raras, tão tímidas. A causa não consiste, de modo algum, em uma resignação geral à arbitrariedade policial. A causa é que os homens capazes de acusar e dispostos a faze-lo não têm uma tribuna do alto da qual possam falar. não têm um auditório que escute avidamente, encorajando os oradores, e não vêem em parte alguma do povo uma força para a qual valha a pena dirigir suas queixas contra o governo "todo-poderoso” ... Temos hoje os meios e o dever de oferecer a todo o povo uma tribuna para denunciar o governo tzarista: essa tribuna deve ser um jornal social-democrata”.
Esse auditório ideal para as revelações políticas é precisamente a classe operária, que tem necessidade, antes e sobretudo, de conhecimentos políticos amplos e vivos, e que é a mais capaz de aproveitar esses conhecimentos para empreender uma luta ativa, mesmo que não prometa qualquer “resultado tangível”. Ora, a tribuna para essas revelações diante de todo o povo, só, pode ser um jornal para toda a Rússia. “Sem um órgão político, não seria possível conceber na Europa atual um movimento merecendo o nome de movimento político". E a Rússia, inegavelmente, também está incluída na Europa atual, em relação a esse fato. Desde há muito a imprensa tornou-se uma força entre nós; se não o governo não dispenderia dezenas de milhares de rublos para comprar e subvencionar todas as espécies de Katkov e de Mechtcherski. E não é novo o fato de, na Rússia autocrática, a imprensa ilegal romper as barreiras da censura e obrigar os órgãos legais e conservadores a falar dela abertamente. Assim aconteceu entre 1870 e 1880, e mesmo entre 1850 e 1880. Ora, hoje são mais amplas e profundas as camadas populares que poderiam ler, voluntariamente, a imprensa ilegal para aí aprender “a viver e a morrer", para empregar a expressão de um operário, autor de uma carta endereçada ao Iskra (nº7). As revelações políticas constituem uma declaração de guerra ao governo, da mesma forma que as revelações econômicas constituem uma declaração de guerra aos fabricantes. E essa declaração de guerra tem um significado moral tanto maior quanto mais vasta e vigorosa for a campanha de denúncias, quanto mais decidida e numerosa for a classe social que declara a guerra para começar a guerra. Por isso, as revelações políticas constituem, por si próprias, um meio poderoso para desagregar o regime contrário, separar o inimigo de seus aliados fortuitos ou temporários, semear a hostilidade e a desconfiança entre os participantes permanentes do poder autocrático.
Apenas o partido que organize verdadeiramente as revelações visando o povo inteiro poderá tornar-se, em nosso dias, a vanguarda das forças revolucionárias. Ora, tais palavras - "visando o povo inteiro” - têm um conteúdo muito amplo. A imensa maioria dos reveladores, que não pertencem à classe operária (pois para ser vanguarda é preciso justamente integrar outras classes), são políticos lúcidos e homens de sangue-frio e senso prático. Sabem perfeitamente como é perigoso "queixar-se" mesmo de um pequeno funcionário, quanto mais do "onipotente” governo russo. E não nos dirigirão suas queixas, a não ser quando virem que realmente estas podem ter efeito, e que nós somos uma força política. Para que nos tornemos aos olhos do público uma força política não basta colar o rótulo “vanguarda” sobre uma teoria e uma prática de “retaguarda” :é preciso trabalhar muito e com firmeza para elevar nossa consciência, nosso espírito de iniciativa e nossa energia.
Porém, o partidário cioso da "estreita ligação orgânica com a luta proletária” nos perguntará, e já nos pergunta: se nos devemos encarregar de organizar contra o governo as revelações que verdadeiramente visam o povo inteiro, em que, pois, manifestar-se-á o caráter de classe de nosso movimento? - Ora, justamente no fato de que a organização dessas revelações constituirá nossa obra, de sociais-democratas; de que todos os problemas levantados pelo trabalho de agitação serão esclarecidos dentro de um espírito social-democrata constante e sem a menor tolerância para com as deformações, voluntárias ou não, do marxismo, de que essa ampla agitação política será conduzida por um partido unindo em um todo coerente a ofensiva contra o governo, em nome de todo o povo, da educação revolucionária do proletariado, salvaguardando, ao mesmo tempo, sua independência política, a direção da luta econômica da classe operária, a utilização de seus conflitos espontâneos com seus exploradores, conflitos que levantam e conduzem sem cessar, para o nosso campo, novas camadas do Proletariado !
Mas, um dos traços mais característicos do "economismo" é exatamente não compreender essa ligação, melhor ainda, essa coincidência da necessidade mais urgente do proletariado (educação política sob todas as suas formas, por meio das revelações e da agitação política) com as necessidades do movimento democrático corro um todo. Essa incompreensão aparece não apenas nas frases "à Martynov", mas também nas diferentes passagens de significação absolutamente idêntica, onde os "economistas" referem-se a um pretenso ponto de vista de classe. Eis, por exemplo, como se exprimem os autores da carta “economista" publicada no nº12 do Iskra*2: "Este mesmo defeito essencial do Iskra (sobrestimação da ideologia) é a causa de sua inconseqüência na questão da social-democracia com as diversas classes e tendências sociais. Tendo decidido, por meio de cálculos teóricos"... (e não em decorrência do "crescimento das tarefas do Partido que aumentam ao mesmo tempo que ele” ... ) “o problema da deflagração imediata da luta contra o absolutismo é sentindo, provavelmente, toda a dificuldade dessa tarefa para os operários, no estado atual das coisas"... (não somente sentindo, mas sabendo muito bem que esta tarefa parece menos difícil aos operários do que aos intelectuais "economistas" - que os tratam como crianças pequenas - pois os operários estão prontos a se baterem de fato pelas reivindicações que não prometem, para falar a língua do inolvidáveis Martynov, nenhum "resultado tangível")... “mas não tendo a paciência de esperar a acumulação de forças necessárias para essa luta, o Iskra começa a procurar os aliados nas fileiras dos liberais e dos intelectuais"...
Sim, sim, de fato perdemos toda "paciência” para “esperar" os dias felizes que nos prometem de há muito os "conciliadores"' de toda espécie, onde nossos "economistas" deixarão de lançar a culpa de seu próprio atraso sobre os operários, de justificar sua própria falta de energia pela pretensa insuficiência de forças entre os operários. Em que deve consistir a "acumulação de forças pelos operários em vista dessa luta"?
perguntaremos a nossos "economistas". Não é evidente que consiste na educação política dos operários, na denúncia, diante deles, de todos os aspectos de nossa odiosa autocracia? E não está claro que, justamente para esse trabalho, precisamos de "aliados nas fileiras dos liberais e dos intelectuais", "aliados" prontos a nos trazer suas revelações sobre a campanha política conduzida contra os elementos ativos do zemstvos, os professores, os estatísticos, os estudantes etc.? É assim tão difícil compreender essa "mecânica erudita"? P. Axelrod não lhes, repete, desde 1897, que "a conquista pelos sociais-democratas russos de partidários e aliados diretos ou indiretos entre as classes não proletárias é determinada, antes de tudo e principalmente, pelo caráter que a propaganda assume entre o próprio proletariado?" Ora, Martynov e os outros “economistas" ainda acham, agora, que primeiro os operários devem acumular forças "através da luta econômica contra os patrões e o governo" (para a política sindical) e, em seguida, apenas "passar" - sem dúvida da "educação" sindical da "atividade", à atividade social-democrata!
" ... Em suas pesquisas, continuam os "economistas", o Iskra abandona com demasiada freqüência o ponto de vista de classe, encobre os antagonismos de classe e coloca em primeiro plano o descontentamento comum contra o governo, apesar das causas e do grau deste descontentamento serem muito diferentes entre os “aliados". Essas são, por exemplo, as relações do Iskra com os zemstvos"... O Iskra pretensamente "promete aos nobres descontentes com as esmolas governamentais, o apoio da classe operária, sem dizer uma palavra sobre o antagonismo de classe que separa essas duas categorias da população". Que o leitor se reporte aos artigos "A Autocracia e os Zemtvos" (nºs 2 e 4 do Iskra) aos quais, parece, os autores dessa carta fazem alusão, e verá que esses artigos*3 são dedicados à atitude do governo em relação "à agitação inofensiva do zemstvo burocrático censitário", em relação "à iniciativa das próprias classes proprietárias".
Nesse artigo diz-se que o operário não poderia permanecer indiferente à - luta - do governo contra o zemstvo, e os elementos ativos do zemstvo são convidados a deixar de lado seus discursos inofensivos e a pronunciar palavras firmes e categóricas, quando a social-democracia revolucionária levantar-se com toda sua força diante do governo. Com o que não estão de acordo os autores da carta? Não seria possível dize-lo. Pensam que o operário "não compreenderá" as palavras "classes possuidoras" e "zemstvo burocrático censitário-? que o fato de pressionar os elementos ativos dos zemstvos a abandonar os discursos inofensivos pelas palavras firmes seja uma "sobrestimação da ideologia"? Imaginam que os operários podem "acumular forças" para a luta contra o absolutismo, se não conhecem a atitude do absolutismo também em relação ao zemstvo?
Mais uma vez, não seria possível dize-lo. Uma coisa está clara: os autores têm apenas uma idéia muito vaga das tarefas políticas da social-democracia. Isso sobressai ainda com maior clareza na frase seguinte:
"Essa é igualmente (isto é, "encobrindo também os antagonismos de classe") a atitude do Iskra em relação ao movimento dos estudantes".
Em lugar de exortar os operários a afirmar através de uma manifestação pública que o verdadeiro foco de violências, de arbitrariedade e de delírio não é a juventude universitária, mas o governo russo (Iskra, nº2), deveríamos, ao que parece, publicar as análises inspiradas da Rabótchaia Mys1! E são essas as opiniões expressas pelos sociais-democratas no outono de 1901, após os acontecimentos de fevereiro e de março, às vésperas de um novo impulso do movimento estudantil, impulso que mostra bem que, também nesse aspecto, o protesto “espontâneo" contra a autocracia ultrapassa a direção consciente do movimento pela social-democracia. O impulso instintivo, que leva os operários a interceder em favor dos estudantes espancados pela polícia e pelos cossacos, ultrapassa a atividade consciente da organização social-democrata!
“Entretanto, em outros artigos", continuam os autores da carta, "o Iskra condena severamente todo compromisso e toma a defesa, por exemplo, do comportamento intolerável dos guesdistas-. Aconselhamos àqueles que sustentam comumente, com tanta presunção e ligeireza, que as divergências de ponto de vista entre os sociais-democratas de hoje, não são, parece, essenciais e não justificam uma cisão, que meditem seriamente nessas palavras. As pessoas que afirmam que o esforço que empreendemos ainda é ridiculamente insuficiente para mostrar a hostilidade da autocracia em relação às mais diferentes classes, para revelar aos operários a oposição das mais diferentes categorias da população à autocracia, podem trabalhar eficazmente, em uma mesma organização, com pessoas que vêem nessa tarefa “um compromisso", evidentemente um compromisso com a teoria da “luta econômica contra os patrões e o governo"?
No quadragésimo aniversário da emancipação dos camponeses, falamos da necessidade de introduzir a luta de classes nos campos (nº3) e, a propósito do relatório secreto de Witte, da incompatibilidade que existe entre a autonomia administrativa e a autocracia (nº4); combatemos, a propósito da nova lei, o feudalismo dos proprietários de terras e do governo que os serve (nº8), e saudamos o congresso ilegal dos zemstvos, encorajando os elementos dos zemstvos a abandonar os procedimentos. humilhantes para passar à luta (nº8); encorajamos os estudantes que começavam a compreender a necessidade da luta política e a empreenderam (n9 3) e, ao mesmo tempo, fustigamos a "inteligência extremada" dos partidários do movimento “exclusivamente estudantil”, que exortavam os estudantes a não participar das manifestações de rua (nº3, a propósito da mensagem do Comitê executivo dos estudantes de Moscou, de 25 de fevereiro); denunciamos os "sonhos insensatos”, a “mentira e a hipocrisia" dos velhacos liberais do jornal Rossia (nº5), e ao mesmo tempo assinalamos a fúria do governo de carcereiros que “ajustavam conta com pacíficos literatos, velhos professores e cientistas, conhecidos liberais dos zemstvos" (nº5: "Um Ataque da Polícia Contra a Literatura"); revelamos o verdadeiro sentido do programa "de assistência do Estado para a melhoria das condições de vida dos operários", e saudamos o "consentimento precioso": “mais vale prevenir com reformas do alto as reivindicações de baixo, do que esperar por essas" (nº6); - encorajamos os estatísticos em seu protesto (nº7) e condenamos os estatísticos "furadores" de greve (nº7). Ver nessa tática um obscurecimento da consciência de classe do proletariado e um compromisso com o liberalismo é mostrar que não se compreende absolutamente nada do verdadeiro programa do Credo, e é aplicar, de faio, precisamente esse programa, por mais que seja repudiado! Realmente, por isso mesmo, arrasta-se a democracia à "luta econômica entre os patrões e o governo", e inclina-se a bandeira diante do liberalismo, renunciando-se a intervir ativamente e a definir a própria atitude, a atitude social-democrata, em cada questão "liberal”.
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*1 Assim durante a guerra franco-prussiana. Liebknecht ditou um programa de ação para toda a democracia, como fizeram, em escala ainda maior. Marx e Engels, em 1848.
*2 A falta de espaço não nos permitiu dar ao Iskra uma resposta ampla a essa carta extremamente característica dos “economistas”. Ficamos muito felizes com sua publicação, pois já havia muito que ouvíamos dizer de diferentes lados, que o Iskra desviava-se do ponto de vista de classe, e esperávamos a ocasião favorável ou a expressão precisa dessa acusação em voga para responder. Ora, não é pela defensiva, mas pelo contra-ataque que temos o costume de responder aos ataques.
*3 Entre esses artigos, o Iskra (n.º 3) publicou um artigo especial sobre os antagonismos de classe no campo.

F) Mais uma vez "caluniadores, mais uma vez" mistificadores
Como o leitor se lembra, essas amabilidades foram ditas pelo Rabótcheie Dielo, que assim responde à nossa acusação de “preparar indiretamente o terreno para fazer do movimento operário um instrumento da democracia burguesa”. Na simplicidade de seu coração, o Rabótcheie Dielo decidiu que essa acusação constituía apenas um recurso de polêmica. Esses desagradáveis dogmáticos, parece ter pensado, resolveram nos dizer todas as espécies de coisas desagradáveis; ora, o que pode haver de mais desagradável do que ser o instrumento da democracia burguesa? E de imprimir, em grandes caracteres, um “desmentido”: “calúnia não dissimulada” (Dois Congressos, p. 30), "mistificação” (3 1), “palhaçada” (33). Como Júpiter (embora se pareça pouco com ele), o Rabótcheie Dielo ofende-se precisamente porque não tem razão, e através de suas injúrias irrefletidas, prova que é incapaz de apreender o fio do pensamento de seus adversários. E, entretanto, não é necessário refletir muito para compreender a razão por que todo culto da espontaneidade do movimento de massa, todo rebaixamento da política social-democrata ao nível da política sindical resume-se exatamente em preparar o terreno para fazer do movimento operário um instrumento da democracia burguesa. O movimento operário espontâneo, por si mesmo, só pode engendrar (e infalivelmente o fará) o sindicalismo, ora, a política sindical da classe operária é precisamente a política burguesa da classe operária. A participação da classe operária na luta política, e mesmo na revolução política, não faz de maneira alguma de sua política uma política social-democrata. O Rabótcheie Dielo poderá negar isso? Poderá, finalmente, expor diante de todo o mundo, abertamente e sem dissimulações, sua concepção dos problemas angustiantes da social-democracia internacional e russa? - Não, nunca o fará, pois atém-se firmemente ao procedimento "de se fazer de desentendido”. Não me toquem, não tenho nada com isso. Não somos "economistas”, a Rabótchaia Mysl não é o "economismo", o "economismo" em geral não existe na Rússia. Este é um procedimento muito hábil e "político", que tem apenas um pequeno inconveniente, o de se ter o hábito de dar aos órgãos da imprensa que o praticam o apelido de "às suas ordens".
Para o Rabótcheie Dielo, a democracia burguesa em geral constitui na Rússia apenas um "fantasma" (Dois Congressos, p. 32)*1. Que homens felizes! Como o avestruz, escondem a cabeça sob a asa e, imaginam que tudo o que os cerca desapareceu. Publicistas liberais que, todos os meses, anunciam triunfamente que o marxismo se desagregou, ou mesmo desapareceu; jornais liberais (Sankt-Petersburgskie Védomosti, Russkia Védomosti e muitos outros) que encorajam os liberais que levam aos operários a concepção brentaniana da luta de classes e a concepção sindical da política; a plêiade de críticos do marxismo, críticos cujas tendências verdadeiras foram tão bem reveladas no Credo, e cuja mercadoria literária é a única que circula pela Rússia, sem impostos nem taxas; a reanimação das tendências revolucionárias não sociais-democratas, sobretudo após os acontecimentos de fevereiro e de março, tudo isso será talvez um fantasma? Tudo isso não tem absolutamente qualquer ligação com a democracia burguesa!
0 Rabótcheie Dielo, tal como os autores da canta economista, no número 12 do Iskra, deveriam "perguntar-se por que os acontecimentos da primavera provocaram uma tal reanimação das tendências revolucionárias não sociais-democratas, em lugar de reforçar a autoridade e o prestígio da social-dernocracia”. A razão é que não estávamos à altura de nossa tarefa, que a atividade das massas operárias ultrapassou a nossa, que não tínhamos dirigentes e organizadores suficientemente preparados, que conhecessem perfeitamente o estado de espírito de todas as camadas da oposição e soubessem colocar-se à cabeça do movimento, transformar uma manifestação espontânea em manifestação política, ampliar-lhe o caráter político etc. Dessa forma, os revolucionários não sociais-democratas, mais desembaraçados, mais enérgicos, explorarão necessariamente nosso atraso, e os operários, por maior que seja sua energia e abnegação nos combates contra a polícia e contra as tropas, por mais revolucionária que seja sua ação, serão apenas uma força de sustentação desses revolucionários, a retaguarda de democracia burguesa, e não a vanguarda social-democrata. Consideremos a social-democracia alemã, da qual nossos "economistas" emprestam apenas as falhas. Por que não existe um único acontecimento político na Alemanha que não contribua para reforçar cada vez mais a autoridade e o prestígio da social-democracia? Porque a social-democracia é sempre a primeira a fazer a apreciação mais revolucionária desse acontecimento, a sustentar todo protesto contra a arbitrariedade. Não alimenta ilusões de que a luta econômica incitará os operários a pensar em seu jugo, e de que as condições concretas conduzem fatalmente o movimento operário ao caminho revolucionário. Intervém em todos os aspectos e em todas as questões da vida social e política: quando Guilherme recusa-se a ratificar a nomeação de um progressista burguês para prefeito (nossos "economistas” ainda não tiveram tempo de aprender com os alemães que isto constitui, na verdade, um compromisso com o liberalismo!), e quando se faz uma lei contra imagens e obras "imorais", e quando o governo faz pressão para obter a nomeação de certos professores etc. etc. Em toda a parte os sociais-democratas estão na linha de frente, despertando o descontentamento político em todas as classes, sacudindo os adormecidos, estimulando os atrasados, fornecendo uma ampla documentação para desenvolver a consciência política e a atividade política do proletariado. O resultado é que esse defensor político de vanguarda força o próprio respeito dos inimigos conscientes do socialismo, e não é raro que um documento importante, não só das esferas burguesas, mas também das burocráticas e palacianas, venha parar, não se sabe como, na sala de redação do Vorwürts.
Aí está o segredo da “contradição” aparente que ultrapassa o nível de compreensão do Rabótcheie Dielo a ponto de contentar-se em levantar os braços para o céu e exclamar: “Palhaçada"! De fato, imaginemos o seguinte: nós, o Rabótcheie Dielo, consideramos em primeiro plano o movimento operário de massa (e o imprimimos em letras garrafais!), pomos todos em guarda contra a tendência de diminuir o papel do elemento espontâneo, queremos conferir à própria, própria, própria luta econômica um caráter político; queremos permanecer em estreita ligação orgânica com a luta proletária! E nos dizem que preparamos o terreno para fazer do movimento operário um instrumento da democracia burguesa. E quem o diz? Os homens que têm "compromisso" com o liberalismo, intervindo em toda questão "liberal" (que incompreensão da 1igação orgânica com a luta proletária"!), concedendo tão grande atenção aos estudantes e até (que horror!) aos porta-vozes dos zemstvos!
Homens que querem, em geral, consagrar uma porcentagem maior (em relação aos "economistas") de suas forças entre as classes não proletárias da população! Não é isto uma "palhaçada"?
Pobre Rabótcheie Dielo! Chegará algum dia a penetrar no segredo deste complicado mecanismo?
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*1 Aqui se invocam “as condições concretas russas, que levam fatalmente o movimento operário ao caminho revolucionário”. As pessoas não querem compreender que o caminho revolucionário do movimento operário pode ainda não ser o caminho social-democrata! De fato, toda a burguesia ocidental sob o absolutismo "impelia", impelia com conhecimento de causa os operários ao caminho revolucionário. Nós, sociais-democratas, não podemos nos contentar com isso. E se rebaixamos de um modo ou de outro a política social-democrata ao nível de uma política espontânea, sindical, fazemos, através disso, exatamente o jogo da democracia burguesa.

IV - Os métodos artesanais dos "economistas" e a organização dos revolucionários

As afirmações do Rabótcheie Dielo, já examinadas anteriormente, declarando que a luta econômica é o meio mais amplamente aplicável de agitação política, que nossa tarefa consiste, hoje, em conferir à própria luta econômica um caráter político etc., refletem uma concepção estreita de nossas tarefas, não somente em matéria política, mas ainda em matéria de organização. Para conduzir "a luta econômica contra os patrões e o governo", não é necessária uma organização centralizada para toda a Rússia (e ela não poderia se constituir no curso de tal luta), organização que agruparia em um único ataque comum todas as manifestações, quaisquer que fossem, de oposição política, de protesto e de indignação, organização de revolucionários profissionais, dirigida pelos verdadeiros chefes políticos de todo o povo. Aliás, isto pode ser compreendido. Toda instituição tem sua estrutura natural e inevitavelmente determinada pelo conteúdo de sua ação. Por isso, pelas afirmações acima analisadas, o Rabótcheie Dielo consagra e legitima a estreiteza não somente da ação política, mas também do trabalho de organização. Nesse caso, como sempre, a consciência desse órgão inclina-se diante da espontaneidade. Ora, o culto das formas de organização que se elaboram espontaneamente, o fato de ignorar o quanto é estreito e primitivo nosso trabalho de organização e até que ponto somos ainda “rudimentares" em relação a esse aspecto importante, o fato de ignorar tudo isso, digo, constitui uma verdadeira doença do nosso movimento. Não uma doença de decadência, mas, evidentemente, de crescimento. Porém, precisamente hoje que a onda de revolta espontânea se espraia - poder-se-ia dizer - até a nós, dirigentes e organizadores do movimento, o que é preciso é sobretudo a luta mais intransigente contra a menor tentativa de defender nosso atraso, de legitimar a estreiteza nessa matéria; é preciso sobretudo despertar entre todos aqueles que participam, ou apenas se dispõem a participar do trabalho prático, o descontentamento em relação ao trabalho artesanal, que reina entre nós, e a firme vontade de nos desembaraçarmos dele.

A) 0 que é o trabalho artesanal?
Tentaremos responder a essa questão, esboçando o quadro da atividade de um círculo social-democrata típico entre 1894 e 1901. Já assinalamos o entusiasmo geral pelo marxismo da juventude estudantil da época.
Certamente, esse entusiasmo visava não apenas ao marxismo como teoria, mas como resposta à questão "que fazer?", como apelo para se colocar em campo contra o inimigo. E os novos combatentes punham-se em campo com uma preparação e um equipamento surpreendentemente primitivos. Em inúmeros casos, quase não havia equipamento e nem tampouco preparação. Iam à guerra como camponeses que tivessem acabado de deixar o arado, simplesmente armados de um bordão. Sem ligação de qualquer espécie com os velhos militantes, sem qualquer ligação com os círculos de outras localidades, nem mesmo de outros bairros (ou estabelecimentos de ensino) de sua própria cidade, sem qualquer coordenação das diferentes partes do trabalho revolucionário, sem qualquer plano sistemático de ação para um período mais ou menos prolongado, um círculo de estudantes entra em contato com os operários e põe mãos à obra. O círculo desenvolve progressivamente uma propaganda e agitação cada vez mais intensas; atrai, assim, unicamente através de sua ação, a simpatia de amplos setores do meio operário, a simpatia de uma certa parte da sociedade instruída, que lhe fornece dinheiro e coloca à disposição do “comitê” novos grupos de jovens. O prestígio do comitê (ou da união de luta) aumenta, seu campo de ação alarga-se, e estende sua atividade de uma maneira completamente espontânea: as pessoas que, há um ano ou alguns meses, tomavam a palavra nos círculos estudantis para responder à questão: “para onde ir?"; que estabeleciam e mantinham relações com os operários, compunham e lançavam as “folhas volantes”, estabeleciam relações com outros grupos de revolucionários, arranjam publicações, empreendem a edição de um jornal local, começam a falar de uma manifestação a ser organizada, passam, enfim, às operações militares declaradas (e esta ação militar declarada poderá ser, segundo as circunstâncias, o primeiro panfleto de agitação, o primeiro número de um jornal, a primeira manifestação). Em geral, essas operações conduzem ao fracasso imediato e completo, desde o seu início. Imediato e completo, porque essas operações militares não eram o resultado de um plano sistemático, preparado de antemão e estabelecido a longo termo, mas, simplesmente o desenvolvimento espontâneo de um trabalho de círculo conforme sua tradição; porque a policia, como é natural, conhecia quase sempre todos os principais militantes do movimento local, que já "tinham dado o que falar" nos bancos da Universidade, e, aguardando o momento mais propício para uma invasão, deixa, propositadamente, o círculo alargar-se e estender-se para ter um corpus delicti tangível, e a cada vez deixa, de caso pensado, alguns indivíduos "para semente" (é a expressão técnica empregada, pelo que sei, tanto pelos nossos como pelos da polícia). Não se pode deixar de comparar essa guerra a uma marcha de bandos de camponeses armados de bordões, contra um exército moderno. E não se pode deixar de admirar a vitalidade de um movimento que aumentava, estendia-se, e obtinha vitórias, apesar de uma ausência completa de preparação entre os combatentes. É verdade que o caráter primitivo do armamento era, historicamente, não apenas inevitável a princípio, mas até legítimo, visto que permitia atrair grande número de combatentes. Mas, desde que começaram as operações militares sérias (começaram, propriamente, com as greves do verão de 1896), as lacunas de nossa organização militar fizeram-se sentir cada vez mais. Após um momento de surpresa e uma série de falhas (como atrair a opinião pública para os crimes dos socialistas, ou a deportação dos operários das capitais para os centros industriais de província), o governo não demorou a adaptar-se às novas condições de luta e soube dispor, em pontos convenientes, seus destacamentos de provocadores, espiões e policiais, munidos de todos os aperfeiçoamentos. As armadilhas tornaram-se tão freqüentes, atingiram tantas pessoas, esvaziaram a tal ponto os círculos locais, que a massa operária perdeu literalmente todos os seus dirigentes, o movimento tornou-se incrivelmente desordenado, sendo impossível estabelecer-se qualquer continuidade e coordenação no trabalho. A extraordinária dispersão dos militantes locais, a composição fortuita dos círculos, as falhas de preparação e a estreiteza de perspectivas nas questões teóricas, políticas e de organização constituíram o resultado nevitável das condições descritas. Em certos lugares, mesmo, vendo nossa falta de firmeza e de organização em conspirar, os operários passaram a se afastar dos intelectuais por desconfiança, dizendo que provocavam as prisões pela sua imprudência!
Todo militante, mesmo pouco iniciado no movimento, sabe que, finalmente, esses métodos artesanais foram considerados pelos sociais-democratas sensatos como uma verdadeira doença. Mas, para o leitor não iniciado não pensar que "construímos” artificialmente uma determinada etapa ou uma determinada doença do movimento, recorreremos ao testemunho já uma vez invocado. Que nos perdoem a longa citação.

“Se a passagem gradual a uma ação prática mais ampla”, escreve B-v no nº 6 do Rabótcheie Dielo, “passagem que está em função direta do período geral de transição que atravessa o movimento operário russo, é um traço característico... existe ainda, no conjunto do mecanismo da revolução operária russa um outro traço não menos interessante. Queremos nos referir à insuficiência de forças revolucionárias próprias para a ação*1 , que se faz sentir não apenas em Petersburgo, mas em toda a Rússia À medida em que o movimento operário se acentua, que a massa operária se desenvolve; que as greves se tornam mais freqüentes; que a luta de massa dos operários se faz de forma mais aberta, luta que reforça as perseguições governamentais, prisões, expulsões e deportações, essa falta de forças revolucionárias altamente qualificada torna-se mais sensível e, sem dúvida, não deixa de influir na profundidade e no caráter geral do movimento. Muitas greves desenrolam-se sem que as organizações revolucionárias exerçam sobre elas uma ação direta e enérgica... Há falta de "folhas" de agitação e de publicações ilegais... os círculos operários ficam sem agitadores... Além disso, a falta de dinheiro se faz sentir continuamente. Em uma palavra, o crescimento do movimento operário ultrapassa o crescimento e o desenvolvimento das organizações revolucionárias. O efetivo dos revolucionários em ação é demasiado insignificante para poder influenciar toda a massa operária em efervescência, para oferecer a todos os distúrbios ao menos uma sombra de coerência e de organização... Tais círculos, tais revolucionários não estão unidos, nem agrupados; não formam uma organização coerente, forte e disciplinada, com partes metodicamente desenvolvidas”... E após ter feita a reserva de que o aparecimento imediato de novos círculos em lugar daqueles que foram destruídos, “prova apenas a vitalidade do movimento... mas, não demonstra ainda a existência de uma quantidade suficiente de militantes revolucionários perfeitamente paios”, o autor conclui: “A falta de preparação prática dos revolucionários de Petersburgo repercute também sobre os resultados de seu trabalho. Os últimos processos, especialmente os dos grupos da 'Autoliberação' e da 'Luta do Trabalho Contra o Capital' mostraram nitidamente que um jovem agitador não familiarizado perfeitamente com as condições do trabalho e, por conseguinte, da agitação em uma determinada fábrica, ignorando os princípios da ação clandestina e tendo apreendido” (apreendido?) "apenas os princípios gerais da social-democracia. pode trabalhar uns quatro, cinco, seis meses. Depois vem a prisão que freqüentemente ocasiona a derrocada de toda a organização, ou ao menos de uma parte. Pode um grupo trabalhar com proveito e êxito, quando sua existência está limitada a alguns meses? É evidente que não seria possível atribuir inteiramente as falhas das organizações existentes ao período de transição... é evidente que a quantidade e sobretudo a qualidade do efetivo das organizações em atividade desempenham aqui um papel importante. e a primeira tarefa de nossos sociais-democratas... deve ser unir realmente as organizações entre si, com uma rigorosa seleção de seus membros.”

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*1 Todas as passagens foram grifadas por nós.



B) Trabalho artesanal e "economismo"
Vamos agora deter-nos em uma questão que, certamente, já se colocou ao leitor. O trabalho artesanal, doença de crescimento que afeta o movimento todo, pode estar em conexão com o "economismo”, considerado como uma das tendências da social-democracia russa?
Cremos que sim. A falta de preparação prática, de habilidade no trabalho de organização é realmente comum a todos nós, mesmo àqueles que, desde o início, mantiveram-se sempre ligados ao ponto de vista do marxismo revolucionário. E, certamente, ninguém poderia incriminar os práticos por essa falta de preparação. Mas, esses “métodos artesanais" não se encontram apenas na falta de preparação: estão também na estreiteza do conjunto do trabalho revolucionário em geral, na incompreensão do fato de que essa estreiteza impede a constituição de uma boa organização de revolucionários; enfim - e é o principal - encontram-se nas tentativas de justificar essa estreiteza e de erigi-la em "teoria" particular, isto é, no culto da espontaneidade, também nesse campo. Desde as primeiras tentativas desse gênero, tornou-se evidente que os métodos artesanais estavam ligados ao “economismo" e que não nos livraríamos de nossa estreiteza no trabalho de organização, antes de nos livrarmos do "economismo" em geral (isto é, da concepção estreita da teoria do marxismo, do papel da social-democracia e de suas tarefas políticas). Ora, essas tentativas foram feitas em duas direções. Uns começaram a dizer: a massa operária não formulou ainda, ela própria, tarefas políticas tão extensas e tão manifestas como as que lhe "impõem" os revolucionários; deve ainda lutar pelas reivindicações políticas imediatas, conduzir" a luta econômica contra os patrões e o governo*1 (e a esta luta "acessível" ao movimento de massa corresponde naturalmente uma organização "acessível" mesmo à juventude menos preparada). Outros, afastados de todo "gradualismo" declararam: pode-se e deve-se "realizar a revolução política", mas, para isso, não há necessidade de se criar uma forte organização de revolucionários educando o proletariado para uma luta firme e obstinada, basta que todos nós tomemos do bordão “acessível” e já conhecido. Para falar sem alegorias, é preciso organizar a greve geral*2 ou estimular através de "um terrorismo excitativo*3" o movimento operário "adormecido”. Essas duas tendências, a oportunista e a "revolucionaste", capitulam diante dos métodos artesanais dominantes, não crêem na possibilidade de se libertar deles, não vêem nossa primeira e mais urgente tarefa prática: criar uma organização de revolucionários capaz de assegurar à luta política energia, firmeza e continuidade.
Acabamos de citar as palavras de B-v: "0 crescimento do movimento operário ultrapassa o crescimento e o desenvolvimento das organizações revolucionárias". Essa "comunicação preciosa de um observador bem colocado” (opinião emitida pela redação do Rabótcheie Dielo sobre o artigo de B-v) é para nós duplamente preciosa. Mostra que tínhamos razão de ver a causa fundamental da crise atual da social-democracia russa no atraso dos dirigentes ("ideólogos”, revolucionários, sociais-democratas) em relação ao impulso espontâneo das massas. Mostra que existe apenas a defesa e a exaltação dos métodos artesanais em todos esses raciocínios dos autores da carta economista (Iskra, nº 12) B. Kritchévski e Martynov sobre o perigo que existe em minimizar o papel do elemento espontâneo, da obscura luta quotidiana, da tática-processo etc. Essas pessoas que não podem pronunciar sem desdém a palavra “teórico”; que denominam "senso das realidades” sua idolatria diante da falta de preparação para as coisas da vida e da falta de desenvolvimento, mostram de fato sua ignorância de nossas tarefas práticas mais prementes. Às pessoas que se atrasam, gritam: Marquem passo! Não se adiantem! Aqueles que, no trabalho de organização, carecem de energia e de iniciativa, àqueles que carecem de “planos” de perspectivas amplas e corajosas, falam da “tática-processo”! Nosso erro capital é rebaixar nossas tarefas políticas e de organização ao nível dos interesses imediatos, "tangíveis", “concretos” da luta econômica cotidiana, e não param de nos dizer: é preciso conferir à própria luta econômica um caráter político! Mais uma vez repetimos: isto constitui exatamente um “senso das realidades” comparável ao do herói da epopéia popular, que exclamava à vista de um cortejo fúnebre; “tornara que sempre tenham algo a transportar”.
Lembrem-se da incomparável presunção, verdadeiramente digna de Narciso, com a qual esses sábios repreendiam Plekhânov: "As tarefas políticas, no sentido real e prático da palavra, isto é, no sentido de uma luta prática, racional e vitoriosa para as reivindicações políticas, são em princípio (sic) inacessíveis aos círculos operários" ("Resposta da redação do Rab. Dielo”, p. 24). Existem círculos e círculos, Senhores!, Evidentemente, as tarefas políticas são inacessíveis a um círculo de "artesãos", enquanto estes não tomarem consciência de seus métodos artesanais e não se livrarem deles. Mas se, além disso, esses artesãos estão enamorados de seus métodos artesanais, se escrevem a palavra "prático" em itálico e imaginam que ser prático é rebaixar nossas tarefas ao nível de compreensão das massas mais atrasadas, então, evidentemente, esses artesãos são incuráveis e as tarefas políticas em princípio lhes são realmente inacessíveis. Mas, para um círculo de corifeus, como Alexeiev e Mychkine, Khalturine e Jeliabov, as tarefas políticas são inacessíveis no sentido mais verdadeiro, mais prático da palavra, e isto exatamente porque sua ardente propaganda encontra eco na massa que desperta espontaneamente; porque sua energia fervilhante é restabelecida e sustentada pela energia da classe revolucionária. Plekhânov tinha mil vezes razão não apenas quando assinalou a existência dessa classe revolucionária e provou que seu despertar espontâneo para a ação era inelutável, infalível, mas, também quando designou para os "círculos operários”, uma grandiosa e importante tarefa política. Quanto a vocês, invocam o movimento de massa que surgiu desde então, para rebaixar essa tarefa, para restringir o campo de ação e de energia dos "círculos operários”. O que é isso senão o apego do artesão a seus métodos artesanais? Vocês se vangloriam de seu espírito prático, e não vêem o fato conhecido de cada prático russo: que maravilhas pode realizar, em matéria revolucionária, a energia não apenas de um círculo, mas mesmo de um indivíduo isolado.
Acreditam vocês, por acaso, que não podem existir em nosso. movimento dirigentes como os da década de 1870? Por que? Por que estamos pouco preparados? Mas nós nos preparamos, continuaremos a nos preparar e estaremos preparados! É verdade que à superfície dessa água estagnada, que é a “luta econômica contra os patrões e o governo”, infelizmente formou-se o limo; apareceram pessoas que se ajoelharam para. adorar a espontaneidade, contemplando religiosamente (segundo a expressão de Plekhânov) o "traseiro" do proletariado russo. Mas, saberemos nos livrar desse limo. Precisamente hoje, o revolucionário russo, orientado por uma teoria verdadeiramente revolucionária, apoiando-se em uma classe verdadeiramente revolucionária que desperta espontaneamente para a ação, pode enfim - enfim! - reerguer-se em toda a sua estatura e empregar toda a sua força de gigante. Para isso é preciso apenas que, entre a massa dos práticos e a massa ainda mais numerosa de pessoas que sonham com a ação prática desde os bancos da escola, toda tentativa de rebaixar nossas tarefas políticas e de restringir a envergadura de nosso trabalho de organização seja considerada com desprezo e recebida jocosamente. E fiquem tranqüilos, Senhores, chegaremos lá!
No artigo “Por Onde Começar?” escrevi contra o Rabótcheie Dielo: "Em 24 horas, pode-se modificar a tática da agitação sobre algum ponto especial, modificar um detalhe qualquer na atividade do Partido. Mas, para modificar, não direi em 24 horas, mas até em 24 meses, suas concepções sobre a utilidade geral, permanente e absoluta de uma organização de combate e de uma agitação política nas massas, é preciso estar desprovido de todo princípio orientador. O Rabótcheie Dielo responde: "Essa acusação do Iskra, a única que pretende ter um caráter prático, está destituída de todo fundamento. Os leitores do Rabótcheie Dielo sabem muito bem que desde o princípio não apenas exortamos à agitação política, sem esperar que aparecesse o Iskra "... (dizendo, então, que "não se pode colocar” aos círculos operários, "nem ao movimento operário de massa, como primeira tarefa, a derrubada do absolutismo", mas apenas a luta pelas reivindicações políticas imediatas, e que "as reivindicações políticas imediatas tornam-se acessíveis à massa após uma, ou ao menos, numerosas greves")... "mas, através de nossas publicações, também, fizemos chegar do estrangeiro aos camaradas militando na Rússia um material social-democrata de agitação política único”... (acrescentamos que com esse material único não só fizeram agitação política maior do que a feita no campo da luta econômica, mas também concluíram, enfim, que essa agitação limitada “é suscetível de ser a mais amplamente aplicada". E os Senhores não repararam que sua argumentação prova justamente a necessidade do aparecimento do Iskra - dado esse material único - e a necessidade de o Iskra lutar contra o Rabótcheie Dielo ?)... “Por outro lado, nossa atividade como editores preparou de fato a unidade tática do partido”... (a unidade de convicção de que a tática é um processo de crescimento das tarefas do partido, que crescem ao mesmo tempo que o Partido? Unidade preciosa!)... "e, por isso mesmo, a possibilidade de “uma organização de combate", para a criação daquela União, tornou em geral tudo isso acessível a uma organização residente no estrangeiro" (R. D., nº 10, p. 15). Vã tentativa para se sair do embaraço! Jamais pensei em contestar que tenham feito tudo que lhes era acessível. Afirmei e ainda afirmo que os limites do que lhes é "acessível" encontram-se cerceados pela estreiteza de sua compreensão. É ridículo falar de “organização de combate" para lutar em favor das “reivindicações políticas imediatas", ou para "a luta econômica contra os patrões e o governo”.
Mas, se o leitor quiser ver as pérolas do apego "economista" aos métodos artesanais, seria preciso naturalmente dirigir-se não ao Rabótcheie Dielo, eclético e instável, mas à Rabótchaia MysI, lógica e resoluta. "Duas palavras, agora, sobre o que se denomina, propriamente, a intelectualidade revolucionária", escrevia R. M. em um "Suplemento especial", p. 13; “provaram, é verdade, e mais de uma vez, que estão prontos a "integrar a luta decisiva contra o tzarismo”. Somente, o mal é que, perseguida sem tréguas pela polícia política, nossa intelectualidade revolucionária tomou a luta contra essa polícia política por uma luta política contra a autocracia. Por isso, a questão, "Onde buscar forças para a luta contra a autocracia?", ainda não encontrou resposta.
Não é realmente admirável esse desprezo pela luta contra a polícia, da parte de um adorador (no sentido pejorativo da palavra) do movimento espontâneo? Está pronto a justificar nossa imperícia na ação clandestina pelo argumento de que, em um movimento espontâneo de massa, a luta contra a polícia, em suma, não tem importância para nós!! Muito poucos subscreverão essa conclusão monstruosa, tal é o grau e a forma dolorosa em que são sentidas, por todos, as folhas de nossas organizações revolucionárias. Mas se Martynov, por exemplo, não a subscreve, é unicamente porque não sabe ir até o fim de seu pensamento, ou não tem coragem para tanto. De fato, se a massa apresenta reivindicações concretas prometendo resultados tangíveis, constitui isso uma "tarefa" que exige a preocupação particular com a criação de uma organização sólida, centralizada, combativa? A massa que não "luta de modo algum contra a polícia política" não se incumbe, ela própria, dessa "tarefa"? Mais ainda, essa tarefa seria executável se, com exceção de raros dirigentes, os operários (em sua grande maioria), que não são de forma alguma capazes de "lutar contra a polícia política", também não se encarregassem dela? Esses operários, os elementos médios da massa, são capazes de demonstrar uma energia e uma abnegação prodigiosas em uma greve, em um combate de rua com a polícia e as tropas policiais; são capazes (e são os únicos capazes) de decidir o resultado de todo o nosso movimento; porém, justamente a luta contra a polícia política exige qualidades especiais, exige revolucionários profissionais. E devemos estar vigilantes para que a massa operária não apenas “apresente" reivindicações concretas, mas ainda "apresente" um número cada vez maior desses revolucionários profissionais. Chegamos, assim, à questão da relação entre a organização dos revolucionários profissionais e o movimento puramente operário. Essa questão, pouco desenvolvida na literatura, já ocupou bastante a nós, "políticos", em nossas conversas e discussões com os camaradas que, de uma maneira ou de outra, tendem para o "economismo". Vale a pena que nos detenhamos nessa questão. Mas, antes, terminemos com outra citação, a ilustração de nossa tese sobre a ligação dos métodos artesanais com o "economismo".
“O grupo 'Liberação do Trabalho’”, escrevia N.N. em sua 'Resposta', "reclama a luta direta contra o governo sem buscar saber onde está a força material para essa luta, sem indicar o caminho que ela deve seguir". E sublinhando essas últimas palavras, o autor faz a seguinte observação a respeito da palavra "caminho": "Este fato não poderia ser explicado pelas necessidades da ação clandestina; de fato, no programa não se trata de uma conspiração, mas de um movimento de massa. Ora, a massa não pode seguir caminhos secretos. É possível uma greve secreta? São possíveis uma manifestação ou uma petição secretas?" (Vademecum, p. 59). O autor aborda de perto essa “força material" (organizadores de greves e de manifestações) e os "caminhos" luta, mas encontra-se confuso e perplexo, pois "inclina-se diante do movimento de massa, isto é, considera-o um fator que nos libera da atividade revolucionária que nos pertence, e não um fator destinado a encorajar e a estimular nossa atividade revolucionária. Uma greve secreta é impossível, tanto para seus participantes como para aqueles a quem afeta diretamente. Mas, para a massa dos operários russos, essa greve pode permanecer (e na maior parte dos casos permanece) "secreta”, pois o governo tomará o cuidado de cortar todas, as comunicações com os grevistas, tomará o cuidado de tornar impossível todas as informações sobre a greve. É então que se torna necessária uma “luta contra a polícia política", luta especial que jamais poderá ser conduzida ativamente por uma massa tão grande como a que participa da greve. Essa luta deve ser organizada "segundo todas as regras da arte" por profissionais da ação revolucionária. E o fato de a massa estar espontaneamente integrada ao movimento não torna menos necessária a organização dessa luta. Ao contrário, torna ainda mais necessária; pois nós, socialistas, faltaríamos a nosso primeiro dever para com a massa, se não soubéssemos impedir a polícia de tornar secreta (e se, por vezes, não nos preparássemos secretamente, nós mesmos) uma greve ou uma manifestação qualquer.
Estamos em condição de fazê-lo, precisamente porque a massa, que desperta espontaneamente para a ação, fará surgir igualmente de seu seio um número cada vez maior de "revolucionários de profissão” (isso se não induzirmos todos os operários, de todas as maneiras, a permanecer no mesmo lugar).

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*1 Rabótchaia Mysl e Rabótcheie Dielo, em especial a "Resposta” a Piekhânov.
*2 Quem Fará a Revolução Política? brochura publicada na Rússia, na compilação A Luta Proletária, e reeditado pelo Comitê de Kiev.
*3 Renascimento do Revolucionarismo e Svoboda.

C) A organização dos operários e a organização dos revolucionários
Se para o social-democrata a idéia de “luta econômica contra os patrões e o governo" identifica-se à de luta política, é natural que a idéia de "organização de operários" identifique-se, entre eles, mais ou menos à idéia de "organização de revolucionários”. E, na realidade, é o que acontece, de modo que falando de organização, falamos línguas absolutamente diferentes. Lembro-me, por exemplo, de uma conversa que tive um dia com um "economista" bastante conseqüente, e que ainda não conhecia. A conversa girou em torno do folheto “Quem Fará a Revolução Política?" Concluímos, rapidamente, que seu principal defeito era não considerar os problemas de organização. Pensávamos já estar de acordo, mas... prosseguindo a conversa, percebemos que falávamos de coisas diferentes. Meu interlocutor, acusava o autor de não levar em consideração as caixas de auxílio às greves, as sociedades de socorro mútuo etc.; quanto a mim, falava da organização de revolucionários indispensável para "fazer" a revolução, política. E desde que ocorreu essa divergência, não me lembro mais de, ter estado de acordo sobre qualquer questão de princípio com, esse "economista"!
Mas, qual era, pois, a causa de nossas divergências? Justamente o fato de os "economistas" desviarem-se constantemente do "social-democratisrno" para o sindicalismo, tanto nas tarefas de organização como nas tarefas políticas. A luta política da social-democracia é muito maior e muito mais complexa que a luta econômica dos operários contra os patrões e o governo. Do mesmo modo (e como conseqüência) a organização de um partido social-democrata revolucionário deve necessariamente constituir um gênero diferente da organização dos operários para a luta econômica. A organização dos operários deve ser, em primeiro lugar, profissional; em segundo lugar, a maior possível; em terceiro lugar, a menos clandestina possível (aqui e mais adiante refiro-me, bem entendido, apenas à Rússia autocrática). Ao contrário, a organização dos revolucionários deve englobar, antes de tudo e principalmente, homens cuja profissão é a ação revolucionária (por isso, quando falo de uma organização de revolucionários, refiro-me aos revolucionários sociais-democratas). Diante dessa característica comum aos membros de tal organização, deve desaparecer por completo toda distinção entre operários e intelectuais e ainda com maiores razões, entre as diversas profissões de uns e de outros. Necessariamente essa organização não deve ser muito extensa, e é, preciso que seja o mais clandestina possível. Vamos deter-nos sobre esses três pontos determinados.
Nos países onde há liberdade política, a diferença entre a organização sindical e a organização política é perfeitamente clara, como também a diferença entre os sindicatos e a social-democracia. Certamente, as relações da social-democracia com os sindicatos variam, inevitavelmente, de país a país segundo as condições históricas, jurídicas e outras; posem ser mais ou menos estreitas, complexas etc. (devem ser, em nossa opinião, as mais estreitas e as menos complexas possíveis); mas, nos países livres, não seria o caso de se identificar a organização sindical com a do partido social-democrata. Na Rússia, o jugo da autocracia apaga, à primeira vista, toda distinção entre a organização social-democrata e a associação operária, pois todas as associações operárias e todos os círculos estão proibidos, e a greve, manifestação e arma principais da luta econômica dos operários, é considerada um crime de direito comum (às vezes até um delito político). Assim, pois, a situação entre nós, de um lado, "incita" forçosamente os operários que conduzem a luta econômica a se ocuparem de questões políticas e, de outro, "incita os sociais-democratas a confundirem o sindicalismo e o "social-democratismo" (e nossos Kritchévski, Martynov e Cia., que não param de falar sobre a “incitação” do primeiro gênero, não observam a "incitação" do segundo gênero). De fato, consideremos as pessoas absorvidas: noventa e nove por cento pela luta econômica contra os patrões e o governo. Uns, durante todo o período de sua atividade (de 4 a 6 meses), jamais serão levados a pensar na necessidade de uma organização mais complexa de revolucionários; outros, ao que parece, serão "levados" a ler a obra bernisteiniana, relativamente difundida, e daí extrairão a convicção de que é a “marcha progressiva da obscura luta quotidiana" que apresenta uma importância fundamental. Outros, enfim, talvez serão seduzidos pela idéia de dar ao mundo um novo exemplo de "estreita ligação orgânica com a luta proletária", de ligação entre o movimento sindical e o movimento social-democrata. Essas pessoas raciocinarão assim: quanto mais tarde um país entrar na arena do capitalismo, e portanto na- do movimento operário, mais os socialistas poderão participar do movimento sindical e apoiá-lo, e haverá menos condições para a existência de sindicatos não sociais democratas. Até aqui, esse raciocínio é perfeitamente justo, mas o mal é que vão mais longe e sonham com a fusão completa do "social-democratismo" e do sindicalismo. Vamos ver, em seguida, através do exemplo dos "Estatutos da União de Luta de São Petersburgo", a influência nociva que esses sonhos exercem sobre nossos p1anos de organização.
As organizações operárias para a luta econômica devem ser organizações profissionais. Todo operário social-democrata deve, sempre que possível, apoiar essas organizações e aí trabalhar ativamente. Bem, mas não constitui nosso interesse exigir que só os sociais-democratas possam ser membros das uniões "corporativistas": isso restringiria nossa influência sobre a massa. Deixemos participar na união corporativa todo operário que compreenda a necessidade de se unir para lutar contra os patrões e o governo. O próprio objetivo das uniões corporativas não seria atingido, se não agrupassem todos aqueles capazes de compreender mesmo essa noção elementar, e se essas uniões corporativas não fossem organizações muito amplas. E quanto maiores essas organizações, também maior será nossa influência sobre elas, influência exercida não apenas através do desenvolvimento "espontâneo" da luta econômica, mas, também, pela ação consciente e direta dos membros socialistas da união sobre seus camaradas. Mas, em uma organização ampla, uma ação estritamente de conspiração é impossível (pois exige mais preparação do que a necessária para participar da luta econômica. Como conciliar essa contradição, entre a necessidade de uma organização ampla e de uma ação estritamente de conspiração? Como fazer para que as organizações corporativas sejam o menos possível de conspiração? De modo geral, há apenas dois meios: ou a legalização das associações corporativas (que em certos países precedeu a legalização das associações socialistas e políticas), ou a manutenção da organização secreta, mais "livre", pouco regulamentada, lose, como dizem os alemães, a tal ponto que, para a massa dos associados, o regime conspirativo fica reduzido quase a zero.
A legalização das associações operárias não socialistas e não políticas já começou na Rússia, e não há dúvida de que cada passo de nosso movimento operário social-democrata, em rápida progressão, multiplicará e encorajará as tentativas dessa legalização, tentativas que vêm sobretudo dos partidários do regime estabelecido, mas, também, dos operários e dos intelectuais liberais. A bandeira da legalização já foi hasteada pelos Vassiliev e os Zubatov; os Ozerov e os Worms já prometeram e deram sua cooperação, e entre os operários já se encontram adeptos da nova tendência. E nós não podemos deixar de considerar essa tendência. E como considerá-la? Quanto a isso, não poderia existir mais do que uma opinião entre os sociais-democratas.
Devemos denunciar constantemente toda participação dos Zubatov, dos Vassilicv, dos policiais, e dos popes nessa tendência, e esclarecer os operários sobre as verdadeiras intenções desses participantes. Devemos denunciar também todas as notas conciliadoras e "harmônicas" que se manifestam nos discursos dos liberais nas assembléias públicas dos operários, quer sejam moduladas por pessoas sinceramente convencidas de que a colaboração pacífica das classes é desejável, quer tenham o desejo de serem bem vistas pelas autoridades ou, enfim, quer sejam essas pessoas simplesmente inábeis. Devemos, enfim, colocar os operários em guarda contra as armadilhas freqüentemente preparadas pela polícia que, nessas assembléias públicas e nas sociedades autorizadas, busca marcar os "homens imbuídos do fogo sagrado” e aproveitar-se das organizações legais para introduzir provocadores também nas organizações ilegais.
Mas, fazer isto não significa esquecer que a legislação do movimento operário, afinal de contas, não beneficiará os Zubatov, mas a nós mesmos. Ao contrário, justamente pela nossa campanha de denúncias separamos o joio do trigo. Já mostramos qual é o joio. 0 trigo é atrair a atenção das camadas operárias maiores e mais atrasadas para as questões políticas e sociais: é libertar a nós, revolucionários, de funções que, no fundo, são legais (difusão de obras legais, socorro mútuo etc.) e que, desenvolvendo-se, dar-nos-ão infalivelmente material cada vez mais abundante para a agitação. Nesse sentido podemos e devemos dizer aos Zubatov e aos Ozerov: Trabalhem, Senhores, trabalhem! Enquanto os senhores preparam armadilhas para os operários, pela provocação direta ou pelo "struvismo" (meio "honesto” de corromper os operários), nós nos encarregamos de desmascará-los. Enquanto os senhores dão realmente um passo à frente - mesmo que seja sob a forma de um "tímido ziguezague” - mas um passo à frente, apesar de tudo, nós lhe diremos:
Isso mesmo! E todo o alargamento do campo de ação dos operários, mesmo minúsculo, constitui um verdadeiro passo à frente. E todo alargamento desse gênero só pode beneficiar-nos: apressará o aparecimento de associações legais, onde não serão os provocadores que pescarão os socialistas, mas os socialistas que pescarão adeptos. Em uma palavra, o que é preciso, agora, é combater o joio. Não nos cumpre cultivar o trigo em vasos. Arrancando o joio, limpamos o terreno a fim de permitir que o trigo germine. E enquanto os Afanassi Ivanovitch e as Pulquéria Ivanovna ocupar-se da cultura doméstica do trigo, devemos preparar segadores que saibam, hoje, arrancar o joio, e amanhã ceifar o trigo*1.
Assim, nós não podemos, por intermédio da legalização, resolver o problema da criação de uma organização profissional menos clandestina e a maior possível (mas ficaríamos muito felizes se os Zubatov e os Ozerov nos oferecessem a possibilidade, mesmo parcial, de assim resolver o problema, pois devemos lutar contra eles com o máximo de energia!). Resta o caminho das organizações profissionais secretas, e devemos, por todos os meios, ajudar os operários que já seguem por esse caminho (sabemos isso de fonte segura). As organizações profissionais podem não somente ser de imensa utilidade para o desenvolvimento e o fortalecimento da luta econômica, mas, ainda, tornar-se um precioso auxiliar da agitação política e da organização revolucionária. Para chegar a esse resultado, para orientar o movimento profissional nascente no caminho desejado pela social-democracia, é preciso antes de tudo compreender bem o absurdo do plano de organização do qual se prevalecem, já há cinco anos, os "economistas- de Petersburgo. Esse plano também está exposto nos Estatutos da Caixa Operária, de julho de 1897 (Listok "Rab. ", n.º 9-10, p. 46, no n.º 1 da Rabótchaia Mys1) e nos Estatutos da Organização Operária Profissional, de outubro de 1900 (folha especial, impressa em São Petersburgo e mencionada no n.º 1 do Iskra). Esses estatutos têm um defeito essencial: expõem todos os detalhes de uma grande organização operária, que confundem com a organização de revolucionários.
Tomemos os segundos estatutos, melhor elaborados. Apresentam cinqüenta e dois parágrafos: 23 parágrafos expõem a estrutura, o modo de gestão e as funções dos “círculos operários” que serão organizados em cada fábrica ("não mais de 10 pessoas") e elegerão os "grupos centrais (de fábrica)". O parágrafo 2 especifica: "O grupo central observa tudo o que se passa na fábrica ou na usina, e se encarrega da crônica dos acontecimentos". "O grupo central presta contas do estado da caixa, mensalmente, a todos os contribuintes(parágrafo 17) etc.; dez parágrafos são dedicados à "organização de bairro?', e dezenove à intrincadíssima relação do "Comitê da Organização Operária" e do "Comitê da União de Luta de São Petersburgo (delegados de cada bairro e dos "grupos executivos" – “grupos de propagandistas para as relações com a província, para as relações com o exterior, para a administração dos depósitos, das edições, da caixa").
A social-democracia incorporada aos "grupos executivos", no que diz respeito à luta econômica dos operários! Seria difícil demonstrar de forma mais relevante como o pensamento do "economista" desvia-se do “social-democratismo" em direção ao sindicalismo, e como se preocupa pouco como fato de o social-democrata dever, antes de tudo, pensar em organizar revolucionários capazes de dirigir toda a luta emancipadora do proletariado. Falar da "emancipação política da classe operária", da luta contra a "arbitrariedade tzarista" e redigir semelhantes estatutos, significa nada compreender, mas absolutamente nada, das verdadeiras tarefas políticas da social-democracia. Nenhum dos cinqüenta parágrafos revela o menor traço de compreensão da necessidade de se fazer entre as massas uma grande agitação política, esclarecendo todos os aspectos do absolutismo russo, toda a fisionomia das diferentes classes sociais na Rússia. Além disso, com tais estatutos, não só os fins políticos mas mesmo os fins sindicais do movimento não poderiam ser atingidos, visto exigirem urna organização por profissões, da qual os estatutos nada dizem.
Mas o mais característico é talvez o surpreendente peso de todo esse "sistema", que procura ligar cada fábrica ao "comitê” por intermédio de regulamentos uniformes e minuciosos até ao ridículo, com um sistema eleitoral em três níveis. Comprimidos no estreito horizonte do "economicismo", o pensamento perde-se em detalhes que exalam um forte odor de papelada e burocracia. Na realidade, três quartos d esses parágrafos nunca serão aplicados; por outro lado, semelhante organização “clandestina”, com um grupo central em cada fábrica, facilita aos policiais as prisões em massa. Os camaradas poloneses já passaram por essa fase do movimento; houve um período em que todos desejavam fundar caixas operárias por toda a parte: mas logo renunciaram a essa idéia, quando se convenceram que simplesmente favoreciam os policiais. Se queremos amplas organizações operárias e não amplas ações policiais, se não queremos fazer o jogo dos policiais, devemos agir de forma que essas não sejam de modo algum regulamentadas. Mas 'poderão elas, então, funcionar? Consideremos um pouco essas funções: “Observar tudo o que se passa na fábrica e fazer a crônica dos acontecimentos" (§ 2 dos estatutos). Será preciso, na verdade, regulamentar essa função? Seu objetivo não será melhor atingido através das crônicas na imprensa ilegal, sem que grupos de qualquer espécie sejam especialmente constituídos para esse fim? "...
Dirigira lutados operários para melhorar sua condição na fábrica" (§ 3). Mais urna vez, é inútil regulamentar. Urna simples conversa basta para um agitador (mesmo pouco inteligente) saber exatamente quais são as reivindicações que os operários desejam formular; depois, conhecendo-as, saberá transmiti-las a uma organização restrita - e não ampla - de revolucionários, que editará um panfleto apropriado. "... Organizar uma caixa ... com a contribuição de 2 copegues por rublo" (§ 9) e prestar contas do estado da caixa, mensalmente, a todos os contribuintes (§ 17); excluir os membros que não paguem sua contribuição (§ 10) etc. Para a polícia, isto é um verdadeiro paraíso, pois nada é mais fácil do que denunciar esse trabalho de conspiração da "caixa central da fábrica", de confiscar o dinheiro e encarcerar toda a "elite". Não seria mais simples emitir selos de um ou dois copegues de uma certa organização (muito restrita e muito secreta), ou ainda, sem qualquer símbolo, fazer coletas, cujos resultados seriam dados por um jornal ilegal, em uma linguagem combinada? Dessa forma, os mesmos objetivos seriam atingidos, e a polícia teria de trabalhar cem vezes mais para descobrir a trama da organização.
Poderia continuar esta análise-tipo dos estatutos, mas creio já ter dito o bastante. Um pequeno núcleo compacto, composto de operários mais seguros, mais experimentados e mais fortalecidos, um núcleo tendo homens de confiança nos principais bairros, e ligado de acordo com as regras da mais estrita ação clandestina à organização dos revolucionários, poderá perfeitamente, com maior colaboração da massa e sem qualquer regulamentação, encarregar-se de todas as funções que competem a uma organização profissional e, além disso, realizá-las exatamente segundo as aspirações da social-democracia Somente assim poderemos consolidar e desenvolver, apesar de toda a polícia, o movimento profissional social-democrata.
Poderiam objetar que uma organização lose ao ponto de não ter qualquer regulamento, nem membros declarados e registrados, não poderia ser qualificada de organização. Talvez: não me importo com o nome. Mas, essa "organização sem membros" fará tudo o que é necessário, assegurará desde o princípio uma ligação sólida entre nossos futuros sindicatos e o socialismo. E aqueles que, sob o absolutismo, desejam uma grande organização de operários com eleições, contas prestadas, sufrágio universal etc., são todos utopistas incuráveis e de boa fé.
A moral a extrair disso é simples: se começamos por estabelecer urna organização de revolucionários, forte e sólida, poderemos assegurar a estabilidade do movimento em seu conjunto, atingir simultaneamente os objetivos sociais-democratas e os objetivos propriamente sindicais. Mas, se começamos por constituir uma organização operária ampla, pretensamente a mais "acessível" à massa (na realidade, a mais acessível aos policiais e que tornará os revolucionários mais acessíveis à polícia), não atingiremos nenhum desses objetivos. Não nos livraremos de nossos métodos artesanais e, pela nossa fragmentação, pelos nossos fracassos contínuos, apenas tornaremos mais acessíveis à massa os sindicatos do tipo Zubatov ou Ozerov.
Quais devem ser, propriamente, as funções dessa organização de revolucionários? Falaremos disso em detalhe. Mas examinaremos primeiro um outro raciocínio bem típico de nosso terrorista que, mais uma vez (triste destino o seu!), encontra-se próximo ao "economismo”. A Svoboda (nº1), revista para os operários, contém um artigo intitulado "A Organização”, cujo autor busca defender seus amigos, os "economistas" operários de Ivanovo-Voznessensk.
"É deplorável, diz ele, "quando uma multidão é silenciosa, inconsciente, quando um movimento não vem de baixo. Observem o que acontece em uma cidade universitária, quando os estudantes, na época de festas ou durante o verão, voltam para suas casas; o movimento operário paralisa-se. Um movimento operário estimulado a partir do exterior pode constituir uma força verdadeira? Não, certamente... Ainda não aprendeu a marchar por si, deve ser amparado. Isso ocorre em todo lugar: os estudantes partem, e o movimento cessa; os elementos mais capazes, a nata, são aprisionados, e o leite azeda; prende-se o 'Comitê', e enquanto um novo 'Comitê' não for formado, sobrevem a calmaria; e não se sabe ainda o que será o novo 'Comitê'; talvez não se assemelhe ao antigo: este dizia uma coisa, aquele dirá o contrário. Rompeu-se o laço entre ontem e hoje, a experiência do passado não beneficia o futuro. E tudo isso porque o movimento não tem raízes profundas na multidão; porque o trabalho é feito não por uma centena de imbecis, mas por unia dezena de cabeças dotadas de inteligência. Uma dezena de homens cai facilmente na boca do lobo; mas, quando a organização engloba a multidão, quando tudo vem da multidão, é impossível destruir o movimento?” (p. 63).
Os fatos estão fielmente relatados. Eis aí um bom quadro de nosso trabalho artesanal. Mas, as conclusões, p51a sua falta de lógica e tato político, são dignas da Rabótchaia Mys1 E o cúmulo da falta de lógica, pois o autor confunde a questão filosófica, histórica e social das “raízes profundas" do movimento com o problema de organização técnica de uma luta mais eficaz contra os policiais. É o cúmulo da falta de tato político, pois, em lugar de submeter os maus dirigentes aos bons dirigentes, o autor submete os dirigentes em geral à "multidão". É ainda uma forma de nos fazer retroceder no que diz respeito à organização, do mesmo modo que a idéia de substituir a agitação política pelo "terror excitativo" nos faz retroceder politicamente. Na verdade, encontro-mo diante de um embarras de richesses; não sei por onde começar a análise do imbróglio oferecido pela Svoboda. Para maior clareza, tentarei começar por um exemplo: tomemos os alemães. Espero que não neguem que, entre eles, a organização abrange a multidão, que tudo vem da multidão, que o movimento operário, na Alemanha, aprendeu a marchar sozinho. E contudo, como essa multidão de milhões de homens sabe apreciar a "dezena" de seus experimentados chefes políticos, e como os apoiam!
Mais de uma vez, no Parlamento, os deputados dos partidos adversários atormentaram os socialistas dizendo: "Que belos democratas são vocês! O movimento da classe operária; para vocês, existe apenas em palavras: na realidade, é sempre o mesmo grupo de chefes que faz tudo. Durante anos, durante dezenas de anos, é sempre o mesmo Bebel, o mesmo Liebknecht! Mas seus delegados, pretensamente eleitos pelos operários, são mais permanentes que os funcionários nomeados pelo imperador!"
Mas os alemães acolhem com um sorriso de desprezo essas tentativas demagógicas de opor a "multidão” aos "dirigentes", de acender nela os maus instintos, instintos de vaidade, e de privar o movimento de sua solidez e estabilidade, arruinando a confiança da massa nessa "dezena de cabeças dotadas de inteligência". Os alemães são bastante desenvolvidos politicamente, têm suficiente experiência política para compreender que, sem uma "dezena" de chefes capazes (os espíritos capazes não surgem às centenas), experimentados, profissionalmente preparados e instruídos por um longo aprendizado, perfeitamente de acordo entre si, nenhuma classe da sociedade moderna pode conduzir resolutamente a luta. Os alemães também tiveram seus demagogos, que adulavam as "centenas de imbecis- colocando-os acima das "dezenas de cabeças dotadas de inteligência"; que adulavam o "punho musculoso" da massa, empurravam (como Most ou Hasselmann) essa massa a atos “revolucionários" irrefletidos, e semeavam a desconfiança em relação aos chefes firmes e resolutos. E foi apenas graças a uma luta obstinada, implacável, contra os elementos demagógicos de toda espécie e de toda ordem no seio do socialismo, que o socialismo alemão cresceu tanto e fortaleceu-se. Ora, nesse período onde toda a crise da social-democracia russa explica-se pelo fato de as massas espontaneamente despertadas não terem dirigentes suficientemente preparados, desenvolvidos e experimentados, nossos sabichões vêm nos dizer sentenciosamente, com a profundidade de pensamento de um Gribouille*2 “É deplorável quando um movimento não vem de baixo!"
"Um comitê de estudantes não nos convém, porque é instável." Perfeitamente correto. Mas a conclusão a extrair é que é necessário um comitê de revolucionários profissionais, operários ou estudantes, pouco importa, que saibam proceder à sua educação de revolucionários profissionais. Enquanto que a conclusão que os senhores tiram, é que não é necessário estimular o movimento operário a partir do exterior! Em sua ingenuidade política, nem mesmo notam que assim fazem o jogo de nossos "economistas" e utilizam nossos métodos artesanais. Permitam-me colocar uma questão: como nossos estudantes "estimularam" nossos operários? Unicamente levando-lhes o pouco conhecimento político que eles próprios tinham, os fragmentos de idéias socialistas que puderam recolher (pois o principal alimento espiritual do estudante contemporâneo, o marxismo legal, não lhe pode oferecer senão o á-bê-cê e os fragmentos). Esse estímulo de fora não foi oferecido em abundância, ao contrário, em nosso movimento esse estímulo foi escandalosa e vergonhosamente insignificante; pois, até aqui, não fizemos mais do que "cozinharmo-nos mais do que o necessário em nosso próprio molho", inclinando-se servilmente diante da “elementar luta econômica dos operários contra os patrões e o governo”. Nós, revolucionários de profissão, devemos ocupar-nos cem vezes mais desse "estímulo”, e o faremos. Mas, justamente porque os senhores, empregam essa odiosa expressão, “estímulo a partir do exterior”, que inevitavelmente inspira o operário (pelo menos o operário tão pouco desenvolvido como os senhores) a desconfiar de todos aqueles que lhe trazem de fora os conhecimentos políticos e a experiência revolucionária, e suscita nele o desejo instintivo de mandar passear todas as pessoas desse tipo - os senhores mostram-se como demagogos; ora, os demagogos são os piores inimigos da classe operaria.
Perfeitamente! E não se apressem a gritar contra os procedimentos "inadmissíveis entre camaradas" de minha discussão! Nem penso em suspeitar da pureza de suas intenções; já disse que é possível tornar-se demagogo unicamente através da ingenuidade política. Mas mostrei que os senhores se deixaram levar até à demagogia. E jamais deixarei de repetir que os demagogos são os piores inimigos da classe operária. Os piores, precisamente, porque acendem os maus instintos da multidão, e é impossível para os operários pouco desenvolvidos reconhecer esse inimigos que se apresentam, e às vezes sinceramente, como seus amigos. Os piores porque, nesse período de dispersão e de hesitação, quando nosso movimento ainda se busca, nada mais fácil do que arrastar demagogicamente a multidão, que só as provações mais amargas poderão, depois, convencer de seu erro. Eis por que a palavra de ordem do momento para os sociais-democratas russos deve ser a luta resoluta contra a Svoboda, que se deixa levar à demagogia, e contra o Rabótcheie Dielo, que também assim procede (ainda voltaremos a isso*3).
“É mais fácil caçar uma dezena de cabeças dotadas de inteligência do que uma centena de imbecis." Essa grande verdade (que sempre receberá o aplauso da centena de imbecis) parece evidente apenas porque, no curso de seu raciocínio, os senhores pularam de uma questão a outra.
Começaram e continuam a falar da captura do "Comitê", da "organização”, e agora passam a uma outra questão, à capturadas "raízes"' do movimento "em profundidade". Certamente, nosso movimento é apreensível, porque tem centenas de milhares de profundas raízes, mas não é essa a questão, de modo algum. Mesmo agora, apesar de todos os nosso métodos artesanais, e impossível "apreendermos", ou a nossas “profundas raízes; e todavia, todos deploramos, e não podemos deixar de deplorar, a captura das "organizações”, o que impede toda continuidade no movimento. Ora, se os senhores colocam a questão da captura das organizações, e se prendem a essa questão, dir-lhes-ei que é muito mais difícil apreender uma dezena de cabeças dotadas de inteligência do que uma centena de imbecis. E sustentarei esta tese, não importa o que façam para excitar a multidão contra meu "anti-democratismo" etc. É preciso entender por "cabeças inteligentes", em matéria de organização, como já mencionei em várias ocasiões, unicamente os revolucionários profissionais, estudantes ou operários de origem, pouco importa. Ora, eu afirmo: 1º) que não seria possível haver movimento revolucionário sólido sem uma organização estável de dirigentes, que assegure a continuidade do trabalho; 2º) que quanto maior a massa espontaneamente integrada à luta, formando a base do movimento e dele participando, mais imperiosa é a necessidade de se ter tal organização, e mais sólida deve ser essa organização (senão será mais fácil para os demagogos arrastar as camadas incultas da massa); 3º) que tal organização deve ser composta principalmente de homens tendo por profissão a atividade revolucionária; 4º) que, em um país autocrático, quanto mais restringirmos o contingente dessa organização, ao ponto de aí não serem aceitos senão os revolucionários de profissão que fizeram o aprendizado na arte de enfrentar a polícia política, mais difícil será "capturar” tal organização e 5º) mais numerosos serão os operários e os elementos das outras classes sociais, que poderão participar do movimento e nele militar de forma ativa.
Convido nossos "economistas", nossos terroristas, e nossos "economistas terroristas*4" a refutar essas teses, das quais, neste momento, desenvolverei apenas as duas últimas. A questão de saber se é mais fácil capturar uma "dezena de cabeças dotadas de inteligência" ou uma "centena de imbecis” reconduz à questão que analisei mais acima: é possível uma organização de massa no quadro de um regime estritamente clandestino? Jamais poderemos dar a uma grande organização caráter clandestino, sem o qual não seria possível falar de uma luta firme contra o governo, cuja continuidade fosse assegurada. A concentração de todas as funções clandestinas entre as mãos do menor número possível de revolucionários profissionais não significa absolutamente que esses "pensarão por todos”, que a multidão não tomará parte ativa no movimento. Ao contrário, a multidão fará surgir esses revolucionários profissionais em número sempre maior, pois saberá, então, que não basta alguns estudantes e alguns operários, que conduzem a luta econômica, reunirem-se para constituir um "comitê", mas é necessário, durante anos, que procedam à sua educação de revolucionário profissional; e a multidão não "pensará" unicamente no trabalho artesanal, mas exatamente nessa educação. A centralização. das funções clandestinas da organização não significa absolutamente a centralização de todas as funções do movimento. Longe de diminuir, a colaboração ativa de maior quantidade de literatura ilegal multiplicar-se-á dez vezes, quando uma "dezena" de revolucionários profissionais centralizarem em suas mãos a edição clandestina dessa literatura. Então, e somente então, conseguiremos que a leitura das publicações ilegais, a colaboração nessas publicações e mesmo, até certo ponto, a sua difusão deixem (quase) de ser clandestinas: a polícia logo terá compreendido o absurdo e a impossibilidade de perseguição judicial e administrativa a propósito de cada exemplar de publicações distribuídas aos milhares. E isto é verdade, não somente para a imprensa, mas também para todas as funções do movimento, inclusive as manifestações. A participação mais ativa e maior da massa em uma manifestação, longe de sofrer com isso, ganhará mais se uma "dezena" de revolucionários experimentados, e pelo menos tão bem preparados profissionalmente como nossa polícia, centralizar todos os aspectos clandestinos: elaboração de panfletos, de um plano aproximado, nomeação de um grupo de dirigentes para cada bairro da cidade, cada grupo de fábricas, cada estabelecimento de ensino etc. (Sei que poderão objetar que meus pontos de vista “nada têm de democrático”, mas responderei a tal objeção, mais adiante, e em detalhe, que nada é menos inteligente). A centralização das funções mais clandestinas pela organização dos revolucionários, longe de enfraquecer, enriquecerá e estenderá a ação de uma multidão de outras organizações que se dirigem ao grande público e que, por seu razão, também são tão pouco regulamentadas e clandestinas quanto possível: associações profissionais de operários, círculos operários de instrução e de leitura de publicações ilegais, círculos socialistas e também círculos democráticos para todas as outras camadas da população etc. etc. Esses círculos, associações profissionais de operários e organizações são necessários em toda a parte; é preciso que sejam mais numerosos e que suas funções sejam as mais variadas; mas é absurdo e prejudicial confundi-las com a organização de revolucionários, apagar a linha de demarcação que existe entre elas, extinguir na massa o sentimento já incrivelmente adormecido de que, para "servir” um movimento de massa, é preciso ter homens que se dediquem especial e integralmente à atividade social-democrata, e que, paciente e obstinadamente, procedam à sua educação de revolucionários profissionais.
Sim, esse sentimento está incrivelmente adormecido. Através de nossos métodos artesanais, comprometemos o prestígio dos revolucionários na Rússia; é o nosso pecado capital em matéria de organização. Um revolucionário sem energia, hesitante nos problemas teóricos, com horizontes limitados, justificando sua inércia pela espontaneidade do movimento de massa; mais semelhante a um secretário de sindicato que a um tribuno popular, incapaz de apresentar um plano amplo e corajoso, que imponha o respeito de seus próprios adversários, um revolucionário sem experiência e pouco hábil em sua arte profissional - a luta contra a polícia política - será um revolucionário? Não, não passa de um artesão digno de piedade.
Que nenhum prático se ofenda com esse epíteto severo, pois, no que diz respeito à falta de preparação, aplico esse epíteto a mim mesmo, antes de todos. Trabalhei em um círculo que se atribuía tarefas muito amplas e múltiplas; todos nós, membros desse círculo, sofremos muito ao percebermos que éramos apenas os artesãos naquele momento histórico em que se poderia dizer, parafraseando a célebre máxima: Dêem-nos uma organização de revolucionários e revolucionaremos a Rússia! E quanto mais me recordo desse agudo sentimento de vergonha que então experimentei, mais sinto aumentar em mim a amargura contra esses pseudo-sociais-democratas, cuja propaganda “desonra o título de revolucionário”, e que não compreendem que nossa tarefa não é defender o rebaixamento do revolucionário ao nível de artesãos, mas de elevar os artesãos ao nível dos revolucionários.
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*1 A luta do Iskra contra o joio provocou, da parte do Rabótcheie Dielo, esta saída indignada: "Para o Iskra, o sinal dos tempos não é tanto os grandes acontecimentos (da primavera); como os esforços em vão dos agentes de Zubatov para "legalizar" o movimento operário. Não vê que esses fatos depõem contra ele: testemunham que o movimento operário assumiu proporções inquietantes aos olhos do governo- (Dois Congressos, p. 27). A culpa disto cabe ao dogmatismo- desses ortodoxos "surdos aos imperativos da vida”. Obstinam-se em não querer enxergar as espigas de um metro de altura e lutam contra o joio ao rés do chão! isto não significa "deformar o sentido da perspectiva em relação ao movimento operário russo?” (Idem, p. 27) 
*2 Aquele que se atirou à água, com medo de se molhar à chuva (N.T.). 
*3 Apenas observamos aqui que, tudo o que já dissemos sobre o "estimulo de fora", bem como todos os raciocínios ulteriores da Svoboda sobre a organização. referem-se inteiramente a todos os "economistas”, aí também compreendidos os "rabotchedicitsy" que, em parte, pregaram e defenderam ativamente as mesmas formas de ver os problemas de organização, e em parte desviaram-se disso. 
*4 Esse termo seria talvez mais correto que o anterior, no que diz respeito à Svoboda, no Renascimento do Revolucionarismo defende-se o terrorismo, e no artigo em foco, o “economismo”. "As uvas estão verdes”, pode-se dizer em geral da Svoboda. A Svoboda tem excelentes aptidões e as melhores intenções, e, contudo, o resultado a que chega é principalmente a confusão, porque, pregando a continuidade da organização, a Svoboda nada quer saber da continuidade do pensamento revolucionário e da teoria social-democrata. Esforçar-se para ressuscitar o revolucionário profissional (o Renascimento do Revolucionarismo) e para tanto propor, primeiro, o terror excitativo e, em seguida, a -organização dos operários médios- (Svoboda n.º 1, p. 66 e seguintes) menos “estimulados externamente”, é na verdade demolir a casa para ter madeira para aquecê-la. 


D) Envergadura do trabalho de organização 

Como já vimos, B-v fala da “escassez de forças revolucionárias aptas para a ação, que se faz sentir não apenas em Petersburgo, mas em toda a Rússia". Não creio que se encontre alguém para contestar esse fato. Trata-se, porém, de saber como explicá-lo. B-v escreve:

“Não vamos aprofundar-nos nas razões históricas desse fenômeno; diremos somente que, desmoralizada por uma prolongada reação política e dividida pelas mudanças econômicas que se processaram e ainda se processam, a sociedade fornece apenas uni número infinitamente restrito de pessoas aptas ao trabalho revolucionário; a classe operária, fornecendo os revolucionários-operários, completa em parte as fileiras das organizações ilegais, porém, o número desses revolucionários não corresponde às necessidades da época. Tanto mais que o operário, pela sua própria situação, pois está ocupado onze horas e meia por dia na fábrica, pode apenas preencher funda mentalmente as funções de agitador, enquanto a propaganda e a organização, e reprodução e a distribuição da literatura ilegal, a publicação de proclamações etc., constituem forçosamente, em sua grande maioria, as funções de um número ínfimo de intelectuais” (Rabótcheie Dielo, nº6, p. 38-39).

Não estamos de acordo com essa opinião de B-v em relação a vários pontos, e grifamos especialmente os que mostram de forma relevante que, tendo sofrido muito por causa de nosso trabalho artesanal (como todo militante que pensa um pouco), B-v, subjugado pelo "economismo”, não consegue encontrar um meio de sair dessa situação intolerável. Não, a sociedade fornece um número muito grande de homens aptos ao "trabalho”, mas não sabemos utilizá-los a todos. O estado crítico, o estado transitório de nosso movimento nesse aspecto pode ser assim formulado: Há falta de homens embora os homens existam em grande quantidade. Os homens existem em grande quantidade porque a classe operária e camadas cada vez mais variadas da sociedade fornecem, a cada ano, um número sempre maior de descontentes, desejosos de protestar, prontos a cooperar de acordo com suas forças na luta contra o absolutismo, cujo caráter intolerável ainda não foi reconhecido por todo o mundo, mas é cada vez mais vivamente sentido por uma massa cada vez maior. E, ao mesmo tempo, há falta de homens, porque não há dirigentes, chefes políticos, organizadores capacitados para realizar um trabalho simultaneamente amplo, coordenado e harmonioso, que permita utilizar todas as forças, mesmo as mais insignificantes. “O crescimento e o desenvolvimento das organizações revolucionárias" retardam não apenas o crescimento do movimento operário - como o reconhece o próprio B-v -, mas também o crescimento do conjunto do movimento democrático em todas as camadas do povo. (Aliás, é provável que hoje B-v subscrevesse tal complemento de sua conclusão). O quadro do trabalho revolucionário é demasiado restrito em relação à grande base espontânea do movimento, e está demasiado comprimido pela precária teoria da “luta econômica contra os patrões e o governo”. Ora, hoje, não são apenas os agitadores políticos, mas também os sociais-democratas organizadores que devem "ir a todas as classes da população”*1. Os sociais-democratas poderão perfeitamente repartir as inúmeras funções fragmentárias de seu trabalho de organização entre os representantes das mais diversas classes: nenhum militante, creio eu, duvidará disso. A falta de especialização, que B-v lamenta amargamente e com tanta razão, constitui um dos maiores defeitos de nossos procedimentos técnicos. Quanto menores forem as diferentes "operações" da ação comum, tanto maior será o número de pessoas capazes de executá-las que poderão ser encontradas (e, na maior parte dos casos,- completamente incapazes de se tornarem revolucionários profissionais); quanto mais difícil for para a polícia "marcar" todos esses "militantes especializa dos", mais difícil será montar, com o delito insignificante de um indivíduo, um "caso" de importância que justifique as verbas despendidas pelo Estado com a "segurança". Quanto ao número de pessoas, prontas a nos fornecer sua cooperação, já observamos, no capítulo precedente, a grande mudança que se processou a esse respeito, somente nos últimos cinco anos. Mas, por outro lado, para agrupar todas essas mínimas frações em um todo e para não fragmentar o próprio movimento juntamente com as funções, para inspirar o executante das pequenas funções a fé na necessidade e na importância de seu trabalho, sem a qual jamais realizará nada*2, para tudo isto é preciso ter um forte organização de revolucionários experimentados. Com tal organização, a fé na força do partido será fortalecida e expandir-se-á de forma cada vez mais intensa quanto mais essa organização for clandestina; ora, na guerra, todos nós sabemos que o que importa acima de tudo não é apenas inspirar ao exército a confiança em suas próprias forças, mas também impô-la ao inimigo e a todos os elementos neutros; por vezes uma neutralidade benevolente pode decidir a vitória. Com tal organização fundamentada em base teórica bastante firme e dispondo de um órgão social-democrata, nada haverá a recear quanto ao fato de o movimento poder ser desviado pelos numerosos elementos de "fora", que a ele tenham aderido (ao contrário, é exatamente agora com o trabalho artesanal que predomina entre nós, que vemos inúmeros sociais-democratas empurrarem o movimento em direção ao Credo, pretendendo serem os únicos sociais-democratas). Em uma palavra, a especialização implica necessariamente a centralização, exigindo-a de forma absoluta.
Mas o próprio B-v, que tão bem demonstrou toda a necessidade da especialização, não avalia suficientemente o seu valor, conforme nos parece, na segunda parte do raciocínio citado. Diz ele que o número de revolucionários saídos dos meios operários é insuficiente. Essa observação é perfeitamente correta, e mais uma vez sublinhamos que a "preciosa informação de um observador direto" confirma inteiramente nosso ponto de vista sobre as causas da crise atual da social-democracia e, portanto, sobre os meios de remediá-la. Não são apenas os revolucionários que, em geral, estão atrasados em relação ao impulso espontâneo das massas operárias. E esse fato confirma com toda a evidência, mesmo do ponto de vista "prático", não apenas o absurdo, mas também o caráter político reacionário da “pedagogia” com que somos obsequiados freqüentemente a propósito de nossos deveres em relação aos operários. Atesta que nossa primeira e imperiosa, obrigação é contribuir para formar revolucionários operários, que estejam no mesmo nível dos revolucionários intelectuais em relação à sua atividade no Partido. (Grifamos "em relação à atividade no Partido, pois, em relação aos outros aspectos, atingir esse mesmo nível constitui, para os operários, algo muito menos fácil e muito menos urgente, embora necessário). Por isso, é preciso que nos dediquemos principalmente a elevar os operários ao nível dos revolucionários, e nunca devemos descer, nós próprios, ao nível da "massa operária" como desejam os "economistas", ao nível do "operário médio" como quer a Svoboda (que, sob esse aspecto, eleva ao quadrado a "pedagogia" economista). Longe de mim negar a necessidade de uma literatura popular para os operários, e de uma outra especificamente popular (mas não uma literatura de carregação) para os operários mais atrasados. Mas o que me revolta é essa tendência de se unir a pedagogia às questões de política, às questões de organização. Porque, afinal, os Senhores que se arvoram em defensores do "operário médio", insultam antes de tudo esse operário, sempre que manifestam o desejo de se inclinarem em sua direção, ao invés de lhe falarem de política operária ou de organização operária.
Corrijam-se, portanto, e falem de coisas sérias, deixando a pedagogia aos pedagogos, e não aos políticos e aos organizadores! Não existem também entre os intelectuais elementos avançados, elementos "médios" e uma "massa"? Não reconhecem todos a necessidade de uma literatura popular para os intelectuais, e não se publica essa literatura? Mas imaginem que, em um artigo sobre a organização de estudantes universitários ou colegiais, o autor, em tom de quem faz uma descoberta, fica repisando inutilmente que antes de mais nada é preciso uma organização de "estudantes médios". Com toda a certeza, e justamente, tal autor seria ridicularizado. Mas, poderão dizer-lhe: Dê-nos algumas idéias sobre a organização, se é que as tem, e deixe-nos a tarefa de ver quais são entre nós os elementos "médios", superiores ou inferiores; se não tiver, porém, idéias próprias sobre a organização, todos os seus discursos sobre "a massa” e sobre os elementos "médios" serão simplesmente fastidiosos. Portanto, as questões de "política" e de "organização" são em si mesmas tão sérias, que somente podem ser tratadas seriamente: pode-se e deve-se preparar os operários (e também os estudantes universitários e colegiais) de modo a se poder abordar diante deles essas questões, mas, uma vez abordadas, dêem-lhes uma resposta verdadeira, não façam marcha à ré em direção aos "médios" ou à “massa", não se considerem dispensados com frases ou anedotas*3.
A fim de se preparar integralmente para essa tarefa,- o operário revolucionário deve tornar-se também um revolucionário profissional. Por isso, B-v não tem razão ao dizer que, estando o operário ocupado durante onze horas e meia na fábrica, as outras funções revolucionárias (salvo a agitação) "devem estar a cargo forçosamente de um número ínfimo de intelectuais". De forma alguma isto acontece "forçosamente", mas, sim em conseqüência de nosso atraso; porque não compreendemos nosso dever, que é ajudar todo operário que se faz notar por suas capacidades a se tornar agitador, organizador, propagandista, divulgador profissional etc. etc. Em relação a esse aspecto, desperdiçamos vergonhosamente nossas forças, pois não sabemos cuidar do que precisa ser cultivado e desenvolvido com o maior desvelo. Vejam os alemães: têm cem vezes mais forças que nós, mas compreendem perfeitamente que os operários "médios" não fornecem com muita freqüência agitadores verdadeiramente capazes etc. Por isso, tomam a peito a questão de colocar imediatamente todo operário capaz em condições que lhe permitam desenvolver a fundo e aplicar suas aptidões; fazem dele um agitador profissional, encorajam-no a alargar seu campo de ação, a estendê-lo de uma única fábrica a toda a profissão, de uma única localidade a todo o país. Assim, adquire a experiência e a habilidade em sua profissão; alarga o seu horizonte e seus conhecimentos, observa de perto os chefes políticos eminentes de outras localidades e de outros partidos; esforça-se por elevar a si próprio ao nível de tais chefes e aliar o conhecimento do meio operário e o ardor da fé socialista à competência profissional, sem a qual o proletariado não pode empreender uma luta tenaz contra um inimigo perfeitamente preparado. E assim, e apenas assim, que surgem os Bebel e os Auer da massa operária. Mas aquilo que em um país politicamente livre é feito por si só, entre nós deve ser realizado sistematicamente por nossas organizações. Todo agitador operário, um pouco dotado e em quem se "deposite esperanças", não deve trabalhar onze horas na fábrica. Devemos cuidar para que viva por conta do partido e possa, no momento desejado, passar à ação clandestina, mudar de localidade, pois, de outro modo, não adquirirá grande experiência, não alargará seu horizonte, não se poderá manter sequer por alguns anos na luta contra os policiais. Quanto mais amplo e profundo tornar-se o impulso espontâneo das massas operárias, mais serão colocados em destaque aqueles agitadores de talento, e também os organizadores e propagandistas talentosos e “práticos" no melhor sentido da palavra (que são tão poucos entre nossos intelectuais, em sua maioria tão apáticos e indolentes à maneira russa). Quando tivermos destacamentos de operários revolucionários especialmente preparados (e, bem entendido, de “todas as armas” da ação revolucionária) por um longo aprendizado, nenhuma polícia política do mundo poderá derrubá-los, porque esses destacamentos de homens devotados de corpo e alma à revolução gozarão da confiança ilimitada das massas operárias. E cometemos um erro não "empurrando" bastante os operários para esse caminho, comum tanto a eles como aos intelectuais, o caminho da aprendizagem revolucionária profissional, e arrastando-os com muita freqüência para trás. através de nossos discursos estúpidos sobre o que é "acessível" à massa operária, aos "operários médios” etc.
Também sob esse aspecto, a estreiteza do trabalho de organização apresenta uma conexão inegável, íntima (embora a imensa maioria dos "economistas" e dos práticos novatos não tenham consciência disso) com a restrição de nossa teoria e de nossas tarefas políticas. O culto da espontaneidade faz com que de certa forma tenhamos medo de nos afastarmos nem que seja um só passo daquilo que é "acessível" à massa; de nos elevarmos muito acima da simples satisfação de suas necessidades diretas e imediatas. Nada temam, Senhores! Lembrem-se que em matéria de organização estamos em tão baixo nível que é até absurdo pensar que poderíamos subir tão alto!
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*1 Assim, nos meios militares observa-se, ultimamente, uma retorna da incontestável do espírito democrático, em parte devido à freqüência, sempre maior, dos combates de rua contra os "inimigos" como os operários e os estudantes. E, desde que nossas forças permitam, devemos prestar a mais séria atenção à propaganda e à agitação entre os soldados e os oficiais, à criação de "organizações militares" filiadas a nosso Partido. 
*2 Um camarada contou-me uma vez que um inspetor de fábrica, que ajudara a social-democracia e estava pronto a continuar a ajudá-la, queixava-se amargamente de não saber se suas -informações- chegavam ao organismo revolucionário central, se sua colaboração era necessária e em que medida seus pequenos. ínfimos serviços eram utilizáveis. Todo militante poderia citar inúmeros casos semelhantes, onde nossos métodos artesanais nos fizeram perder aliados. Ora. não apenas os empregados e funcionários de fábricas, mas também os dos correios, ferrovias, alfândega, da nobreza, do clero e de todas as outras instituições. inclusive a policia e a justiça. poderiam prestar-nos e prestar-nos-iam -pequenos- serviços cujo total seria de um valor inestimável! Se tivéssemos desde agora um partido verdadeiro, uma organização verdadeiramente combativa de revolucionários, não utilizaríamos diretamente esses auxiliares, não nos apressaríamos em integrá-los sempre e necessariamente à "ação ilegal”; muito ao contrário, os homens para essas funções seriam preparados e formados especialmente, sabendo-se quantos estudantes poderiam ser mais úteis ao Partido como funcionários "auxiliares” do que como revolucionários "a curto prazo”. Mas, repito, apenas uma organização já perfeitamente sólida, e que disponha de forças ativas em quantidade suficiente, tem o direito de aplicar essa tática.
*3 Svoboda. n.º 1, artigo “A Organização”. p. 66: “Amassa operária apoiará em peso todas as reivindicações que serão formuladas em nome do Trabalho da Rússia” (naturalmente, Trabalho com letra maiúscula). E o autor ainda exclama: “Não sou de forma alguma hostil aos intelectuais, mas"... (e é este mas que Chendrine traduziu pelo ditado: não se salta mais alto que as orelhas!). ... “Mas fico sempre terrivelmente irritado, quando alguém vem me dizer uma série de coisas muito lindas e notáveis, exigindo que sejam aceitas por sua beleza (dele?) e outros méritos” (p. 62). Eu também “fico sempre terrivelmente irritado"...


e) A organização de "conspiradores" e o "democratismo"
E é justamente isso que temem acima de tudo aquelas pessoas muito numerosas entre nós cujo "senso das realidades" é extremamente desenvolvido, e que acusam os que apoiam o ponto de vista aqui exposto Zie aferrar-se à opinião da "Narodnaia Volia", de não compreender o "democratismo" etc. Devemos deter-nos nessas acusações, que o Rabótcheie Dielo naturalmente também apoiou.
O autor destas linhas sabe muito bem que os "economistas" de Petersburgo já acusavam a Rabótchaia Gazeta de entregar-se ao “narodovolisrno” (o que é compreensível, se comparada à Rabótchaia Mysl). Por isso, absolutamente não nos surpreendemos ao saber através de um camarada, pouco depois do nascimento do Iska, que os sociais-democratas da cidade X ... chamavam-no de órgão do "narodovofismo-. Tal acusação, evidentemente, constituiu para nós um elogio, pois qual é o social-democrata digno desse nome, que os "economistas" não tenham acusado de "narodovolismo"?
Essas acusações originam-se em um duplo mal-entendido. Em primeiro lugar, a história do movimento revolucionário é tão precariamente conhecida entre nós, que é taxada de "narodovolismo toda idéia referente a uma organização de combate centralizada e que declare resolutamente a guerra contra o tzarismo. Mas a excelente organização revolucionária de 1870-1880 que deveria servir de modelo a todos nós. não foi criada pelos partidários da "Narodnaia Volia", mas pelos adeptos de "Zemlia i Volia", que em seguida cindiram-se em partidários do "Tcherny Perediel" e em narodovoltsy. Portanto, ver em uma organização revolucionária de combate uma herança específica dos "narodovoltsy" constitui um absurdo histórico e lógico, pois toda tendência revolucionária, ainda que vise pouco seriamente a luta, não poderia prescindir de uma organização desse gênero. Isto não constituiu o erro, mas, sim, o grande mérito histórico dos “narodovoltsy”, o fato de serem tentados a atrair todos os descontentes para sua organização e de orientá-la para a luta decisiva contra a autocracia. O erro dos "narodovoltsy" consistiu em se terem apoiado sobre uma teoria que, no fundo, não era de forma alguma revolucionária, e em não terem sabido, ou podido, ligar indissoluvelmente seu movimento à luta de classes no seio da sociedade capitalista em desenvolvimento. E só a mais grosseira incompreensão do marxismo (ou, sua "compreensão- no espírito do "struvismo") podia conduzir à crença de que o nascimento de um movimento operário de massa espontâneo nos libera da obrigação de criar uma organização revolucionária tão boa, ou incomparavelmente melhor, do que a de "Zemlia “Volia". Ao contrário, esse movimento nos impõe precisamente essa obrigação, pois, a luta espontânea do proletariado não se transformará em uma verdadeira 1uta de classe" do proletariado enquanto não for dirigida por uma forte organização de revolucionários.
Em segundo lugar, há muitos - e ao que parece aí está incluído B. Kritchévski (Rab. Dielo, n.º 10, p. 18) - que interpretam falsamente a polêmica de que os sociais-democratas sempre foram contra a concepção da luta política como "conspiração”. Combatemos e sempre combateremos a limitação de luta política às dimensões de uma conspiração, mas isto não significa absolutamente, como se pensa, que neguemos a necessidade de uma organização revolucionária forte. Assim, na brochura mencionada na nota, encontra-se ao lado da polêmica contra aqueles que desejariam restaurar a luta política como uma conspiração, o esboço de uma organização (apresentada como o ideal dos sociais-democratas) bastante forte para poder "recorrer à insurreição" e a qualquer "outra forma de ataque", "a fim de dar um golpe decisivo no absolutismo*1”. Considerando-se apenas sua forma, essa organização revolucionária em um país autocrático pode ser qualificada como organização "de conspiração", pois o segredo lhe é absolutamente necessário e indispensável, a ponto de todas as outras funções (número de membros, escolha dos membros, suas funções etc.) deverem ajustar-se a isso. Estaríamos, portanto sendo muito ingênuos se nós, sociais-democratas receássemos ser acusados de criar uma organização de conspiração. Semelhante acusação também é lisonjeira para todo inimigo do "economismo", tal como a acusação de “narodovolismo”.
Ouviremos, porém, a objeção de que uma organização tão poderosa e tão estritamente secreta, que concentre em suas mãos' todos os fios de ação clandestina, organização necessariamente centralizada, pode lançar-se ao ataque prematuro de maneira demasiado fácil e estimular de forma imprudente o movimento, antes que este se torne possível e necessário pelos progressos do descontentamento político, pela força da efervescência. e da exasperação da classe operária etc. A isso responderemos: Falando de maneira abstrata, evidentemente não seria possível negar que uma organização de combate pudesse empenhar-se irrefletidamente em uma batalha, que pode terminar em derrota e que, em outras condições, não aconteceria. Mas, no caso, é impossível restringir-se a considerações abstratas, pois todo combate implica possibilidades abstratas de derrota, e não há outro meio de diminuí-las senão preparando-se sistematicamente para o combate. E se a questão é colocada sobre o terreno concreto da situação russa de hoje, chega-se à conclusão positiva de que uma organização revolucionária forte é absolutamente necessária justamente para dar estabilidade ao movimento, e preservá-lo da possibilidade de ataques irrefletidos. Agora, quando nos falta essa organização e o movimento revolucionário espontâneo faz rápidos progressos, já se observa o aparecimento de dois extremos opostos (que, como é lógico, “tocam-se"): um "economismo” completamente inconsistente e a prédica da moderação, ou então um "terrorismo excitativo" não menos inconsistente, buscando "provocar artificialmente os sintomas para colocar um termo ao movimento, em um movimente que progride e se fortalece. mas que ainda está mais perto, de seu ponto de partida do que de seu fim". (V. Zassoulitch, Zaria n.º 2-3, p. 353) 0 exemplo do Rabótcheie Dielo mostra que Já existem sociais-democratas que cedem diante desses dois extremos. Isto nada apresenta de surpreendente, pois, abstraindo-se as outras circunstâncias, "a luta econômica contra os patrões e o governo" jamais satisfará a um revolucionário, e os extremos opostos sempre aparecerão, aqui ou ali. Apenas uma organização de combate centralizada que pratique com firmeza a política social-democrata e, por assim dizer, que satisfaça a todos os instintos e aspirações revolucionárias, está em condições de preservar o movimento contra um ataque irrefletido e preparar outro que prometa o êxito.
Em seguida, ser-nos-á colocada a objeção de que nosso ponto de vista sobre a organização está em contradição com o "princípio democrático". Da mesma forma que a acusação precedente apresenta uma origem especificamente russa, esta apresenta um caráter especificamente estrangeiro. Apenas uma organização sediada no estrangeiro (a “União dos Sociais-Democratas Russos”) podia dar à sua redação, entre outras, a seguinte instrução:
“Princípio de organização. No interesse do bom desenvolvimento da união da social-democracia, é conveniente sublinhar. desenvolver, reivindicar o princípio de unia ampla democracia na organização do Partido, o que se tornou particularmente necessário. pelas tendências antidemocráticas que se revelaram nas fileiras de nosso Partido” (Dois Congressos. p. 18).
Veremos no capítulo seguinte como o Rabótcheie Dielo luta contra as "tendências antidemocráticas" do Iskra. No momento, examinaremos mais de perto esse “princípio" colocado pelos "economistas". O “princípio de urna ampla democracia” como todos provavelmente concordarão, implica duas condições expressas: em primeiro lugar, a publicidade completa e, em segundo, a eleição para todas as funções. Seria ridículo falar de "democratismo" sem uma publicidade que não se limitasse aos membros da organização. “Chamaremos ao partido socialista alemão uma organização democrática, pois tudo aí se faz abertamente, até as sessões do congresso do partido; mas ninguém qualificará de democrática uma organização encoberta pelo véu do segredo para todos aqueles que são membros. Por que então colocar o “princípio de uma ampla democracia”, quando a condição essencial desse princípio, é inexeqüível para uma organização clandestina? Esse "amplo princípio". no caso, é apenas uma frase sonora, porém oca. E ainda mais. Essa frase atesta uma incompreensão total das tarefas imediatas em matéria de organização.
Todos sabem que, entre nós, a "grande" massa dos revolucionários guarda mal o segredo. Vimos com que amargura B.v queixa-se, reclamando com justa razão uma "seleção rigorosa dos membros" (Rab. Dielo, nº6, p.42). E eis que as pessoas que se vangloriam de seu “senso das realidades" vêm sublinhar em uma situação semelhante, não a necessidade de um segredo rigoroso e de uma seleção severa (portanto, mais restrita) dos membros, mas o "princípio de uma ampla democracia"! É o que se chama “meter os pés pelas mãos”.
Em relação ao segundo critério do "democratismo", o princípio eletivo, as coisas não são melhores. Nos países onde reina a liberdade política, esse fator existe por si mesmo. "São membros do partido todos aqueles que reconhecem os princípios de seu programa e apoiam o partido na medida de suas forças", diz o primeiro parágrafo dos estatutos do partido social-democrata alemão. E como a arena política é visível a todos, como o palco de um teatro para os espectadores, todos sabem pelos jornais e assembléias públicas se essa ou aquela pessoa reconhece ou não esses princípios, apoia o partido ou a ele se opõe. Sabe-se que tal militante político teve esse ou aquele início, teve essa ou aquela evolução, que em um determinado momento difícil de sua vida comportou-se de uma determinada maneira, que se distingue por essas ou aquelas qualidades; além disso, todos os membros do partido podem, com conhecimento de causa, eleger ou não esse militante para um determinado posto do partido. O controle geral (no sentido restrito da palavra) de cada passo dado por um membro do partido em sua carreira política cria um mecanismo que funciona automaticamente, e que assegura o que em biologia se denomina a "sobrevivência do mais apto". Graças a essa “seleção natural", resultado de uma publicidade completa, da elegibilidade e do controle geral, cada militante encontra-se afinal "classificado em seu lugar”, assume a tarefa mais apropriada a suas forças e capacidades, arca ele próprio com todas as conseqüências de suas faltas, e demonstra diante de todos sua capacidade de tomar consciência de suas faltas e evitá-las.
Tentem encaixar esse quadro na moldura de nossa autocracia! Seria possível entre nós, que todos aqueles "que reconhecem os princípios do programa do partido e o sustentam na medida de suas forças", pudessem controlar cada passo dado pelos revolucionários clandestinos? Que todos fizessem uma escolha entre esses últimos,, quando o revolucionário é obrigado, no interesse do trabalho, a esconder aquilo que realmente é de nove entre dez pessoas? Se refletíssemos um pouco no verdadeiro sentido das frases grandiloqüentes lançadas; pelo Rabótcheie Dielo, compreenderíamos que o "amplo democratismo" da organização do partido, nas trevas da autocracia e sob o regime da seleção praticada pelos policiais, “não é senão uma futilidade prejudicial, pois, de fato, nenhuma organização revolucionária jamais aplicou, nem poderá aplicar, apesar de toda sua boa vontade, um amplo "democratisrno". E uma futilidade prejudicial, pois as tentativas para se aplicar de fato o "princípio de uma ampla democracia" apenas facilitam o grande número de detenções que a polícia realiza, perpetuam o reinado do trabalho artesana1 desviam o pensamento dos práticos de sua séria e imperiosa tarefa, que é, “proceder à educação de revolucionários profissionais, para a redação de detalhados estatutos "burocráticos sobre os sistemas de eleições. Apenas no estrangeiro, onde freqüentemente se reúnem homens que não têm possibilidade de realizar um trabalho útil e prático, é que pôde desenvolver-se essa mania de "brincar de democratismo", sobretudo em grupos pequenos e diferentes.
Para mostrar ao leitor corno é indigna a maneira de proceder do Rabótcheie Dielo, que prega esse "princípio”' aparentemente verdadeiro que é o "democratismo” no trabalho revolucionário, mais uma vez recorreremos a uma testemunha. Essa testemunha, E. Serbriakov. Diretor da revista Nakanune, em Londres, mostra nitidamente uma fraqueza pelo Rabótcheie Dielo e urna aversão acentuada por Plekhânov e seus "plekhanovianos”; em seus artigos sobre a cisão Nakanune tomou resolutamente o partido do Robótcheie Dielo e derramou uma onda de palavras desprezíveis contra Plekhânov. Por isso o testemunho sobre essa questão nos é tão precioso. No artigo intitulado “A Propósito do Apelo do Grupo de Autoliberação dos Operários" (Nakanune, n.º 7 julho de 1899), E. Serebriakov, observando a "inconveniência que havia em levantar as questões "de prestígio, de primazia, do chamado areópago num movimento revolucionário sério”, escrevia, entre outras coisas:
“Mychkine, Rogatchev, Jehabov, Míkhailov, Perovskaía, Figner e outros nunca se consideraram dirigentes. Ninguém os elegeu ou nomeou e, no entanto, eram, chefes, pois, tanto período de propaganda como em período de luta contra o governo, assumiam o trabalho mais difícil, iam aos lugares mais expostos, e sua atividade era a mais proveitosa. E essa primazia não era o resultado de seus desejos, mas da confiança dos camaradas que os rodeavam em sua inteligência, sua energia e seu devotamento. E seria muita ingenuidade temer um areópago, sei lá qual, (e se ele não for temido, por que fala nisso?) que dirigisse autoritariamente o movimento. Então, quem o obedeceria?" Perguntamos ao leitor: Qual a diferença entre um "areópago” e as "tendências antidemocráticas”? Não é evidente que o princípio de organização aparentemente verdadeiro do Rabótcheie Dielo é tão ingênuo quanto inconveniente? Ingênuo, porque o "areópago" ou as pessoas com "tendências antidemocráticas” não serão obedecidas sinceramente por ninguém, desde o momento que “os camaradas que os cercam não tiverem confiança em sua inteligência, energia e devotamento”.. Inconveniente, como procedimento demagógico que se aproveite da vaidade de alguns e da ignorância de outros, do verdadeiro estado de nosso movimento, da falta de preparação e ainda da ignorância da história do movimento revolucionário. Para os militantes de nosso movimento, o único princípio sério em matéria de organização deve ser: segredo rigoroso, escolha rigorosa dos membros, formação de revolucionários profissionais. Reunidas essas qualidades, teremos algo mais do que o "democratismo": uma confiança plena e fraternal entre revolucionários. Ora, esse algo a mais nos é absolutamente necessário, pois, entre nós, na Rússia, não seria possível substituir isso pelo controle democrático geral. E seria um grande erro acreditar que a impossibilidade de um controle verdadeiramente "democrático" torna os membros da organização revolucionária incontroláveis: de fato, estes não têm tempo de pensar nas formas pueris do "democratismo" (“democratismo" no seio de um núcleo restrito de camaradas entre os quais, haja plena confiança), mas percebem com muita clareza sua responsabilidade, e além disso sabem pela própria experiência que, para se livrar de um membro indigno, uma organização de verdadeiros revolucionários não recuará diante de qualquer meio. Ademais, existe entre nós, no meio revolucionário russo (e internacional), uma opinião pública bastante desenvolvida, que tem uma longa história e castiga com rigor implacável qualquer falta aos deveres de camaradagem (ora, o “democratismo", o democratismo verdadeiro e não pueril, é um elemento constitutivo dessa noção de camaradagem!). Levando tudo isso em conta, compreenderemos como esses discursos e resoluções sobre as "tendências antidemocráticas" exalam o cheiro de porão característico da emigração, Corri suas pretensões ao generalato!
É conveniente notar, além da ingenuidade, uma outra fonte desses discursos, que também se origina da idéia confusa que se faz da democracia. A obra do casal Webb sobre os sindicatos ingleses apresenta um capítulo curioso sobre a "democracia primitiva". Os autores aí narram que os operários ingleses, no primeiro período de existência de seus sindicatos, consideravam como condição necessária da democracia a participação de todos os membros em todos os detalhes da gestão dos sindicatos: não somente todas as 'questões eram resolvidas pelo voto de todos os membros, mas também as próprias funções eram exercidas por todos os membros, sucessivamente. Foi preciso uma longa experiência histórica para que os operários compreendessem o absurdo de tal concepção da democracia e a necessidade de instituições representativas, de um lado, e de funcionários profissionais, de outro. Foi preciso que ocorressem inúmeras falências de caixas sindicais para fazer com que os operários compreendessem que a questão da relação proporcional entre as cotizações depositadas e os subsídios recebidos não podia ser decidida apenas pelo voto democrático, e que tal questão também exigia o parecer de um especialista em seguros. Em seguida, tomem o livro de Kaustsky sobre o parlamentarismo e a legislação popular, e verão que as conclusões desse teórico marxista concordam com os ensinamentos advindos da longa prática dos operários "espontaneamente" unidos.
Kautsky ergue-se resolutamente contra a concepção primitiva da democracia de Rittinghausen, zomba das pessoas prontas a reclamar, em nome dessa democracia, de “os jornais populares serem redigidos pelo próprio povo”, prova a necessidade de jornalistas, de parlamentares profissionais etc., para a direção social democrata da luta de classe do proletariado , “ataca o socialismo dos anarquistas e dos literatos” que, "visando o efeito”, pregam a legislação popular direta e não compreendem que sua aplicação é muito relativa na sociedade atual.
Aqueles que trabalham praticamente em nosso movimento, sabem como a concepção "primitiva" da democracia difundiu-se amplamente entre a juventude estudantil e os operários. Não é de surpreender que essa concepção também invada os estatutos e a literatura. Os "economistas" do tipo bernisteiniano escreviam em seus estatutos: "§ 10. Todos os casos que interessem à organização como um todo serão decididos por maioria dos votos de todos os seus membros". Os "economistas" do tipo terroristas repetem atrás deles: "É preciso que as decisões dos comitês tenham passado por todos os círculos antes de se tornarem decisões válidas” (Svoboda, n.º 1, P. 67). Observem que essa reivindicação relativa à aplicação ampla do referendo é acrescentada à que deseja que toda a organização seja construída sobre o princípio eletivo! Longe de nós, bem entendido, a idéia de condenar por isso os práticos que tiveram tão pouca possibilidade de se iniciarem na teoria e na prática de organizações. verdadeiramente democráticas. Mas quando o Rabótcheie Dielo, que aspira a um papel de dirigente, limita-se em condições semelhantes a uma resolução sobre o princípio de uma ampla democracia, por que não dizer de forma simples que "visa o efeito”?
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*1 As Tarefas dos Sociais-Democratas Russos, p. 23. Ilustração suplementar do fato de que o Rabótcheie Dielo ou não compreende bem o que diz, ou muda de opinião "segundo o vento”. Assim, no Rabótcheie Dielo, nº1. vemos a frase, seguinte impressa em itálico: "O conteúdo da brochura coincide inteiramente com o programa da redação do "Rabótcheie Dielo” (p. 142). Será verdade? A recusa de se atribuir como primeira tarefa do movimento de massa a derrubada da autocracia coincidiria com o ponto de vista das Tarefas? E também a teoria dos estádios? Que o leitor julgue a estabilidade dos princípios de um órgão, que compreende de maneira tão original as "coincidências”. 


F) O trabalho em escala local e nacional
Se as objeções de "não-democratismo" e de caráter de conspiração, dirigidas à organização cujo plano foi exposto aqui, estão destituídas de qualquer fundamento, resta ainda uma questão que freqüentemente é levantada e merece exame detalhado. É o problema da relação entre o trabalho local e o trabalho em escala nacional.. A formação de uma organização centralizada, pergunta-se com inquietude, não levará ao deslocamento do centro de gravidade do primeiro em direção ao segundo? Isto não prejudicará o movimento, visto que nossa ligação com a massa operária será enfraquecida e, de maneira geral, também será abalada a estabilidade da agitação local? A isso responderemos que, nesses últimos anos, nosso movimento ressente-se precisamente do fato de os militantes locais estarem excessivamente absorvidos pelo trabalho local; que é absolutamente necessário, por conseguinte, deslocar um pouco o centro de gravidade em direção ao trabalho em escala nacional; que esse deslocamento longe de enfraquecer, apenas reforçará nossa ligação com a massa e a estabilidade de nossa agitação local. Tomemos a questão do órgão central e dos órgãos locais; pedimos ao leitor não se esquecer que a imprensa, para nós, é apenas um exemplo que ilustra a ação revolucionária infinitamente maior e diversa, em geral.
No primeiro período do movimento de massa (1896-1898); os militantes locais fizeram uma tentativa de criar um órgão para toda a Rússia: a Rabótchaia Gazeta; no período seguinte (1898-1900), o movimento deu um grande passo à frente, mas a atenção dos dirigentes estava inteiramente absorvida pelos órgãos locais. Se todos esses órgãos locais fossem levados em conta, verificar-se-ia*1 que, em números redondos, publicava-se um número por mês. Tal ilustração não é representativa de nosso trabalho artesanal? Isso não mostra de forma evidente que nossa organização revolucionária retarda-se em relação ao impulso espontâneo do movimento? Se a própria quantidade de números de jornais tivesse sido publicada não por grupos locais dispersos, mas por uma única organização, não somente teríamos economizado quantidade de forças, mas também nosso trabalho teria sido infinitamente mais estável e contínuo. Eis uma constatação bastante simples freqüentemente esquecida pelos práticos. que trabalham ativamente de uma forma quase que exclusiva nos órgãos locais (infelizmente, isto ocorre ainda hoje na grande maioria das vezes) e pelos publicistas que aqui dão provas de um espantoso quixotismo. O prático contenta-se comumente em objetar que é "difícil"*2 para os militantes locais ocuparem-se em montar um jornal para todo o país, e que é melhor Ter jornais locais do que não ter nenhum. Naturalmente, isto é perfeitamente correto, e para reconhecer a enorme importância e utilidade dos órgãos locais em geral, não necessitamos da advertência de nenhum prático. Mas não é essa a questão; trata-se de saber se não é possível remediar essa dispersão, esse trabalho rudimentar, que o aparecimento de trinta números de jornais locais em toda a Rússia, nesses dois anos e meio, atesta de maneira tão clara. Portanto, não se contentem com uma tese incontestável, porém demasiado geral, sobre a utilidade dos jornais locais em geral; tenham também coragem de reconhecer abertamente seus lados negativos revelados pela experiência de dois anos e meio. Essa experiência atesta que, dadas as nossas condições, os jornais locais, na maior parte dos casos, são instáveis do ponto de vista dos princípios, não têm penetração política, são excessivamente onerosos no que diz respeito ao dispêndio de forças revolucionárias, e absolutamente insatisfatórios do ponto de vista técnico (não me refiro, bem entendido, à técnica de impressão, mas à freqüência e regularidade da publicação). E todos esses defeitos indicados não constituem obra do acaso, mas o resultado inevitável, desse esfacelamento que, de um lado, explica a predominância dos jornais locais no período examinado e, de outro lado, é sustentado por essa predominância. Uma organização local, por si mesma, não pode assegurar a estabilidade de seu jornal do ponto de vista dos princípios e elevá-lo ao nível de um órgão político; não pode, por si própria, reunir e utilizar documentação suficiente para esclarecer toda a nossa vida política. Quanto ao argumento ao qual geralmente se recorre nos países livres para justificar a necessidade de numerosos jornais locais - o fato de terem preços módicos, por serem impressos pelos operários do lugar, e de apresentarem maior amplitude e rapidez de informações à população - esse argumento, conforme o demonstra a experiência, volta-se entre nós contra os jornais locais.
Esses últimos custam demasiado caro, em relação ao dispêndio de forças revolucionárias, e aparecem em intervalos extremamente espaçados pela simples razão de que um jornal ilegal, por menor que seja, exige um enorme aparelho clandestino, que é possível montar em um grande centro fabril, porém, impossível na oficina do artesão. O caráter rudimentar do aparelho clandestino permite ordinariamente (todo militante conhece inúmeros exemplos desse gênero) à polícia realizar prisões em massa, após o aparecimento e a divulgação de um ou dois números, e destruir às coisas a ponto de ser preciso recomeçar tudo de novo. Um bom aparelho clandestino exige, uma boa preparação profissional dos revolucionários e uma divisão rigorosamente lógica do trabalho. Duas condições absolutamente impossíveis para uma organização local, por mais forte que seja em um determinado momento. Sem falar dos interesses de nosso movimento como um todo (educação socialista e uma política operária conseqüente), não é através dos órgãos locais que os interesses especificamente locais são melhor defendidos; apenas à primeira vista isto poderia parecer um paradoxo; mas, na realidade, é um fato irrefutavelmente provado pela experiência de dois anos e meio de, que já falamos. Todo mundo concordará que, se todas as forças locais que publicaram trinta números de jornais tivessem trabalhado para um único jornal, esse teria facilmente chegado a sessenta, senão a cem números e, por conseguinte, teria refletido de forma mais completa todas as particularidades puramente locais do movimento. Na verdade, não é fácil atingir esse grau de organização, mas também é preciso que tomemos consciência de sua necessidade, que cada círculo local pense e trabalhe ativamente nesse sentido, sem esperar um impulso de fora, sem se deixar seduzir pela acessibilidade, pela proximidade de um órgão local, proximidade que é em grande parte ilusória, como o demonstra nossa experiência revolucionária.
E os publicistas, que não percebem tal caráter ilusório, acreditam estarem especialmente próximos dos práticos, e se esquivam com o raciocínio espantosamente fácil e vazio da necessidade de jornais locais, jornais regionais, jornais para toda a Rússia, prestam assim precários serviços ao trabalho prático. Em princípio, tudo isso é necessário, evidentemente, mas é preciso pensar também nas condições do meio e do momento, quando se aborda um problema concreto de organização. De fato, não é quixotismo dizer, como a Svoboda (nº 1, p. 68), ao "tratar especificamente a questão do jornal" que: "Em nossa opinião, toda aglomeração operária algo significativa deve ter seu próprio jornal. Seu próprio jornal feito por ela, e não trazido de fora". Se esse publicista não quer refletir no sentido de suas palavras, que o leitor ao menos reflita por ele: quantas dezenas, ou centenas, "de aglomerações operárias algo significativas" não existem na Rússia, e como nossos métodos artesanais seriam perpetuados se toda organização local começasse realmente a editar seu próprio jornal! Como esse fracionamento facilitaria o trabalho da policia: prender sem nenhum esforço "considerável" “os militantes locais no início de sua atividade, antes que tivessem tempo de se transformar em verdadeiros revolucionários! Em um jornal para toda a Rússia, continua o autor, não seriam de todo interessantes as tramas dos fabricantes e "os pequenos fatos da vida de fábrica em outras cidades que não a do leitor", mas "o habitante de Orel não se aborrecerá ao ler o que se passa em Orel. Em cada ocasião pode reconhecer aqueles que ‘foram pilhados', os que foram 'perseguidos' e sua mente trabalha" (p. 69). Sim, naturalmente a mente do habitante de Orel trabalha, mas a imaginação do nosso publicista também "trabalha" demasiadamente. É oportuno defender assim semelhante mesquinharia? É nisso que deveria refletir. Naturalmente as revelações sobre a vida das fábricas são necessárias e importantes, isso reconhecemos melhor que ninguém, mas é preciso lembrar que chegamos a uma situação em que os habitantes de Petersburgo já se cansaram de ler a correspondência petersburguesa do jornal petersburguês Rabótchaia Mysl. Para as revelações do que ocorre nas fábricas sempre tivemos e sempre deveremos ter as folhas volantes, mas quanto ao tipo do nosso jornal, devemos elevá-lo e não rebaixa-lo ao nível de uma folha volante de fábrica. Quando se trata de um "jornal", é preciso revelar não tanto os "pequenos fatos” como os defeitos essenciais, particulares à vida da fábrica, revelações à base de exemplos relevantes e, por conseguinte, suscetíveis de interessar a todos os operários e dirigentes do movimento, enriquecendo verdadeiramente seus conhecimentos, alargando seu horizonte, despertando uma nova região, uma nova categoria profissional de operários.
"Em seguida, no jornal local pode-se apreender in loco, ainda quentes, todas as tramas da hierarquia da fábrica ou das autoridades. Ao contrário, com um jornal central, distante, a notícia demoraria a chegar, e quando o jornal saísse o acontecimento estaria esquecido: “Quando foi isto, que vá pró diabo quem se lembra!" (Mid). Precisamente: para o diabo quem se lembra! Segundo a mesma fonte, os trinta números publicados em dois anos e meio vêm de seis cidades. Isto significa que, em média, há um número a cada seis meses por cidade! Supondo mesmo que nosso publicista, irrefletidamente, triplica o rendimento do trabalho local (o que seria, absolutamente falso para uma cidade média, pois nossos métodos artesanais impedem um aumento sensível do rendimento), teremos apenas um número a cada dois meses; portanto, não seria possível “aprender ainda quentes" as notícias: Porém, bastaria que dez organizações locais se unissem e confiassem a seus delegados a função ativa de organizar um jornal comum, para que fosse possível "apreender" não somente os pequenos fatos, mas os abusos gritantes e típicos de toda a Rússia e isto a cada quinze dias. Aqueles que conhecem a situação em nossas organizações não podem duvidar disso. Quanto a surpreender o inimigo em flagrante delito, se isto for levado a sério e não somente pela beleza do estilo, um jornal ilegal não poderia sequer pensar nisso: isto pode ser feito apenas através de folhas volantes, pois a maior parte das vezes, dispõe-se apenas de um ou dois dias (por exemplo, quando se trata de uma greve comum e curta, de um tumulto na fábrica, de uma manifestação qualquer etc.).
“O operário não vive apenas na fábrica, vive também na cidade" prossegue nosso autor, passando do particular para o geral com um rigoroso espírito de seqüência que honraria ao próprio Bóris Kritchévski. E indica as questões a tratar: as dumas municipais, hospitais, escolas, e declara que um jornal operário não poderia silenciar sobre os assuntos municipais. Tal condição é, em si, excelente, mas mostra bem as abstrações vazias de sentido com as quais nos contentemos com tanta freqüência quando se trata de jornais locais. Primeiro, se em "toda organização operária algo significativa" fossem fundados de fato jornais com uma seção municipal tão pormenorizada como quer a Svoboda, isso infalivelmente degeneraria em verdadeiras mesquinharias, em nossas condições russas, enfraqueceria o sentimento que temos sobre a importância de uma investida revolucionária de toda a Rússia contra a autocracia; reforçaria os germes bastante resistentes - antes dissimulados ou reprimidos do que extirpados - da tendência tornada célebre pela famosa frase sobre os revolucionários que falam muito de parlamento inexistente, e pouco das dumas municipais existentes. Infalivelmente, dizemos acentuando assim que não é isso que a Svoboda deseja, mas o contrário. Não bastam as boas intenções. Para que os assuntos municipais sejam tratados sob uma perspectiva apropriada ao conjunto de nosso trabalho, é preciso, primeiro, que essa perspectiva seja perfeitamente definida, firmemente estabelecida não pelos simples raciocínios, mas também por inúmeros exemplos; é preciso que adquira a solidez de uma tradição. Ainda estamos longe disso, e portanto é preciso começar daí, antes que se possa pensar em uma grande imprensa local, ou dela falar.
Em segundo lugar, para escrever verdadeiramente bem e de forma interessante sobre os assuntos municipais, é preciso conhecê-los bem, e não apenas através dos livros. Ora, em toda a Rússia, quase não há sociais-democratas que possuam esse conhecimento. Para escrever em um jornal (e não em uma brochura popular) sobre os assuntos da cidade e do Estado, é preciso ter uma documentação nova, múltipla, recolhida e elaborada por homens competentes. Ora, para recolher e elaborar semelhante documentação, não basta a “democracia primitiva" de um círculo primitivo, no qual todo mundo se ocupa de tudo e se diverte com referendos. Para isso, é preciso um estado-maior de escritores especializados, de correspondentes especializados, um exército de repórteres sociais-democratas que estabeleçam relações de todos os lados, saibam penetrar até nos menores “segredos de Estado”(dos quais o funcionário russo tanto se gaba e com tanta facilidade divulga). introduzir-se em todos os "bastidores", um exército de pessoas obrigadas "pelas suas funções” a serem onipresentes e oniscientes. E nós, Partido de luta contra toda opressão econômica, política, social, nacional, podemos e devemos encontrar, reunir, instruir, mobilizar e pôr em marcha esse exército de homens oniscientes. Porém, isto ainda precisa ser feito! Ora, nada temos realizado nesse sentido, na maior parte das localidades, e, freqüentemente, tampouco temos consciência dessa necessidade. Procurem em nossa imprensa social-democrata artigos vivos e interessantes, notícias que revelem nossos assuntos diplomáticos, militares, religiosos, municipais, financeiros etc., grandes ou pequenos; quase nada ou muito pouco será encontrado*3. Por isso, “fico terrivelmente irritado quando alguém vem me dizer uma série de coisas muito lindas e notáveis” sobre a necessidade de haver, “em toda aglomeração operária algo significativo”, jornais que denunciem os abusos que ocorrem nas fábricas, na administração municipal, e no Estado!
A predominância da imprensa local sobre a imprensa central é um indício de miséria ou opulência. De miséria. quando o movimento ainda não forneceu forças suficientes para a produção em grande escala, quando ainda vegeta nos métodos artesanais e está quase imerso nos "pequenos fatos da vida de fábrica". De opulência, quando o movimento já teve êxito completo em cumprir suas múltiplas tarefas de divulgação e de agitação, e surge a necessidade de se ter, paralelamente a um órgão central, numerosos órgãos locais. Quanto ao significado da preponderância dos órgãos locais, entre nós, no momento atual, deixo a cada um a preocupação de decidir. Quanto a mim, para evitar qualquer mal-entendido, formularei de forma precisa minha conclusão. Até agora, a maioria de nossas organizações locais pensa quase que exclusivamente nos órgãos locais: ocupam-se ativamente apenas desses últimos. Isto não é normal. Ao contrário, é preciso que a maioria das organizações locais pense principalmente na criação de um órgão para toda a Rússia. que disso se ocupe. Enquanto não for assim, não poderemos publicar nem mesmo um único jornal que seja capaz de servir verdadeiramente o movimento, através de uma grande agitação pela imprensa. E quando isso ocorrer, as relações normais entre o órgão central indispensável e os indispensáveis órgãos locais serão estabelecidas por si próprias.
À primeira vista pode parecer que a necessidade de deslocar o centro de gravidade, do trabalho local para o trabalho em escala nacional, não é indicada no terreno da luta econômica pura. Aqui, o inimigo direto dos operários é representado pelos empregadores isolados ou grupos de empregadores não ligados entre si por uma organização que lembre, mesmo longinquamente, uma organização puramente militar, estritamente centralizada, dirigida nos menores detalhes por uma vontade única, como é a organização do governo russo, nosso inimigo direto na luta política.
Mas, não é assim, A luta econômica - já dissemos milhares de vezes - é uma luta profissional, e por isso exige o agrupamento dos operários por profissão, e não unicamente por lugar de trabalho, E esse agrupamento profissional é tanto mais urgente quanto maior for a precipitação dos empregadores em se agruparem em sociedades e sindicatos de toda a espécie. Nosso fracionamento e nossos métodos artesanais entravam nitidamente essa reunião, que necessita de uma organização de revolucionários única para toda a Rússia e capaz de assumir a direção de associações profissionais operárias em escala nacional. Expusemos acima o tipo de organização apropriada; acrescentaremos a seguir algumas palavras apenas em relação à nossa imprensa.
Ninguém contesta que todo jornal social-dernocrata deva trazer uma seção dedicada à luta profissional (econômica). Mas o crescimento do movimento profissional nos obriga a pensar também na criação de uma imprensa profissional. Contudo, parece-nos que, com raras exceções, ainda não é possível colocar, na Rússia, tal questão: isto é um luxo, e freqüentemente nos falta o pão de cada dia. Em matéria de imprensa profissional, a melhor forma adaptada às condições atuais do trabalho ilegal, a forma desde hoje necessária, seria a brochura, profissional. Aí deveria ser coletada e agrupada sistematicamente a documentação legal*4 e ilegal sobre as condições de trabalho nessa ou naquela profissão, o que distingue a esse respeito as diferentes regiões da Rússia, as principais reivindicações dos operários de uma dada profissão, as insuficiências da legislação a que ela se refere; sobre os exemplos mais relevantes da luta econômica dos operários dessa ou daquela corporação; sobre o início, o estado atual e as necessidades de sua organização sindical etc. Inicialmente, essas brochuras dispensariam, que nossa imprensa social-democrata fornecesse uma série de detalhes profissionais que interessassem especialmente os operários de uma determinada profissão; em seguida, reproduziriam os resultados de nossa experiência na luta sindical, conservariam a documentação coletada, que hoje literalmente se perde na massa de folhas volantes e publicações fragmentárias; generalizariam essa documentação. Em terceiro lugar, poderiam servir, de, alguma forma, como guia para os agitadores, uma vez que as condições de trabalho modificam-se de forma relativamente lenta, e as reivindicações essenciais dos operários de uma determinada profissão são muito estáveis (comparem as reivindicações dos tecelões da região de Moscou, em 1885, e as da região de Petersburgo, em 1896). O resumo dessas reivindicações e necessidades poderia constituir, durante anos, um excelente manual para a agitação econômica nas localidades atrasadas ou entre as categorias de operários mais atrasadas. Os exemplos de greves vitoriosas, em determinada região, os dados ilustrando um nível superior de vida, de melhores condições de trabalho numa determinada localidade, encorajariam os operários de outras localidades a novas lutas. Enfim, tomando a iniciativa de generalizar a luta profissional e reforçando, assim, a ligação do movimento profissional russo com o socialismo, a social-democracia trabalharia simultaneamente para que nossa ação sindical ocupasse um lugar nem muito grande nem muito pequeno no conjunto de nosso trabalho social-democrata. É muito difícil, quase impossível, para uma organização local, isolada das organizações; de outras cidades, observar em justa proporção esse aspecto (e o exemplo da Rabótchaia Mys1 indica o monstruoso exagero a que se pode chegar, em termos de sindicalismo). Mas uma organização de revolucionários para toda a Rússia, que se mantenha deliberadamente ligada ao ponto de vista do marxismo, dirija toda a luta ponto de vista do marxismo, dirija toda a luta política e disponha de um estado-maior de agitadores profissionais, jamais terá dificuldades para estabelecer essa justa proporção.
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*1 Ver o Relatório ao Congresso de Paris, p. 14: “Desde essa época (1897) até à primavera de 1900 foram publicados em diferentes lugares trinta números de jornais diferentes... Em média, mais de um número por mês”.
*2 Essa dificuldade é apenas aparente. Na realidade, não há círculo local que possa preencher essa ou aquela função de um trabalho de interesse para toda a Rússia. "Não diga: eu não posso; diga: não quero;" 
*3 Eis porque mesmo o exemplo de órgãos locais muito bem feitos confirma inteiramente nosso ponto de vista. Assim, o Yuzhni Rabochi (O Operário do Sul) é um excelente jornal, que não será acusado de instabilidade de princípios. Mas como aparece raramente é alvo de numerosas prisões policiais, não pode oferecer ao movimento local aquilo a que se propõe. O que é mais necessário ao Partido, no momento presente - colocar, em princípio, os problemas fundamentais e proceder a ampla agitação política - o órgão local não pôde realizar. E o que apresentou de melhor, como os artigos sobre os congressos dos proprietários de minas, o desemprego etc., não era de interesse estritamente local, mas geral, para toda a Rússia e não apenas para o Sul. Em toda nossa imprensa social-democrata, ainda não tivemos artigos como esses.
*4 A documentação legal é de especial importância a esse respeito, e estamos longe de saber coletá-la e utilizá-la com método. Não é exagero dizer que apenas com a documentação legal pode-se escrever uma brochura sindical, e que e impossível fázê-Io apenas com a documentação legal. Coletando entre os operários a documentação ilegal sobre questões como as tratadas pela Rabótchaia MysI, desperdiçamos inutilmente as forças dos revolucionários (que facilmente poderiam ser substituídos nesse trabalho pelos militantes legais) sem obter, contudo uma boa documentação. De fato, os operários, conhecem de ordinário apenas uma oficina de uma única grande fábrica; quase sempre conhecem os resultados econômicos, mas não as condições e normas gerais do seu trabalho; não podem adquirir os conhecimentos que possuíam os empregados de fábrica, inspetores, médicos etc., e que estão dispersos nas pequenas. publicações de jornais e publicações especiais de indústrias, serviços sanitários, dos zerntsvos etc.
Sempre me lembro de minha "primeira experiência", que não desejaria repetir. Durante semanas. interroguei "com toda decisão” um operário que veio até mim, sobre os menores detalhes do regime da grande fábrica onde trabalhava. Com grande dificuldade consegui fazer a descrição (de uma única fábrica!), Porém, às vezes, ao fim, de nossa conversa. o operário enxugando a testa me dizia sorrindo: “É mais fácil fazer horas extras do que responder às suas perguntas!"
Quanto mais energicamente conduzirmos a luta revolucionária, mais o governo será obrigado a legalizar uma parte de nosso trabalho "profissional", o que nos livrará de parte da nossa carga.

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