Pinheirinho: moradores serão despejados, também de igreja
Moradores desalojados não têm condições básicas para a sobrevivência, e agora enfrentam o dilema de não saber para onde ir
Por Igor Carvalho, de São José dos Campos
O dia de hoje foi mais tranquilo na região do Pinheirinho. Após uma assembleia realizada na igreja católica local, algumas famílias partiram para o abrigo oferecido pela prefeitura, mas aproximadamente 400 pessoas ainda se concentram no templo. De qualquer forma, ali continua sendo um centro de transição dos moradores e ponto de comunicação deles com suas lideranças. Vereadores, moradores expulsos do Pinheirinho, imprensa, curiosos e representantes de entidades sociais e partidos circulam pelo pátio e pelas dependências da igreja.
No começo da manhã, o padre Ronildo Aparecido de Rosa recebeu a visita de Claude Meire, secretária de Governo da prefeitura de São José dos Campos. Após a reunião privada, o padre comunicou às lideranças dos moradores que a igreja deveria ser desocupada. Segundo uma fonte, que preferiu manter o anonimato, o padre teria dito: “estou sendo pressionado, agora vocês devem sair ou eu”. A informação foi mantida em sigilo, para não alarmar os moradores e provocar confusão. Ficou decidida que a saída ocorreria às 15h. No horário, começou um grande temporal, que inviabilizou a retirada dos moradores, que articulavam um novo alojamento em uma creche, que fica a 500 metros da igreja.
Uma viatura da Polícia Militar foi até a igreja. Apesar da apreensão dos moradores, que acreditavam que poderiam sofrer uma nova remoção, era uma visita ao padre, que ouviu do capitão Wilker a garantia de que o policiamento irá escoltar as pessoas e que não serão vítimas de agressões. “Sou católico, como o senhor, nunca puxaria uma arma para um ser indefeso”, disse o capitão ao padre. Em virtude da forte chuva, Ronildo negociou a retirada dos moradores para amanhã cedo, com Marrom, que é coordenador do Acampamento Pinheirinho. O local para onde eles irão segue indefinido, já que a prefeitura se recusou a oferecer abrigo próximo, somente no Vale do Sol, que fica a sete quilômetros. Os moradores teriam que percorrer o caminho a pé, uma vez que não possuem qualquer transporte ou apoio logístico.
A prefeitura oferece abrigos para esses moradores em tendas levantadas para essa operação de reintegração, além de dois outros colégios que os recebem. Porém, os desalojados não querem seguir para esses locais, por conta da presença da PM e de pessoal da prefeitura. Para dona Neusa, moradora do Pinheirinho desde 2004, ir para lá pode significar passar pela mesma situação vivida no domingo. “Vou para lá, apanhar da polícia? Vou fazer o que lá, se daqui a pouco, quando os repórteres não estiverem mais aqui, vão me expulsar de novo?”.
Condições precárias
Na hora do almoço, alguns moradores, que haviam sido convocados por oficiais de justiça para irem buscar seus pertences, retornaram reclamando e chorando. Suas casas haviam sido derrubadas e, junto com os imóveis, foram destruídos os eletrodomésticos, roupas e documentos. “Além de minha casa, perdi tudo que investi em minha vida. Aos 54 anos, preciso começar do zero”, disse uma senhora, que preferiu não se identificar, dizendo ter medo do que os policiais poderiam fazer com ela depois. A ação descumpre um acordo firmado com a Polícia Militar e a Justiça, que determinava que os moradores cadastrados e identificados por uma numeração poderiam passar nas suas casas, com o oficial de justiça, e retirar seus pertences. Feito isso, as casas são marcadas com um “V” (de vistoriado) verde, que significa que a casa pode ser derrubada.
A chuva agravou a situação precária de higiene na igreja. Ontem (23), durante a noite, um médico e uma pediatra foram voluntariamente examinar pessoas doentes e feridas. Hoje, os moradores receberam doações de remédios e passavam em uma farmácia improvisada em uma mesa, onde retiram comprimidos e outros itens básicos. Por todo lado, pode-se ver pessoas dormindo no chão, em meio a lixo e sujeira, e o único banheiro está em estado lastimável. Tiago Mandeli, morador expulso do Pinheirinho, disse: “Não tomo um banho desde domingo, é terrível ter que usar o banheiro aqui”. Muitas pessoas estão com a mesma roupa que usavam no momento da expulsão. Por isso, muitas roupas foram doadas e chegaram em sacos plásticos. As peças foram jogadas no chão e o povo correu para encontrar uma calça, blusa, camiseta ou mesmo peças íntimas para vestir.
A comida é racionada e nos momentos de distribuição acaba gerando filas enormes. Sem apoio nenhum da prefeitura, os moradores contam apenas com doações para a alimentação, por isso, nem sempre o cardápio ajuda. O almoço de hoje era bolo de coco, suco de laranja e uma banana. Servidos, muitas vezes, em caixas de papelão e acompanhados por moscas e outros insetos. “Isso aqui é uma vergonha, as pessoas precisam ver como a prefeitura está nos tratando, não tenho para onde ir por culpa deles, e nenhum alimento ou condição de higiene básica eles dão pra nós”, reclamou a ex-dona de casa Camila Bernardes. A água também é racionada, há muitos galões pela igreja, porém são reabastecidos nas torneiras da rua.
Embora reticente, Marrom admite que, sem apoio, a igreja é um abrigo inviável. “Politicamente é importante, é um foco de resistência, mas olha essas condições, falta muita coisa aqui para que consigamos dialogar sobre o futuro. Com barriga vazia e sem conseguir nem trocar de roupa, essas pessoas não vão conseguir parar e pensar”.
www.blogdodocarlosmaia.blogspot.com Carlos Maia
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