quarta-feira, 20 de março de 2013

Memórias de um alienado: Eu também já fui papagaio da direita...


Por André LUx

Quem visita meu blog e lê meus textos com certeza deve pensar que 
sou socialista desde o meu nascimento e fui criado por pais radicais de
 esquerda, que fizeram treinamento de guerrilha em Cuba e lutaram 
contra a ditadura militar...

Nada mais longe da verdade. Muito pelo contrário.

Nasci em uma típica família de classe média baixa, mas que sonhava 
pertencer à elite mundial. Daí que, durante toda minha infância e 
juventude, morei em casas (alugadas) em bairros semi-nobres a 
preços absurdos, enquanto era transportado numa Brasília amarela 
e via meus pais desesperados tentando cobrir o rombo no cheque 
especial todo santo mês.

Mas, como que para provar nossa posição entre a elite, eramos sócios
 do segundo clube no nível hierárquico sócio-econômico da cidade, o
 Tênis Clube de Campinas. Sim, porque o número 1 na escala social
era a Sociedade Hípica, cuja maioria dos sócios podres de ricos
 também freqüentava o Tênis, embora o contrário não acontecesse
(exceto quando éramos convidados para algum casamento realizado
 no gigantesco salão de festas daquele clube - não por acaso
adaptado em uma Casa Grande de algum antigo barão do café).

Sempre fui cercado por parentes e amigos que, mesmo sendo
 honestos e trabalhadores, não tinham a visão crítica necessária
para compreender como as coisas funcionavam. Meus familiares
limitavam-se a repetir o que ouviam, liam e viam na mídia,
especialmente na rede Globo, nas revistonas e nos jornalões
(que apoiaram o golpe militar, embora hoje finjam que não).
Assim, tinham medo de comunistas, pois diziam que comiam
criancinhas e dividiam a casa das pessoas ao meio (o fato de
 não termos imóvel próprio não parecia contradizer esse receio),
 achavam que Che Guevara era um “baderneiro profissional”
(ser pago para fazer baderna, isso é que é profissão!),
 acreditavam que o Brasil tinha tantos problemas “porque
 pobre não gosta de trabalhar” (usar o salário mensal só
para pagar contas e cobrir o rombo no cheque especial,
 imaginavam, não era coisa de pobre) e por aí vai.



Nem preciso dizer que,
obviamente, eu também repetia tudo isso e acreditava no que
estava falando, mesmo sem ter o menor embasamento teórico
ou prático para tanto. Minha vida escolar foi uma piada. Estudei
 em colégio particular (de freiras!) do maternal ao ensino médio.
 Para se ter uma idéia do desastre que isso significa, nasci em
1971 e cheguei até o final da minha fase educacional básica
 sem nem saber que vivíamos sob um regime ditatorial ilegal
e imoral.

Enquanto eu brincava no clube despreocupado, assistia à
 televisão ou passava a manhã inteira decorando datas e
 fórmulas matemáticas de maneira acrítica e alienante,
centenas de brasileiros e vizinhos de continente eram
torturados e mortos simplesmente por se opor àqueles
 regimes de direita. No máximo, eu ouvia algo como
“Bem feito pra esses baderneiros, quem mandou serem
do contra?” quando alguém tocava no assunto.

Se vocês acham que estou mentindo, relaciono abaixo
fatos que marcaram essa fase lamentável da minha
 existência:

1) Vi o filme “Comando para Matar”, aquele em que o
 Arnoldão detona sozinho um exército inteiro de cucarachas
sul americanos, nada menos do que seis vezes nos cinemas
(e contava para todo mundo orgulhoso!);

2) Iniciava comentários com as frases “Eu vi na Veja” ou
“Assisti na Globo”;

Leia também:

Memórias de um alienado - parte II: Como eu comecei a ver e sentir a MATRIX...




3) Ridicularizava quem dizia que existia racismo no Brasil,
 mesmo não tendo nenhum amigo ou conhecido negro,
exceto a empregada que a gente desprezava, e repetindo
 “piadas” do tipo “sabe qual a diferença entre um negro e
uma latinha de (censurado)?”;

4) Sentia prazer em irritar petistas, repetindo jargões que s
ão usados até hoje (“Lula é vagabundo, ex-presidiário,
 arrancou o dedo para não precisar mais trabalhar”, “Sindicalista só 
sabe fazer baderna”, “Petista é tudo igual", "Se gosta tanto de Cuba
, por que não vai prar lá plantar cana??”). Isso mesmo sem conhecer 
absolutamente nada de política, sociologia ou história;

5) Acreditava que o Stallone, o Arnoldão e o Chuck Norris lutavam 
pela liberdade, pela democracia e pela justiça para nos salvar dos 
vilões comunistas (eu tinha até pôster deles no meu quarto) e que 
os Bandeirantes foram corajosos desbravadores dos sertões brasileiros;

6) Vivia falando mal do Brasil e do “povo” brasileiro (do qual eu não
 fazia parte, é claro, afinal meus bisavôs eram europeus) e começava 
a concluir esse tipo de argumentação com a frase “Ah, mas lá nos 
Estados Unidos...”;



7) Passava a tarde inteira e 
o domingo inteiro na frente da TV, assistindo qualquer porcaria, e só 
ia dormir depois de ver o Fantástico, sempre deprimido por lembrar 
que no outro dia voltavam as aulas e eu não havia feito a lição de 
casa nem decorado a matéria para as provas;

8) Cantava a música “Vamos Construir Juntos!” (que eu sei de cor até hoje!)
 e colecionava o álbum de figurinhas do “Paulistinha”, que faziam parte 
do marketing institucional do governo ditatorial para nos convencer que
o Brasil era "o país do futuro";

9) Assistia às novelas da rede Globo, embora ficasse falando mal delas
 (porque naquela época, macho que era macho não via novela, a não
ser para reclamar);

10) Ficava realmente preocupado com a situação da Ponte Preta no 
campeonato paulista;

11) Comemorava toda vez que um novo McDonald’s era inaugurado no 
Brasil, pois era sinal de que o país estava progredindo (sim, eu também 
acreditei na ladainha sobre as maravilhas da "globalização neoliberal");

12) Queria ser astronauta da NASA quando crescesse (mas, desisti depois
 que me falaram que eles têm que ser bons em matemática);

13) Proferia afirmações como "não voto em partidos, mas em pessoas" 
(isso porque eu nem podia votar!), pois tinha aprendido que partidos
eram coisas ruins e inúteis (assim, quando algum político de direita caia 
em desgraça, era culpa só dele, não do partido), especialmente aqueles
 que defendiam ideologias de esquerda;

14) Ideologia também era outro palavrão, coisa de baderneiro profissional, 
por isso eu também dizia, todo faceiro: "Não existe esse negócio de 
esquerda e direita, isso é coisa de gente revoltada que não gosta de 
trabalhar e só sabe ser do contra!".



Isso só para ficar no básico. Tenho certeza 
que você já testemunhou alguém falando ou fazendo coisas parecidas, 
certo?

Sinceramente, eu era um caso quase sem salvação. Mas a sorte sorriu 
para mim. Não fosse por alguns fatos que aconteceram em minha vida
 e serviram para abrir meus olhos, fatalmente eu seria hoje aquele 
mesmo adolescente alienado, ignorante e raivoso. Só que pesando 50 
quilos a mais, com barba na cara e com um daqueles adesivos nojentos 
quatro-dedos dizendo "Fora Lula!" colado no vidro do carro
 (cuja prestação pagarei até 2010) .

Abordarei essa “transformação” em meu próximo texto sobre o assunto.

http://tudo-em-cima.blogspot.com.br/2007/04/memrias-de-um-alienado-eu-tambm-j-tive.html

2 comentários:

  1. ...com barba na cara e com um daqueles adesivos nojentos quatro-dedos dizendo "Fora Lula!" colado no vidro do carro (cuja prestação pagarei até 2015...

    ResponderExcluir
  2. Parabéns o seu texto está divino! Direto, popular e com alma! Somos felizes por tê-lo conosco! Neila Gomes MNLM

    ResponderExcluir