Eleições e democracia: como a mídia golpista falseia os fatos
Do Jornal Hora do Povo
No
enfoque dos diferentes processos eleitorais, palavras como democracia,
ditadura, popular, populismo, opressão, liberdade de imprensa, censura, perdem
totalmente seus significados etimológicos e são manipulados para confundir as
mentes e impor uma visão unilateral dos fatos
PAULO CANNABRAVA FILHO*
Atualmente e não tão recentemente, têm havido eleições em
várias partes do mundo e chama a atenção como os meios de comunicação tratam a
cobertura desses eventos, seja no aspecto mídia-espetáculo, seja no aspecto
conceitual, o que é muito mais importante.
O que mais salta à vista é o diversionismo ideológico
explícito no enfoque desses diferentes processos eleitorais. Palavras como
democracia, ditadura, popular, populismo, opressão, liberdade de imprensa,
censura, perdem totalmente seus significados etimológicos e são manipulados
para confundir as mentes e impor uma visão unilateral dos fatos. Um ato de
guerra contra uma população desarmada, por exemplo, é terrorismo, contudo, na
mídia os terroristas são as vítimas da agressão imperial.
Fica no ar a dúvida: o que é uma democracia? A de Atenas ou
de Roma? A do Reino Unido ou da Itália? A dos Estados Unidos ou de Cuba?
É preciso refletir, repensar a democracia desde seus
primórdios históricos. A queda da monarquia (e nem todas as monarquias caíram)
deu lugar à criação de um sistema eleitoral que contivesse as massas oprimidas
e assegurasse a hegemonia para a nova classe emergente.
O poder monárquico se confundia com o poder da Igreja de
Roma, para garantir a sobrevivência da hegemonia ameaçada com atomização dos
Impérios, desde Roma até os atuais. E nesse contexto a Igreja de Roma se
configura como o mais antigo e poderoso dos conglomerados empresariais
transnacionais.
Vale a pena uma reflexão, e o fazemos com intuito provocatório,
sobre alguns dos processos eleitorais em evidência ou não tão em evidência na
mídia.
VENEZUELA BOLIVARIANA
Desde 1999 a Venezuela já realizou 16 eleições de acordo com
as regras que tipificam a chamada "democracia ocidental e cristã" com
participação massiva da população. O ex-presidente Carter e outros observadores
de peso, admitiram publicamente que o processo eleitoral venezuelano é o mais
limpo e democrático. Ele não poderia falar nada diferente, pois é o tipo de
eleição que seu país quer impingir ao mundo. Não obstante, como não deu
resultado o marketing político e a campanha publicitária bilionária dos
partidos tradicionais e foi eleito um adventício, ou seja, um de fora da corte,
o governo legalmente eleito foi todo tempo demonizado.
Se tivesse sido eleito um oligarca branco ou um caboclo
servil seria apresentado pelos meios como exemplo da democracia em nossa
América. Mas, como foi eleito um caboclo, de origem humilde, é exemplo de
populismo, de demagogia, de ditador castro-comunista. Só não acusaram Chávez de
comedor de criancinhas.
Em abril a Venezuela realizará novas eleições para a
presidência. Se eleito Maduro terá sido eleito por utilização da máquina
governamental. Se Caprilles for eleito (quase impossível) será por manifestação
democrática. E já não faltam os que estão semeando discórdia acusando Maduro de
violar a Constituição, o que não é verdade.
Se a expressão das massas populares se transforma em força
política, os conservadores entram em pânico por que se lhes fecha o caminho de
retorno e reconstrução da hegemonia.
No caso da Venezuela não há dúvida de que o que sustentou
Chávez 14 anos no poder foi a força política dessa expressão das massas. As
fotografias e os audiovisuais sobre as manifestações de pesar pela morte de
Chávez deixa ver nitidamente a cor da pele e a dimensão dessa multidão. Não
obstante, a mídia dos conservadores trata por todos os meios desqualificar,
demonizar essa democracia, por causa daquilo que ela tem de melhor: é popular,
de massas.
Fato novo da Nossa América, os meios conservadores já não
conseguem convencer às grandes massas, pois estas adquiriram saber, têm opinião
própria, reconhecem a seus líderes e não se deixam mais conduzir pelos arautos
do Apocalipse. Quase todos os meios impressos venezuelanos são de oposição. A
televisão e as rádios ainda têm grande importância, mas, ao assumir um combate
insano contra um governo e um líder que é do agrado das massas, perderam
credibilidade. Paralelamente, surgem meios públicos e estatais de comunicação,
porém, não vinculados a uma estratégia de comunicação revolucionária.
Sabiamente, a Revolução Bolivariana deu voz aos bairros
organizados através das rádios comunitárias. E estão surgindo informativos
impressos alternativos, além dos foros de discussão sobre o processo
bolivariano por toda parte.
Isso não aparece nos meios, como tampouco aparecem as
conquistas da Revolução, tais como: a erradicação do analfabetismo; nenhuma
criança fora da escola; é o 5º país do mundo com maior taxa de matrícula
escolar e universitária; saúde gratuita para todos; construção de 8.500
hospitais, etc.
Dados da ONU confirmam que, antes de Chávez, a Venezuela
tinha 70% de pobreza, com 40% de pobreza extrema. Hoje a pobreza está em torno
de 26% e a pobreza extrema foi reduzida para 6%. A inflação, que era de 103%,
está hoje em 22,8%.
Tudo isso foi alcançado a duras penas, com erros e acertos.
Os críticos apontam tão somente os erros e reclamam de ineficiência do setor
produtivo. Se esquecem de que também em seus países os obstáculos para o
desenvolvimento são os mesmos: ausência de infraestrutura, ausência de uma base
produtiva prévia, ditadura do capital financeiro, e, fundamente, ausência de
mão de obra qualificada.
IGREJA DE ROMA
No processo eleitoral do Vaticano 115 cardeais elegeram,
entre eles, um novo papa. Alguém elegeu esses cardeais? Evidentemente que não.
Eles conduzem uma Igreja de uns 400 mil presbíteros e quase um bilhão de
seguidores (fiéis), entre os quais mulheres, que, apesar de maioria, são
admitidas na igreja apenas como serviçais. Nenhum desses padres votou para
eleger um bispo nem tem direito algum de opinar sobre os candidatos a papa. Vão
dizer que no caso se trata de religião, coisas do espírito, tudo é diferente.
Não é bem assim. O Vaticano é um estado e reconhecido como tal tem
representação diplomática de vários outros estados. O Brasil, por exemplo,
mantém embaixador no Vaticano. Tem também um banco central (o IOR) e uma
disputa feroz pelo poder vacante.
Do ponto de vista das regras políticas que servem de
paradigmas para definir as democracias ocidentais e cristãs, o Vaticano é a
mais típica e prolongada das ditaduras. O cargo de bispo de Roma, que é também
de pontifício ou Papa, além de ser escolhido por um punhado de
"iluminados", é por toda a vida. Só perde o mandato por morte. No
caso – muito raro - de renúncia, o direito canônico não prevê a perda da
condição de representante de deus. Sendo o papa vitalício, após a fumacinha
branca veio a proclamação: habemus papi.
O direito canônico (a constituição deles) determina a
infalibilidade do papa. Isso significa que as ordens ditadas por ele têm que
sem cumpridas sem discussão. Por isso, após a escolha, todos os seus eleitores
juram se submeter à palavra do papa. Muito democrático, não é?
Nesta democracia do Vaticano, patriarcal e machista, quem
desobedecer ou contrariar a palavra (leia-se vontade) do papa é imediatamente
castigado, senão com a excomunhão, com "cale a boca e fique quietinho no
seu canto", como ocorreu com o teólogo brasileiro frei Leonardo Boff. Não
faz muito tempo, o castigo poderia ser bem maior. O museu da inquisição em Lima
deixa qualquer pessoa, até mesmo da Operação Condor, horrorizada com a
crueldade dos instrumentos de tortura. Para os mais recalcitrantes em aceitar a
palavra infalível do papa, o castigo era a fogueira. Hoje existem outros
métodos menos explícitos.
Apesar de minúsculo, o Vaticano possui uma das maiores
fortunas do mundo. Suas propriedades se estendem por quase todos os centros
urbanos, notadamente nas metrópoles cuja história se desenvolveu mais ou menos
paralela à do Vaticano, ou Igreja de Roma. O IOR, ou Banco do Vaticano, é o
banco preferido pela máfia italiana e por quantos se enriquecem com negócios
ilícitos. Os investimentos do Vaticano estão no mercado financeiro, petróleo,
comunicação, indústria bélica, aluguel de imóveis e tudo que possa gerar lucro.
Os grandes especuladores financeiros e os portadores de dinheiro ilícito operam
em paraísos fiscais como Bahamas, Luxemburgo, Mônaco, entre tantos, e o próprio
Vaticano e seus bancos filiados (lembre-se do Banco Ambrosiano). Por que
ninguém se atreve a levantar os ativos do Vaticano?
Toda a conquista territorial e política de extermínio das
populações nativas de Nossa América foi feita em conluio com a Igreja de Roma.
Ao longo da história, todas as ditaduras, das mais cruéis às mais brandas,
massacraram seus povos com o beneplácito do Vaticano. Toda política de saqueio
e genocídio do colonialismo europeu foi realizada com as bênçãos pontifícias.
Que democracia é esta?
ESTADOS UNIDOS
Nos EUA, já sua primeira constituição dizia que os
governantes deveriam ser brancos e ricos. O desenvolvimento capitalista que
conduziu à potência que o país é hoje manteve esse princípio. Para se chegar ao
estado de bem estar que deveria servir de modelo para o mundo, correu muito
sangue dos trabalhadores reprimidos, perseguição ao diferente, exclusão social,
racismo e saqueio das riquezas e da força de trabalho das nações em
desenvolvimento.
Nos Estados Unidos, só tem chance de se eleger para qualquer
posto executivo ou legislativo quem tem muito dinheiro e for ungido com o apoio
de um dos partidos do status quo. O processo passou por aperfeiçoamentos que
tornaram suas eleições bem mais democráticas que as do Vaticano, mas tão
elitista quanto.
Lá, no dia da eleição, o cidadão que quiser comparecer às
urnas, vai, vota no seu candidato, mas quem decide o vencedor não será o seu
voto e sim o de um Colégio Eleitoral. Antes, para ser aceito como candidato por
um dos dois partidos hegemônicos, terá de passar pelas prévias nos principais
colégios eleitorais. Existem outros partidos, porém, o custo para uma campanha
é tão alto que a realidade que se impõe é a de um bipartidarismo em que as
únicas diferenças entre Democratas e Republicanos são de método ou de índole,
nunca de princípios ou de concepção de estado e de governo.
Por exemplo, em 2000, George Bush perdeu a eleição para Al
Gore pelo voto popular, ganhou no tapetão, isto é, por decisão do Colégio
Eleitoral, que é o mesmo que dizer por fraude. O Colégio é integrado por 538
delegados, indicados pelos partidos nos estados, em número proporcional ao peso
demográfico, e vence quem obter os votos de 270 delegados. Mas eles mesmos e
nossa mídia insistem em que democracia é isso.
Esse modelo, em que dois partidos com a mesma proposta se
alternam no poder é o que apregoam como paradigma para os povos de Nossa
América. Tentaram impor pela força no Brasil, quando da ditadura civil militar
(1964-1985), depois de ter fechado o Congresso e extinto cerca de 16 partidos,
criaram o MDB e a ARENA.
ELEIÇÕES NO EQUADOR OBSERVADAS PELO MUNDO
Em meados de fevereiro, os equatorianos foram às urnas para
eleger presidente e vice-presidente, os parlamentares à Assembleia Nacional e
cinco representantes ao Parlamento Andino. Para vencer no primeiro turno, de
acordo com a Constituição, é necessário mais de 40% dos votos e 10% a mais que
outros colocados. Não alcançado este quociente, haveria segundo turno.
Tudo foi feito dentro das regras do jogo que qualificam a
democracia formal. Fato inédito na história do Equador e de qualquer outro país
de Nossa América, para garantir a lisura dessas eleições foram enviados mais de
600 observadores. Além da OEA e da Unasul, o Parlamento Andino, Liga Árabe,
União Africana, Associação das Nações do Sudeste Asiático e a União
Interamericana de Organismos Eleitorais, além de cerca de 60 personalidades
políticas e intelectuais, compondo um contingente de cerca de 300 pessoas.
O presidente Rafael Correa foi reeleito com quase 60% dos
votos (57,17%), 34,49% de diferença do segundo colocado, o banqueiro Guillermo
Lazo, o preferido da mídia mundial. O empresário Álvaro Noboa Pontón, segundo
favorito na torcida midiática, conseguiu 3,72% dos votos.
Confirmado pelo voto popular, Correa agora passou à categoria
de "ditador eleito", tal como Chávez. Se a vitória fosse de Noboa,
sem dúvida as manchetes diriam que foi "restaurada a democracia" no
Equador.
Correa conquistou a confiança do povo por governar com
decência, por utilizar os recursos advindos do petróleo e outras commodities em
obras de infraestrutura e de redenção social, com ênfase nas áreas de educação
e saúde, e também por ouvir as maiorias e minorias. As oligarquias de Nossa
América não se conformam com que, enquanto os modelos por eles apregoados estão
economicamente estagnados ou cresceram abaixo de 3% nos últimos seis anos, o
Equador cresceu 4,3%.
Não é fácil superar os estragos provocados em décadas de
desgoverno conduzidos por agentes do capital financeiro especulativo e dos
saqueadores das riquezas nacionais. Tal o descalabro que até mesmo a moeda
nacional foi substituída pelo dólar estadunidense. Tudo isso com apoio dos
meios de comunicação. Meios que se transformaram em partidos e instrumentos da
contrarrevolução e do entreguismo. Com tudo isso, a população de mais baixa
renda que era de 37,6% em 2006 baixou para 27,3% em 2012.
Por pretender democratizar o sistema de governo e os meios de
comunicação, por pretender garantir que cumpram com a Constituição e as leis,
que as riquezas minerais e naturais sejam utilizadas em benefício da Nação, e
por pretender dar voz às maiorias, e democratizar os meios de comunicação,
Rafael Correa passou para a categoria de ditador, por nacionalizar o petróleo,
comunista. Ou seja, está sendo tratado pela mídia como se inimigo fosse da
democracia. Democracia para quem, cara-pálida?
ELEIÇÕES NA CUBA SOCIALISTA
Cuba realizou eleições para a Assembleia Nacional em janeiro,
com mais de 90% de comparecimento. Todos os candidatos de todos os municípios
foram eleitos. Em fevereiro, os 612 deputados eleitos elegeram o novo governo,
com mandato de cinco anos.
Como o sistema eleitoral e de governo cubano não segue a
cartilha da democracia ocidental e cristã, já descritas nos tópicos anteriores,
os meios de comunicação, quando não ignoraram o fato, retiraram-lhe
importância. Para a mídia, Cuba é simplesmente a ditadura dos Castro. Será
mesmo?
Antes disso, em 2011, o VI Congresso do Partido Comunista de
Cuba aprovou novas diretrizes para a estratégia de desenvolvimento do país, as
quais vêm sendo seguidas pelo governo. Esse congresso revelou fatos de grande
relevância que estão a ocorrer em Cuba e escondidos pelos meios de comunicação
servis ao Império. O que mais me chamou a atenção foi o componente humano: 50%
negros, 50% mulheres e 50% jovens. Fato realmente surpreendente, um grande
avanço numa Cuba de origem social machista e elitista governada por brancos.
A composição da nova Assembleia Nacional e do novo governo
revela o mesmo fenômeno de ascensão social e renovação etária. A idade média
dos integrantes do Conselho de Estado é de 57 anos, 39% são negros ou mestiços
e quase 42% mulheres. E percebe-se, tanto nos discursos como na prática
cotidiana, que as mulheres se dispõem a aumentar ainda mais a presença nas
entidades, em todas as instâncias do país.
Ao ser reconduzido à presidência, Raúl Castro anunciou que
este é seu último mandato e que nenhum outro cubano poderá permanecer no poder,
seja executivo ou legislativo, por mais de dois mandatos (dez anos). Essa e
outras reformas, que dependem de reforma da Constituição, deverão ser aprovadas
em plebiscito. Justificam com que há que dar lugar às novas gerações e estas
não têm o carisma e a legitimidade dos que fizeram a Revolução vitoriosa de
1959.
Todos os meios especulam sobre o futuro de Cuba sem Fidel. O
que será de Cuba? Para onde irá Cuba? São perguntas que devem ser formuladas às
novas gerações que, formadas pela Revolução, estão ascendendo – sob o silêncio
sepulcral dos grandes conglomerados de mídia - às direções dos organismos
políticos e de governo.
*É
jornalista e editor da revista virtual bilíngue Diálogos do Sul.
No enfoque dos diferentes processos eleitorais, palavras como democracia, ditadura, popular, populismo, opressão, liberdade de imprensa, censura, perdem totalmente seus significados etimológicos e são manipulados para confundir as mentes e impor uma visão unilateral dos fatos
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