quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

HSBC, Beto Richa e a mídia seletiva


Por Altamiro Borges

A mídia nativa está cada vez mais descarada na sua seletividade e partidarismo. Isto tem gerado desconforto nas próprias redações dos jornais, revistas e emissoras de rádio e televisão. Muitos jornalistas mais íntegros – e eles existem aos montes e cumprem importante papel na trincheira inimiga – têm se rebelado. De forma corajosa, eles apontam as distorções e sacanagens dos seus próprios veículos – na maioria das vezes citando o crime, sem dar o nome dos criminosos. Nesta semana, dois fatos marcantes causaram repulsa nas redações da mídia tradicional: o escândalo da sonegação do banco HSBC e a radicalizada greve dos servidores do Paraná. Ambos foram retirados das capas dos veículos impressos e não mereceram os comentários ácidos dos “calunistas” das emissoras de rádio e televisão. O que há por trás desta visível manipulação?

O jornalista Ricardo Melo, uma das poucas vozes críticas que ainda restam na Folha tucana, não se conteve diante destas omissões descaradas e escreveu um duro artigo nesta segunda-feira (16). Reproduzo-o abaixo e volto em seguida:

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HSBC e Beto Richa

Por Ricardo Melo

Escândalo financeiro mundial e vitória contra austeridade ficam escondidos na imprensa

Aproveitando a mais do que merecida folga da querida e competente Vera Guimarães, vou dar uma de ombudsman acidental.

É de estranhar, para dizer o mínimo, o laconismo com que a imprensa "mainstream" local vem tratando um dos maiores escândalos da história financeira mundial.

Falo da revelação de que o HSBC na Suíça ajudou milionários a ocultar bilhões de dólares e assim fugir do fisco em seus países de origem. A lista é ecumênica: inclui desde ricaços tidos como "limpos" até traficantes, ditadores e criminosos dos mais variados.

São mais de 100 mil contas. O valor da maracutaia internacional passa de US$ 100 bilhões. Em moeda local, algo perto de R$ 300 bilhões. O argumento de que o tema está distante do leitor nacional não resiste aos fatos: cerca de 9.000 clientes envolvidos na falcatrua são brasileiros; o HSBC é um dos maiores bancos a operar no país; e, pelo que a investigação conseguiu apurar, a roubalheira decolou depois da aquisição, pelo HSBC, de um banco e de uma holding de propriedade de Edmond Safra. A familiaridade do sobrenome com o Brasil, embora não seja prova de nada, dispensa comentários e deveria ser suficiente para aguçar a curiosidade de qualquer jornalista.

Surpresa: o assunto praticamente desapareceu, a não ser quando encontraram supostas conexões com o pessoal da Lava Jato. Esquisito. E os outros milhares de correntistas brasileiros premiados, desapareceram? A história não fecha. Aliás, é a segunda vez que um trabalho do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos recebe tratamento desprezível no Brasil.

Há pouco tempo, a mesma equipe escancarou manobras tributárias de bancos e multinacionais, brasileiros incluídos, para fugir de impostos com operações em Luxemburgo. Uma das empresas acusadas na artimanha, a Pricewaterhouse, por acaso vem a ser uma das que aprovavam balanços podres de instituições protagonistas da crise de 2008. Hoje a Price examina a contabilidade da Petrobras...

Detalhe: o premiê de Luxemburgo na época das sonegações, Jean-Claude Juncker, é o atual presidente da Comissão Europeia. E o homem forte do HSBC no período do vale-tudo da Suíça virou ministro no governo britânico do conservador David Cameron. Precisa mais?

Paraná na moda; e na mídia?

Curitiba viveu recentemente uma das maiores manifestações de sua história. Milhares de servidores públicos, trabalhadores e estudantes obrigaram o governador reeleito Beto Richa, do PSDB, a recuar no chamado "pacote de maldades" enviado à Assembleia Legislativa.

Entre outros disparates, o tucano propunha confiscar a previdência dos servidores para tapar rombos da antiga administração --dirigida por ele mesmo!

Deputados chegaram de camburão, reuniram-se no restaurante e, ainda assim, não conseguiram votar o pacote. Notícia daquelas, de repercussão nacional, exceto na mídia de fora da região.

Foi na capital do Paraná. Mesmo Estado onde fica a Londrina do juiz Sérgio Moro, sede do antigo Bamerindus vendido a preço simbólico ao HSBC e do Banestado (Banco do Estado do Paraná), pivô da CPI que durante os anos 90 catapultou o doleiro Alberto Yousseff para manchetes. Mera coincidência, talvez.


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No mesmo dia em que Ricardo Melo detonou o “laconismo” da mídia hegemônica, a Folha publicou duas notas minúsculas sobre o escândalo do HSBC. A primeira informa que o presidente do banco, Stuart Gulliver, “em um anúncio de página inteira, veiculado em jornais britânicos no domingo (15), pediu desculpas aos clientes e investidores, depois de virem a público as alegações de que seu banco privado na Suíça ajudou centenas de clientes a burlar impostos no passado”. E a Folha tucana conclui esta notinha com o seu tema predileto. “Na lista de contas secretas do banco vazada no Swissleaks há ao menos 11 pessoas ligadas ao escândalo na Petrobras”. Nada mais! Já a segunda, de três linhas, diz que “a Receita Federal vai apurar as operações realizadas por brasileiros em contas secretas mantidas pelo HSBC na Suíça. Em nota, o fisco diz que teve acesso à lista vazada no Swissleaks e divulgada por uma associação internacional de jornalistas... Entre os citados estão ao menos 11 pessoas ligadas ao escândalo na Petrobras”. Nada mais!

Ao mesmo tempo em que o jornal da honestíssima famiglia Frias gasta toda a sua munição com o chamado “petrolão”, num bombardeio diário e implacável, a ação criminosa do HSBC vira notinha. Isto apesar do grupo empresarial, que também edita o UOL, contar com o único jornalista brasileiro que teve acesso as contas dos 9 mil sonegadores do Brasil. Qual o motivo de Fernando Rodrigues, da Folha e do restante da mídia darem tão pouca atenção a um assunto tão explosivo, que agita a mídia internacional? Será que a lista contém nomes de empresários, celebridades midiáticas e até jornalistas que sonegaram impostos e mandaram a grana ilegalmente para paraísos fiscais? Será que a lista vai confirmar as recentes denúncias, ainda não comprovadas, de que a Rede Globo sonegou bilhões em tributos? Será?

Já no caso da convulsão social no Paraná, o pouco destaque dado pela mídia é mais fácil de decifrar. Beto Richa, o governador reeleito no Estado, pertence ao time dos tucanos blindados pela imprensa partidarizada. Seu “pacote de maldades” contra o funcionalismo público é o mesmo que o cambaleante Aécio Neves pretendia impor caso fosse eleito presidente da República, com a ajuda inestimável dos barões da mídia. Os protestos diários de milhares de grevistas e outras cenas impactantes, como a fuga dos deputados e do próprio secretário de Segurança Pública num camburão da PM, são evitados pela mídia para não prejudicar o já decadente PSDB. A sigla elegeu apenas cinco governadores em 2014 – contra oito em 2010 – e teve sua bancada de deputados federais estagnada. Para que divulgar uma combativa greve que pode fragilizar ainda mais os tucanos?

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Um comentário:

  1. Beto Richa, o governador reeleito no Estado, pertence ao time dos tucanos blindados pela imprensa partidarizada. Seu “pacote de maldades” contra o funcionalismo público é o mesmo que o cambaleante Aécio Neves pretendia impor caso fosse eleito presidente da República, com a ajuda inestimável dos barões da mídia. Os protestos diários de milhares de grevistas e outras cenas impactantes, como a fuga dos deputados e do próprio secretário de Segurança Pública num camburão da PM, são evitados pela mídia para não prejudicar o já decadente PSDB.

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