quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Oscar Niemayer: "Entrei para o Partido Comunista, abraçado pelo pensamento de Marx que sigo até hoje”,



Oscar Niemeyer fotografado em 1977
Imagem: AFP


Niemeyer, uma vida fora da linha reta

Chamam-lhe arquitecto da invenção, da utopia, da rebeldia, da arte. “Não há razão para a gente ficar na linha reta”, palavras de Oscar Niemeyer.

Nas entrevistas que foi dando ao longo da longa vida, Niemeyer explicou como começou a sua caminhada na arquitectura. A culpa foi do gosto pelo desenho. Nascido no Rio de Janeiro, em 1907, nada lhe dava mais prazer do que jogar à bola na rua, ir à praia…e desenhar.

No site da Fundação Niemeyer a história é contada na primeira pessoa: “Lembro-me que ficava com o dedo no ar desenhando. Minha mãe perguntava: 'o que está fazendo menino?' 'Desenhando', respondia com a maior naturalidade. Realmente, fazia formas no espaço, formas que guardava de memória, corrigia e ampliava, como se as tivesse mesmo a desenhar.”

Foi o gosto pelo desenho que o levou à Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro de onde sai em 1934 com o diploma de engenheiro arquiteto. Dois anos depois, já trabalhava no escritório de Lúcio Costa, integrando a equipa que projetou o edifício do Ministério da Educação, no Rio de Janeiro, um dos grandes marcos da arquitetura brasileira.

Foi através de Lúcio Costa que Niemeyer conheceu o famoso arquiteto franco-suíço Le Corbusier, que haveria de ser uma forte influência no brasileiro, pelo menos nos primeiros trabalhos de Oscar Niemeyer, e com quem teria oportunidade de colaborar. Em 1939, também com Lúcio Costa, viajou para Nova Iorque, para projectar o Pavilhão do Brasil na Feira Mundial.

Em 1940 Niemeyer recebeu o convite que viria mais tarde a culminar na construção da cidade de Brasília. O político Juscelino Kubitschek pediu ao arquiteto para projetar o Conjunto da Pampulha - obra que até hoje considera uma das suas favoritas e onde diz ter começado a explorar a ideia de linha curva nos edifícios.

Um homem, uma ideologia

Niemeyer nunca escondeu a sua militância no Partido Comunista do Brasil. Dizia que sempre foi “revoltado”. “ Da família católica eu esquecera os velhos preconceitos, e o mundo parecia-me injusto, inaceitável. A miséria a se multiplicar como se fosse coisa natural e aceitável. Entrei para o partido comunista, abraçado pelo pensamento de Marx que sigo até hoje”, pode ler-se no site da Fundação Oscar Niemeyer.
A adesão aos ideias comunistas trouxeram-lhe elogios e dissabores. Em 1946, por exemplo, foi convidado a dar um curso na Universidade de Yale, nos Estados Unidos, mas não pôde entrar no país. Ingressou no Partido Comunista do Brasil em 1945. No ano seguinte, no entanto, ganhou por unanimidade o concurso para a construção da sede da Organização das Nações Unidas, em Nova Iorque, e obteve o visto de entrada.

No início da década de 1950 projetou o Parque do Ibirapuera e o Edifício Copan, que se tornariam cartões-postais da cidade de São Paulo. Também viajou pela primeira vez até à Europa, tendo participado no projeto de reconstrução de Berlim.

Brasília, obra de uma vida

Em 1955 Niemeyer funda a revista Módulo, no Rio de Janeiro, e assume a chefia do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da NOVACAP, encarregada da construção de Brasília. Juscelino Kubitschek, eleito presidente da República em 1956, queria construir uma nova capital no planalto Central do país e pôs nas mãos de Niemeyer a organização de um concurso para a escolha do plano piloto de Brasília, ganho por Lúcio Costa.

Em tempo recorde, Oscar Niemeyer projetou o Palácio da Alvorada, o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional, a catedral, os edifícios dos ministérios, além de edifícios residenciais e comerciais da nova capital, inaugurada em 21 de Abril de 1960.

No início dos anos 60, foi nomeado coordenador da Escola de Arquitetura da recém-fundada UnB (Universidade de Brasília). Em 1964, foi surpreendido pela notícia do golpe militar de 31 de março no Brasil. De regresso ao país, foi chamado a depor no DOPS - Departamento de Ordem Política e Social, um dos principais órgãos de repressão política da ditadura militar.

Em 1965, juntamente com outros 200 professores, Niemeyer deixou a UnB, em protesto contra a nova política universitária do governo. Praticamente impedido de trabalhar no Brasil, o arquiteto mudou-se para Paris, onde projetou a sede do Partido Comunista Francês. Além de projetos em Itália (sede da Editora Mondadori) e na Argélia (Universidade de Constantine e Mesquita de Argel), acompanhou uma exposição sobre a sua obra na Europa.

Em 1970, em protesto contra a guerra do Vietname, desligou-se da Academia Americana de Artes e Ciências. Em 1990 deixou o Partido Comunista Brasileiro.

As obras e os prémios

Oscar Niemeyer recebeu inúmeros prémios, entre eles o conceituado prémio Pritzker de Arquitetura, mas também o Leão de Ouro da Bienal de Veneza por ocasião da VI Mostra Internacional de Arquitetura, a Royal Gold Medal do Royal Institute of British Architects, o Prémio UNESCO 2001, na categoria Cultura, os títulos de Arquiteto do Século XX, do Conselho Superior do Instituto de Arquitetos do Brasil e os títulos de Doutor Honoris Causa das Universidades de São Paulo e de Minas Gerais.

A inovação dos seus edifícios causou por vezes estranheza. Entre os muitos edifícios que Niemeyer desenhou está a Igreja de São Francisco, cuja estrutura radical atrasou a sa consagração foi atrasada até 1959, embora a obra tivesse sido terminada em 1943.

Em 1971, lança-se em nova aventura e lança, em França, a "linha on" de mobiliário, desenhada por Niemeyer, com a colaboração de Anna Maria Niemeyer, na primeira incursão no campo de mobiliário industrial.

Também na literatura deixaria a sua marca. Na verdade, cada projeto de Niemeyer era sempre precedido de um texto explicativo. Dizia o arquitecto que se não conseguisse argumentar a favor do seu desenho, então voltava à estaca zero.

Em 1998, com 91 anos, publica então o livro de memórias “As curvas do tempo”. Niemeyer, lê-se no site da Fundação com o seu nome, queria fazer um livro que o explicasse: “Um livro que mostrasse ter eu sempre encontrado tempo para pensar maior, sentir como a vida é injusta, como nossos irmãos mais pobres são explorados e esquecidos.”

No ano seguinte, nova façanha. Publica, no Brasil, a sua primeira obra de ficção, “Diante do nada”, a história de um jovem que se preocupa com o mundo e com a luta do ser humano.

Em 2004 enfrenta a morta da esposa, Annita, tendo voltado a casar dois anos depois com Vera Lúcia. Tinha 98 anos.

Um ano depois, puseram-se em marcha as comemorações dos seus 100 anos. Em todo o Brasil são realizadas exposições, eventos e homenagens em comemoração ao centenário de nascimento do arquiteto.

Entre as diversas condecorações, recebe do presidente Lula a medalha do Mérito Cultural, um reconhecimento à sua contribuição à cultura brasileira, e em França, o título de Comendador da Ordem Nacional da Legião de Honra, concedido pelo embaixador da França no Brasil.

Niemeyer, "Tranquilo da vida"

Em 2009, o homem que já tinha alcançado quase tudo vê-se numa cama de hospital durante dois meses. Nesse tempo escreveu uma letra de uma música de samba, acompanhado por uma melodia criada pelo seu enfermeiro. Pela mão do neto chegou à fala com músico brasileiro Edu Krieger que finalizou a canção de protesto com toque de esperança que se haveria de chamar “Tranquilo da vida”.

“Da minha favela eu vejo os granfinos/Morando na praia, de frente pro mar/Não devemos culpá-los, tão prestigiados/Que um dia entre nós vão voltar a morar”. A letra é um espelho de Niemeyer, do homem que aproveita os prazeres simples da vida mas que está atento às injustiças do mundo.

Niemeyer raramente sai de casa e do ateliê, concede poucas entrevistas. Continua, assegura, a trabalhar arduamente. Artista mais do que arquiteto, deixou marca em todo o mundo, com mais de 600 edifícios inovadores, rebeldes, sensuais, provocantes.



Vera Moutinho

fonte:http://noticias.sapo.pt/internacional/artigo/niemeyer-uma-vida-fora-da-linha-_1893.html

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