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Vala negra da Veja suja o Jardim Botânico

    Publicado em 08/02/2011
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Santos e Jungmann: de quem você compraria um ingresso para o Jardim Botânico ?

O Conversa Afiada publica e-mail que recebeu do deputado Edson Santos:

Prezado PHA,


Tudo bem? Como há muito tempo estamos cientes da vala negra que corre na redação da Veja, dificilmente nos surpreenderíamos com a falta de correção darevista sobre qualquer tema. Em meio a tantas matérias preconceituosas e manipuladoras, não se pode mesmo esperar qualquer tipo de compromisso com os princípios éticos do jornalismo, tais como a imparcialidade e a objetividade.

Mas Veja que belo exemplo a revista nos deu em sua última edição, na qual publicou a “matéria” intitulada “Um ultraje, um escândalo” – repare quanta objetividade neste título de três palavras, das quais duas são adjetivos. Na falta de fontes mais qualificadas para falar sobre o conflito fundiário entre o Instituto de Pesquisa do Jardim Botânico com a comunidade do Horto Florestal, a revistafoi ouvir o ex-ministro do Desenvolvimento Agrário do governo FHC, Raul Jungmann. Deve fazer algum sentido…

De qualquer forma, por concordar com a avaliação feita pelo Conversa Afiada em relação ao PIG, quero aproveitar a oportunidade para lhe contar um pouco mais sobre esta disputa fundiária em área nobre da Zona Sul carioca, que opõe os moradores da comunidade tradicional a grandes interesses imobiliários, defendidos com afinco pelo PIG e seus colonistas.

Em todas as matérias publicadas sobre o assunto, foram naturalizados os adjetivos “invasores” e “ilegais” para caracterizar os moradores do Horto, o que não corresponde à realidade, e acaba por gerar em toda a sociedade uma visão distorcida sobre a questão.


Para lhe transmitir a exata noção sobre a inverdade destas colocações, recorro a um pouco de perspectiva histórica sobre o assunto. Em 1578 a região já era habitada pelos trabalhadores – negros escravizados – de dois engenhos de cana ali instalados, que mais tarde viriam a se converter em fazendas de café. Ainda hoje há monumentos reveladores desta remota época, como os aquedutos tipicamente coloniais e algumas construções de cujos vestígios se insinuam ruínas de senzalas.


A segunda onda populacional ocorreu em 1808, quando D. João VI desapropriou o Engenho de Nossa Senhora da Conceição da Lagoa, de propriedade de Rodrigo de Freitas, para a construção de uma fábrica de pólvora, e alguns meses mais tarde fundou o Real Horto, atualmente conhecido como Instituto Jardim Botânico. Como era costumeiro na época, os trabalhadores da fábrica e do parque foram convidados a residir nas proximidades. Assim, gerações de famílias de funcionários e seus descendentes constituíram uma comunidade com autorização formal e informal de sucessivas administrações do Jardim Botânico e do Ministério da Agricultura, instância de poder a qual o Horto Florestal estava subordinado na época.


A noção de pertencimento desta comunidade, que já estava instalada na região mesmo antes da criação do Jardim Botânico, impediu a deterioração da área e garantiu sua preservação, uma vez que as famílias estão altamente integradas àquele meio ambiente, dentro de padrões de sustentabilidade. Durante anos, os moradores do Horto vêm cuidando desta localidade como extensão de suas vidas, impedindo, inclusive, a implantação de projetos de grande impacto sócio-ambiental, como a construção do cemitério Santa Catarina de Siena – de iniciativa do então governador Carlos Lacerda – e de um conjunto residencial do BNH, de 35 blocos de 6 andares cada, ambos projetos da década de 1960.


O núcleo do Caxinguelê, por exemplo, que faz fronteira com o Jardim Botânico, permanece onde esteve nos últimos 60 anos. Nem um centímetro se avançou na direção do arboreto. Ao contrário, esse se expandiu territorialmente a ponto de derrubar metade do campus da Escola Municipal Julia Kubitschek, construída e inaugurada em 1961 pelo presidente Juscelino no Horto. Portanto, se hoje o parque disputa espaço com o Caxinguelê é devido ao seu próprio avanço.


O Caxinguelê, que ficou estigmatizado pela imprensa como comunidade invasora, surgiu no final da década de 1950, quando o então diretor Paulo Campos Porto convidou os funcionários do Parque e do Horto, que residiam em sua maioria na região do Grotão, para construirem suas casas mais perto do trabalho. A própria administração do Jardim Botânico desenhou uma planta de assentamento de casas a serem doadas para aqueles trabalhadores, as quais foram levantadas com o suor de seus corpos e captação de materiais a partir de seu próprio sacrifício.


Portanto, a lógica da cobertura está invertida, como você poderia conferir conversando com Roberto Magessi, secretário executivo do Conselho do Parque Nacional da Tijuca, bisneto e tataraneto de dois antigos administradores do Parque, numa linhagem familiar há 120 anos dedicada à preservação da Floresta da Tijuca. Ele conhece e tem acesso há vários estudos que comprovam a legitimidade dos moradores do Horto em sua luta por moradia. E após confrontar o Código Florestal com o Estatuto das Cidades, a Lei Orgânica do Município, a Lei da Mata Atlântica e a Constituição Federal, concluiu que:


Primeiro – A comunidade do Horto nunca foi uma ameaça para os limites do Parque Nacional da Tijuca;


Segundo – A comunidade ocupa uma área destinada à moradia há mais de um século e, portanto, não promoveu desmatamento algum;


Terceiro – A comunidade cresceu numa proporção infinitamente menor do que a cidade e do que o bairro do Jardim Botânico;


Quarto – A comunidade colaborou com a recuperação e protegeu toda a área de amortecimento do Parque Nacional da Tijuca. E que só existe verde nesse espaço porque a comunidade protegeu e plantou, vide as áreas degradadas pelos condomínios que, juntas, destruíram em poucos anos um espaço 18 vezes superior à área da comunidade.


Quinto – O Jardim Botânico não é uma unidade de conservação, mas de pesquisa, tarefa que há muito não vem exercendo. Basta um breve diálogo com seus pesquisadores para perceber que a prática comercial se tornou o carro chefe do Instituto, com a criação de espaços musicais, restaurantes, estacionamentos e sedes de empresas, numa atitude adversa às normas de uma pretensa unidade de conservação.


Sexto – A área em questão nunca pertenceu ao Jardim Botânico, que por sinal não é regularizado. É área da União destinada historicamente à moradia.


Magesssi afirma ainda que “tentar criminalizar ambientalmente a comunidade do Horto é desviar do problema real e usar os mais pobres como boi-de-piranha para a passagem da boiada da especulação imobiliária”.


Os moradores do Horto sempre mantiveram uma convivência harmônica e cordial com o seu entorno. Ali nunca teve tráfico ou violência. O ritmo é outro, até por conta da predominância de idosos entre os moradores.


Temos casos, como o de Dona Conceição, 80 anos, matriarca viva da família Marins Maciel, nascida na localidade, cujos avós já trabalhavam e moravam ali, remontando a uma ancestralidade com mais de 120 anos. São essas pessoas, com raízes profundas na área, as que mais contribuíram para a construção do bairro, do Parque Jardim Botânico e para a preservação da enorme área verde em seu entorno. Mas sua casa, atrás do Aqueduto da Levada, é hoje umas das mais assediadas pela administração do mesmo Parque para a “reintegração de posse”.


Os conflitos começaram em 1983, quando o antigo IBDF tentou remover os moradores à força do local. Após décadas de disputas judiciais, a Secretaria de Patrimônio da União (SPU), órgão subordinado ao Ministério do Planejamento que tem como função cuidar dos próprios da União, resolveu regularizar a situação fundiária dos moradores do Horto. Em nota recente, o órgão esclarece que “está em curso a regularização fundiária de interesse social que inclui tanto a regularização das famílias de baixa renda quanto a dos limites do próprio Instituto Jardim Botânico do Rio de Janeiro”, que se respalda em estudo sócio-econômico da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ.


O trabalho desenvolvido pela SPU, lamentavelmente, vem gerando fortes manifestações de intolerância de setores que não se conformam em conviver com uma comunidade pobre em área nobre da cidade. Naquilo que poderia ser um belo exemplo para a superação no Rio do estereótipo de “cidade partida”.


A “reportagem” de Veja, por exemplo, ridiculariza os argumentos da chefe de Serviço de Regularização Fundiária da SPU, Célia Ravera, que é desqualificada pelo fato de ter nascido na Argentina e por já ter proferido palestras “ladeada” por integrantes do MST.


Os estudos da FAU/UFRJ mostram que é perfeitamente possível conciliar a permanência dos moradores do Horto Florestal com a expansão da área de visitação do Jardim Botânico. E é isso que a SPU propõe, reassentando em localidade próxima as pessoas que hoje ocupam imóveis em situação de risco ou construídos na área atualmente abrangida pelo arboreto – em área próxima, e não em Nova Sepetiba, como chegou a defender o presidente do Jardim Botânico. Então, a quem interessa fomentar a discórdia?


Fico à disposição para qualquer informação adicional sobre o assunto.


Saudações fraternas,

Edson Santos – deputado federal (PT-RJ)

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