sábado, 5 de maio de 2012

Memórias de um alienado: Eu também já fui papagaio da direita...


 




























Por André Lux


Quem visita meu blog e lê meus textos com certeza deve pensar que sou socialista
 desde o meu nascimento e fui criado por pais radicais de esquerda, que fizeram
 treinamento de guerrilha em Cuba e lutaram contra a ditadura militar...

Nada mais longe da verdade. Muito pelo contrário.

Nasci em uma típica família de classe média baixa, mas que sonhava pertencer à elite 
mundial. Daí que, durante toda minha infância e juventude, morei em casas 
(alugadas) em bairros semi-nobres a preços absurdos, enquanto era 
transportado numa Brasília amarela e via meus pais desesperados tentando 
cobrir o rombo no cheque especial todo santo mês.

Mas, como que para provar nossa posição entre a elite, eramos sócios do segundo clube no nível hierárquico sócio-econômico da cidade, o Tênis Clube de Campinas. Sim, porque o número 1 
na escala social era a Sociedade Hípica, cuja maioria dos sócios podres de
 ricos também freqüentava o Tênis, embora o contrário não acontecesse 
(exceto quando éramos convidados para algum casamento realizado no 
gigantesco salão de festas daquele clube - não por acaso adaptado em uma
Casa Grande de algum antigo barão do café).

Sempre fui cercado por parentes e amigos que, mesmo sendo honestos e 
trabalhadores, não tinham a visão crítica necessária para compreender como
 as coisas funcionavam. Meus familiares limitavam-se a repetir o que ouviam, 
liam e viam na mídia, especialmente na rede Globo, nas revistonas e nos jornalões
 (que apoiaram o golpe militar, embora hoje finjam que não). Assim, tinham 
medo de comunistas, pois diziam que comiam criancinhas e dividiam a casa 
das pessoas ao meio (o fato de não termos imóvel próprio não parecia 
contradizer esse receio), achavam que Che Guevara era um “baderneiro 
profissional” (ser pago para fazer baderna, isso é que é profissão!), acreditavam 
que o Brasil tinha tantos problemas “porque pobre não gosta de trabalhar” 
(usar o salário mensal só para pagar contas e cobrir o rombo no cheque 
especial, imaginavam, não era coisa de pobre) e por aí vai.

Nem preciso dizer que, obviamente, eu também repetia tudo isso e acreditava 
no que estava falando, mesmo sem ter o menor embasamento teórico ou 
prático para tanto. Minha vida escolar foi uma piada. Estudei em colégio 
particular (de freiras!) do maternal ao ensino médio. Para se ter uma idéia 
do desastre que isso significa, nasci em 1971 e cheguei até o final da minha 
fase educacional básica sem nem saber que vivíamos sob um regime 
ditatorial ilegal e imoral.

Enquanto eu brincava no clube despreocupado, assistia à televisão ou 
passava a manhã inteira decorando datas e fórmulas matemáticas de 
maneira acrítica e alienante, centenas de brasileiros e vizinhos de continente
 eram torturados e mortos simplesmente por se opor àqueles regimes de 
direita. No máximo, eu ouvia algo como “Bem feito pra esses baderneiros, 
quem mandou serem 
do contra?” quando alguém tocava no assunto.

Se vocês acham que estou mentindo, relaciono abaixo fatos que marcaram
 essa fase lamentável da minha existência:

1) Vi o filme “Comando para Matar”, aquele em que o Arnoldão detona
 sozinho um exército inteiro de cucarachas sul americanos, nada menos
 do que seis vezes nos cinemas (e contava para todo mundo orgulhoso!);

2) Iniciava comentários com as frases “Eu vi na Veja” ou “Assisti na Globo”;

3) Ridicularizava quem dizia que existia racismo no Brasil, mesmo não tendo 
nenhum amigo ou conhecido negro, exceto a empregada que a gente 
desprezava, e repetindo “piadas” do tipo “sabe qual a diferença entre um negro
 e uma latinha de (censurado)?”;

4) Sentia prazer em irritar petistas, repetindo jargões que são usados até 
hoje (“Lula é vagabundo, ex-presidiário, arrancou o dedo para não precisa
r mais trabalhar”, “Sindicalista só sabe fazer baderna”, “Petista é tudo igual", 
"Se gosta tanto de Cuba, por que não vai prar lá plantar cana??”). Isso
 mesmo sem conhecer absolutamente nada de política, sociologia ou história;

5) Acreditava que o Stallone, o Arnoldão e o Chuck Norris lutavam pela
 liberdade, pela democracia e pela justiça para nos salvar dos vilões 
comunistas (eu tinha até pôster deles no meu quarto) e que os Bandeirantes
 foram corajosos desbravadores dos sertões brasileiros;

6) Vivia falando mal do Brasil e do “povo” brasileiro (do qual eu não fazia 
parte, é claro, afinal meus bisavôs eram europeus) e começava a concluir 
esse tipo de argumentação com a frase “Ah, mas lá nos Estados Unidos...”;
(porque naquela época, macho que era macho não via novela, a não 
7) Passava a tarde inteira e o domingo inteiro na frente da TV, assistindo qualquer
 porcaria, e só ia dormir depois de ver o Fantástico, sempre deprimido por 
lembrar que no outro dia voltavam as aulas e eu não havia feito a lição de
 casa nem decorado a matéria para as provas;

8) Cantava a música “Vamos Construir Juntos!” (que eu sei de cor até hoje!) e
 colecionava o álbum de figurinhas do “Paulistinha”, que faziam parte do 
marketing institucional do governo ditatorial para nos convencer que o Brasil
 era "o país do futuro";

9) Assistia às novelas da rede Globo, embora ficasse falando mal delas 
ser para reclamar);

10) Ficava realmente preocupado com a situação da Ponte Preta no 
campeonato paulista;

11) Comemorava toda vez que um novo McDonald’s era inaugurado no Brasil, 
pois era sinal de que o país estava progredindo (sim, eu também acreditei na
 ladainha sobre as maravilhas da "globalização neoliberal");

12) Queria ser astronauta da NASA quando crescesse (mas, desisti depois 
que me falaram que eles têm que ser bons em matemática);

13) Proferia afirmações como "não voto em partidos, mas em pessoas"
 (isso porque eu nem podia votar!), pois tinha aprendido que partidos eram
 coisas ruins e inúteis (assim, quando algum político de direita caia em desgraça,
 era culpa só dele, não do partido), especialmente aqueles que defendiam
 ideologias de esquerda;

14) Ideologia também era outro palavrão, coisa de baderneiro profissional, 
por isso eu também dizia, todo faceiro: "Não existe esse negócio de esquerda e 
direita, isso é coisa de gente revoltada que não gosta de trabalhar e só sabe 
ser do contra!"
Isso só para ficar no básico. Tenho certeza que você já testemunhou alguém
 falando ou fazendo coisas parecidas, certo?

Sinceramente, eu era um caso quase sem salvação. Mas a sorte sorriu para 
mim. Não fosse por alguns fatos que aconteceram em minha vida e serviram 
para abrir meus olhos, fatalmente eu seria hoje aquele mesmo adolescente
 alienado, ignorante e raivoso. Só que pesando 50 quilos a mais, com barba
 na cara e com um daqueles adesivos nojentos quatro-dedos dizendo "Fora
 Lula!" colado no vidro do carro (cuja prestação pagarei até 2010) .

Abordarei essa “transformação” em meu próximo texto sobre o assunto.

Leiam aqui a PARTE 2 das minhas "Memórias de Um Alienado".
http://tudo-em-cima.blogspot.com.br/2007/04/memrias-de-um-alienado-eu-tambm-j-tive.htm
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